Reino Unido, da criação de tendências a produção
Não faltam referências no mundo do vinho que nos façam olhar para o Reino Unido, hoje como ao longo
do último milênio. Sendo hoje o mais maduro, evoluído e organizado mercado no mundo, o Reino Unido
já de muito tempo lança e cria tendências, apontando caminho e conduzido os meios de degustar,
sentir, entender e comprar vinho para o mundo todo.
O primeiro Bordeaux vendido pelo nome do Château foi ali, pelo proprietário do Haut-Brion, em sua
própria taverna; o método tradicional para produção de espumantes com a segunda fermentação em
garrafa foi, ao que tudo indica, desenvolvido lá, os grandes fortificados do mundo, Porto, Madeira,
Moscatel de Setúbal, Jerez e Marsala, foram ou incentivados ou criados pelos ingleses, as próprias
estruturas do mercado, como este se organiza, promove e comercializa o vinho, além das importantes
instituições de ensino ali fundadas, como a WSET e o IMW, que ao lado de muitos dos mais relevantes
autores, especialistas e jornalistas que difundem a cultura e o conhecimento do vinho. Por fim, junto da
França, indiscutivelmente a nação que mais influenciou e moldou o mundo do vinho como o
conhecemos.
Grande parte dessa influência foi construída ao longo de séculos, em que os diferentes reinos que hoje
compõem o Reino Unido eram prósperos e sedentos de bons vinhos, grandes consumidores, mas sem
condições objetivas de produzir, pois o clima frio e úmido constituía um obstáculo então intransponível.
Assim, desejando bons vinhos, os ingleses lançaram-se ao mar em busca de bons fornecedores e de
acordos comerciais vantajosos, que acabaram por constituir-se em importante motor da evolução de
regiões aqui já citadas.
Porém, o anseio natural de todo grande consumidor é produzir. Não faltaram iniciativas ao longo dos
séculos para a produção de vinhos britânicos e claro, não podemos nos esquecer, que durante uma
parte da Idade Média a Aquitânia, onde está Bordeaux, foi território britânico.
Mas com as dificuldades proporcionadas pelo clima, foi só com a maior evolução do conhecimento
sobre a vitivinicultura que surgiu uma produção efetivamente comercial no país. A primeira vinícola
comercial britânica dos tempos modernos foi fundada há relativamente pouco tempo, em 1952, quando
percebeu-se que castas como a Müller-Thurgau e a Seyval-Blanc tinha condições de amadurecer nas
condições climáticas então encontradas. Mas o tempo passou e as mudanças climáticas vieram, com
temperaturas médias em alta e alterações nos ciclos das chuvas globalmente, que tornaram a produção
de vinhos finos cada vez mais fácil em zonas onde antes isso seria impensável.
Aliado a isso, uma maior compreensão do terroir e da geologia do sul da Inglaterra, com zonas
específicas onde encontramos rigorosamente o mesmo solo da Champagne, incentivaram a plantação
dos primeiros vinhedos de Chardonnay e Pinot Noir pela Nyetimber, em 1988, produzindo a partir dos
primeiros anos da década de 1990 espumantes método clássico que fariam muito barulho no mercado,
sendo inclusive selecionados para as celebrações do Jubileu de Ouro do reinado de Elizabeth II.
O sucesso e a qualidade dos espumantes da Nyetimber apontaram o caminho, levando literalmente
centenas de produtores a apostarem nos espumantes. Hoje já são cerca de 3.000ha de vinhedos, com os
espumantes ocupando lugar de destaque, como o mais emblemático fruto da vitivinicultura britânica,
com vinhos em patamar qualitativo semelhante ao de grandes casas de Champagne, já com séculos de
tradição, fenômeno esse que levou inclusive empresas como Taittinger, Roederer e Pommery a
investirem ali, ainda que os custos de produção sejam um obstáculo, colocando os bons espumantes
britânicos em patamar de igualdade não só na qualidade mas também no preço dos bons Champagnes.
Em recente passagem por Londres, pude participar da feira anual da Wine GB, órgão responsável pela
promoção dos vinhos britânicos, assim comprovando a qualidade e evolução da produção local, hoje
entregando produtos bem interessantes e distintivos também entre os vinhos tranquilos. Ainda que as
castas hibridas de menor potencial qualitativo, como a Bacchus e a Siegerrebe, ainda tenham uma forte
presença, crescem os exemplares feitos com Chardonnay, Pinot Noir, Chasselas, entre outros, além do
desenvolvimento de competências técnicas que permitem a produção de vinhos muito interessantes
com castas como Solaris, Rondo e Acholon.
Produtores como Black Chalk, Gusborne, Simpsons, Exton Park e muitos outros tem apresentado
excelentes resultados, além de novas produções, de áreas ainda menos tradicionais, como o País de
Gales, onde Hebron Vineyards e Vale produzem tintos e brancos de muito boa qualidade.
Ainda que no momento pequena e focada no mercado doméstico, é questão de tempo para que os
vinhos do Reino Unido encontrem seu espaço no mercado global e tornem-se presença nas prateleiras e
cartas de vinhos pelo mundo. O que só reforça a necessidade de atualização constante do Escanção.