Não se nega a primazia de Portugal como terra de grandes
vinhos generosos. Com o trio formado por Porto, Madeira e Moscatel de Setúbal,
de grande fama por todo o Mundo, ainda complementados por generosos raros,
especiais e regionais, como o Carcavelos, o Moscatel do Douro ou outros tantos
mais.
Ainda que tais vinhos tenham surgido a partir de tradições
mais antigas e locais, é a grande sede dos britânicos por esta categoria que dá
o grande impulso necessário para que estas e ainda outras denominações de
firmem como referência de vinhos generosos de qualidade para o grande público
amante do vinho. Em Portugal, as apelações supracitadas foram as que maior influência
sofreram, fato facilmente constado pela ainda expressiva penetração destes
vinhos no mercado britânico, além das muitas famílias vindas de lá e hoje
profundamente envolvidas com o negócio do vinho em Portugal.
Mas entre os grandes vinhos generosos do mundo encontramos
um em particular com história e tradições tão ricas quanto os exemplares
clássicos lusitanos, produzido há poucas centenas de quilômetros de Portugal,
nas cálidas terras andaluzes; são estes os vinhos de Jerez!
A apelação reconhece o nome em diferentes idiomas, Jerez,
Xerez ou Sherry. Aqui utilizaremos o nome local, em respeito à região e suas
tradições. O Jerez é fruto de uma terra de passagem, onde muitos foram os povos
que ao longo da história ali habitaram. As tradições, gastronomia, arquitetura
e viticultura locais são, então, fruto direto da influência de Fenícios,
Gregos, Cartagineses, Romanos, Muçulmanos, entre outros.
Porém, os vinhos ali produzidos e tão apreciados hoje em dia
sofreram uma significativa influência das necessidades do mercado,
especialmente o mercado britânico e sua demanda por vinhos fortificados. Este
aliás era o estilo local já nos séculos XVII e XVIII, com vinhos jovens e de
elevado teor alcoólico, cujo envelhecimento antes da exportação não era
permitido. É apenas no início do século XIX que começa a tomar forma a Jerez
que conhecemos hoje, quando a chegada de várias famílias de comerciantes estrangeiros
e de outras regiões de Espanha levam a mudanças nas normas locais, que por fim
levam a produção de vinhos de maior qualidade.
Hoje, ainda que Jerez produza vinhos de grande qualidade em
estilo oxidativo, o grande fator distintivo da enologia local são os vinhos de
envelhecimento biológico, que maturam e evoluem sob influência da flor, uma
camada de leveduras que se formam sobre o vinho, não tão diferente do que
acontece com os Vin Jeaune do Jura, na França. Aqui nos solos esbranquiçados
ricos em calcário, chamados albarizas, a casta branca Palomino Fino produz
vinhos com as condições ideais para que estas leveduras se desenvolvam.
Claro, é necessário o “apoio” do produtor; a fortificação
dos vinhos base não pode ultrapassar os 15,5° e as botas, barris onde o vinho
envelhece, não podem ser completamente cheias, deixando espaço para a formação
da camada de flor. A flor bloqueia a entrada de oxigênio, consome qualquer
resquício de açúcar ainda presente, glicerina e produz uma série de substâncias
químicas do grupo dos acetaldeídos, conferindo a estes vinhos seus aromas
típicos de amêndoas e notas salinas.
O vinho produzido deste forma é o Jerez Fino, podendo também
ser denominado Manzanilla caso seu envelhecimento aconteça na cidade de Sanlúcar
de Barrameda, mais próxima ao mar, na foz do rio Guadalquivir. Para que tenha
as características de delicadeza e frescor que lhe são peculiares, a origem
ideal são os solos de albariza que já mencionamos. Essa distinção é importante,
pois temos ainda na região solos arenosos e argilosos, as arenas e barros, que
entregam vinhos com mais corpo e estrutura, mais adequados para os estilos com
maior oxidação e mais álcool, o Oloroso e o Amontillado. Aquele é feito com
vinhos base fortificados à 18°, evoluindo desde o início de forma oxidativa,
enquanto este inicia sua maturação sob a flor, sendo após alguns anos
refortificado para que a flor morra e siga sua maturação de forma oxidativa.
Outra prática distintiva da produção de Jerez é o uso quase
que generalizado do sistema de solera, que basicamente consiste em nunca
esvaziar as barricas no momento do envase, completando as mesmas com barricas
um ano mais jovens, e estas com vinhos de barricas ainda um ano mais jovens e
assim sucessivamente, até que se complete as barricas que contêm apenas vinho
do ano anterior com o vinho do ano atual. Desta forma, o vinho engarrafado é
sempre uma mistura de todas as safras desde o início daquela solera, o que
confere maior complexidade ao produto, mas também constância de estilo e
qualidade.
Encontramos ainda outros estilos menos conhecidos, de
produção limitada, como a Manzanilla Pasada e o Palo Cortado, além dos estilos
doces, com a casta Pedro Ximenez, carinhosamente chamada de PX, ou com a
Moscatel, bem menos comum. Serão vinhos igualmente instigantes, complexos e
apaixonantes.
Jerez é uma região muito rica em história e tradições e além
disso produz um dos mais instigantes vinhos, com uma versatilidade ímpar para
harmonização rivalizada por pouquíssimas regiões ou estilos. Conhecer a fundo
esta região e seus vinhos é um caminho sem volta, seja pelo lado do escanção,
que invariavelmente mergulha nos meandros dos muitos estilos e sabores que aqui
encontram-se, seja pelo lado do consumidor, que terá uma fonte de muitos
sabores, sensações e possibilidades.
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