Há umas tantas edições atrás, utilizamos este espaço para
introduzir os vinhos alemães, justificadamente entre os mais desejados por
amantes do vinho em todo mundo, assim como queridinhos de escanções por todo
canto.
O apelo do vinho alemão, sobretudo para o escanção, pode ser
explicado em parte pela legislação alemão, muito particular e sempre uma
pequena “diversão” na hora dos nossos estudos, além da forte presença da casta
Riesling, rainha das brancas e preferida de tantos e tantos profissionais.
Mas hoje queremos direcionar nosso olhar para uma Alemanha
de outras cores; vamos hoje falar de uma Alemanha em tinto. E não no geral, na
produção nacional como um todo, mas de uma pequena e pitoresca região em
particular, onde os vinhos tintos são maioria; o Ahr.
Nas últimas décadas, em função de mudanças climáticas e
mudanças nas preferências do público, a produção de vinhos tintos cresceu em
toda a Alemanha, passando de cerca de 11% na década de 1980 para algo por volta
dos 33% nos dias de hoje, fenômeno semelhante ao ocorrido com a doçura, com uma
migração dos vinhos doces ou adamados cada vez mais em direção aos secos. No
entanto, falamos aqui de um fenômeno que abarca regiões como Pfalz, Baden e
Württenberg, onde o clima vem permitindo cultivos maiores de variedades como
Lemberger, Dornfelder e, claro, a Spätburgunder, nossa conhecida Pinot Noir.
Já no Ahr, PDO mais ao Norte do país, sempre reinaram as
castas tintas, tendo a grande virada ocorrido substancialmente naquilo que se
refere à qualidade dos vinhos ali produzidos. Hoje os tintos são mais de 80% da
produção local e a produção de brancos segue em queda.
Localizada em um estreito vale formado pelo rio Ahr, que
corre de Oeste para Leste, dos montes Eifel em direção ao rio Reno, essa região
conta com temperaturas anormalmente quentes para uma latitude tão ao Norte,
podendo contar com uma estação de cultivo de algo como 120 a 130 dias e
temperaturas mediterrâneas que entram pelo mês de Outubro muitas vezes. Esse
foi certamente um dos fatores que levou os romanos a instalarem-se aqui, fato
corriqueiro em tantas e tantas regiões produtoras atuais da Europa onde Roma
foi a responsável pelos primórdios da vitivinicultura.
Faltam no entanto indícios de que os Romanos cultivaram aqui
a videira; as mais antigas menções a existência de vinhedos no vale do rio Ahr
datam do ano 770 d.C. Apesar das dificuldades de produção na íngremes encostas
do vale, o que ocasiona maiores custos produtivos, até bem pouco temo a
produção local focava em tintos simples, frutados e até adocicados. Esse
descompasso entre custo de produção e valor agregados dos produtos locais levou
muitos produtores locais a imigrarem para a América no início do séc. XIX. Os
que permaneceram foram responsáveis por fundar em 1868 a primeira cooperativa
da Alemanha, com apenas 18 sócios então, chegando a 180 apenas 25 anos depois.
O cooperativismo ainda tem enorme importância na produção do
Ahr, respondendo cerca de dois terços da produção local. Porém, foram pequenos
e ousados produtores que mudaram a sorte dos vinhos locais quando, ainda na
década de 1980, nomes como Deutzerhof, Jean Stodden e, principalmente,
Meyer-Näkel, passaram a dar outro nível de atenção às uvas Pinot Noir que
vinham de seus vinhedos, buscando pontos de maturação e técnicas de vinificação
afinadas com as melhores práticas dos melhores vinhos da Bourgogne.
Os resultados não tardaram a chegar, colocando os vinhos do
Ahr em posição de destaque rapidamente. Isso fui crucial para a sobrevivência
de região como zona de produção de vinhos finos, pois afinal permitiu aos
produtores locais maior foco na qualidade, com vinhos consequentemente de maior
valor agregado, mais alinhados com as dificuldades e custos de produção
inerentes à região; os melhores vinhos locais podem alcançar preços
equivalentes aos de Premier Crus da Bourgogne, não devendo nada em qualidade
para eles.
Cerca de 65% da produção local é da casta
Spätburgunder/Pinot Noir, sem dúvidas a grande estrela local. Mas mesmo entre
as tintas, o Ahr conta com seus pequenos segredos a serem descobertos, com
especial destaque para uma casta que, ainda que representando apenas 6% dos
vinhedos mostra aqui um ótimo potencial na produção de vinhos frescos, com um
agradável toque herbal; falamos aqui da Frühburgunder, mutação de maturação
precoce da Pinot Noir, conhecida na França como Pinot Madeleine. Apenas uma
amostra do quanto há por se descobrir nos vinhos locais.
Evidentemente não poderíamos falar do Ahr sem citar as
muitas notícias que vimos nos últimos meses na mídia e nas redes sociais, onde
imagens tristes mostraram a grande destruição causada em vinhedos e vinícolas
do Ahr pelas chuvas e inundações que ali ocorreram em Agosto. A safra 2021 no
Ahr será virtualmente inexistente, sobretudos nos menores produtores, e o futuro
da região permanece incerto, enquanto a estrutura local de tantos produtores
afetados pela tragédia segue em reconstrução. O que é certo é que em breve
grandes vinhos do Ahr voltarão a fluir das adegas locais.
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