Ao Encontro Do Novo
Ao longos dos últimos anos, temos sempre ocupado este espaço
com diferentes regiões produtoras pelo mundo, sempre apresentando aos leitores
novas fronteiras ou ainda zonas de produção já tradicionais porém menos
conhecidas. Parte do que fascina no mundo do vinho é sua profundeza
aparentemente sem fim, onde encontramos sempre novos temas e novas nuances.
O vinho sempre traz consigo novas descobertas, seja de
aromas, sabores, sensações ou ainda de técnicas, histórias e informações. Desta
forma, conhecer uma nova zona produtora é sempre uma aventura de descoberta e
aprendizado.
Cada região tem sua história a ser contada; no Velho Mundo,
via de regra, histórias de tempos já perdidos na memória, onde fatos, lendas e
tradições combinam-se em um emaranhado onde nunca está claro onde começa uma
coisa e termina outra, de forma que simplesmente aceita-se os fatos como estes
são contados. No Novo Mundo, a história está um pouco mais bem documentada, por
ser mais recente, então temos contos de pioneiros e desbravadores, mas ainda
assim com um justa dose de distanciamento histórico.
Pois outra coisa fascinante no mundo do vinho é que ele não
se encerra em suas linhas, como se estas estivessem já traçadas e delimitadas,
novas fronteiras são sempre traçadas por aqueles que buscam novas formas e
novos caminhos na produção de bons vinhos. Aqui no Novo Mundo, muito mais do
que no Velho, estes limites são borrados, com novas regiões surgindo a cada
dia, muitas vezes onde antes jamais se imaginaria que haveria um dia a produção
de vinhos, quanto mais de vinhos de qualidade.
Uma rara oportunidade no mundo do vinho e poder vislumbrar o
momento preciso em que uma nova linha é traçada, em que uma nova fronteira é
desbravada. Essa rara oportunidade tive há pouco, visitando e entendendo melhor
um novo terroir que começa a se desenhar aqui pelo Brasil.
Antes de mais nada já me adianto com o fato que tenho plena
consciência que, para grande parte do mundo, o Brasil enquanto produtor não é
um país de grande destaque, logo as sutilezas de nossas regiões produtoras não
são exatamente o tema de maior interesse do escanção português. Mas esse não é
o tema central dessa conversa e sim o nascimento de um novo terroir!
Estive há poucos dias na Chapada Diamantina, região
localizada no interior do estado da Bahia, a cerca de 400km de sua capital,
Salvador, no paralelo 13, bem acima do “limite” mágico da vitivinicultura, o
paralelo 30. Ali encontrei uma região já de agricultura bem desenvolvida, com
uma combinação de terrenos férteis com alta tecnologia e clima propício, onde
plantações dividem espaço com paisagens naturais de tirar o fôlego.
No passado, por tratar-se de zona distante do litoral e de
grandes centros urbanos, o que atraiu e incentivou a ocupação da região foi o
garimpo, com extração principalmente de diamantes. Foi apenas nas últimas
décadas que o potencial da região para a agricultura foi descoberto e é aqui que
de certa forma começa a se desenhar a história recente do vinho ali.
Ainda que encontremos aqui culturas como a batata e a
criação de gado, vicejaram também produtos como berries em geral, normalmente
ligados à climas mais frescos, e cafés de alta qualidade, com grande produção
orgânica e mesmo biodinâmica. Ocorre que mesmo tão próximo assim da linha do
Equador e das regiões semiáridas do interior do Brasil, a Chapada conta com a
altitude, acima dos 1.000 msnm, o que proporciona uma boa parte do ano com
temperaturas baixas na noite, além de dias longos, ensolarados e secos.
E é dessa percepção que surgem os, até agora, três projetos
de produção de vinhos ali existentes. Um deles, localizado no município de
Mucugê, caminha para ser o mais emblemático dessa nascente região.
Quando lhes digo que temos aqui uma região nascente, quase
embrionária, falo sério! O projeto em questão, a Vinícola Uvva, tem início com
a implantação de vinhedos experimentais em apenas em 2012, já chegando hoje aos
52ha e seus vinhos só começarão a ser comercializados em alguns meses. A
família proprietária já produz batatas, café e cria gado, com grande sucesso
nos mercados interno e externo, mas percebeu em determinado momento que ali
havia o potencial para algo mais.
O Brasil já tem a experiência da produção de vinhos na
região Nordeste, inclusive com investimento português, no Vale do São
Francisco, entre os estados da Bahia e de Pernambuco, onde o calor, o clima
seco e a irrigação permitem o cultivo contínuo, com cinco colheitas a cada dois
anos, mas na Chapada a busca foi por outro padrão de qualidade e fez-se aqui
uma opção diferente.
Os vinhedos da zona utilizam um método já usual em outras
áreas do Brasil, que é a dupla poda. Essa técnica recorre a uma poda agressiva
no mês de janeiro, quando a videira está no momento da produção, forçando assim
a produção e a colheita no nosso inverno, entre Junho e Agosto. No caso da
Chapada Diamantina, justamente nesse época haverá condições propícias a
produção de uvas de alta qualidade e com excelente sanidade, com dias quente e
ensolarados, tempo seco e noites frias, com amplitudes térmicas que podem
facilmente superar os 15° C de variação entre dia e noite.
Eu, já chegando em meus 20 anos de profissão, jamais
esperaria encontrar ali a qualidade que encontrei. O fato é que uma série de
condições orográficas criam um terroir muito especial, com solos de arenito
profundos e de boa drenagem, muito luminosidade e proteção de ventos mais
úmidos que podem chegar vindos do Atlântico. Todos os vinhos que provei, ainda
que produzidos em uma adega com a mais alta tecnologia, eram vinhos sem intervenção
além do básico, o uso de leveduras selecionadas e o controle de temperatura na
fermentação. Aqui não há necessidade de correções, seja de acidez, de açúcar no
mosto ou o que quer que seja.
Provei vinhos com álcool comedido, na casa dos 13° ABV, com
acidez fresca e suculenta, taninos finos, equilibrados e persistentes, com
especial destaque para as castas bordalesas, sobretudo a Cabernet Sauvignon e a
Petit Verdot. Ainda que sejam os vinhos de um único produtor, a abordagem
enológica de respeito ao que a natureza oferece me trazem o vislumbre do
potencial dessa zona como um todo.
Das muitas experiências que essa profissão me proporcionou,
presenciar os primeiros passos de uma promissora região produtora é algo
verdadeiramente especial, que só reforça em mim o espírito de atenção que,
acredito eu, deve estar sempre presente em todo escanção, a justa consciência
que não importa o quanto conheçamos, sempre haverá o novo ali após dobrarmos a
esquina. Hoje, no Brasil, o novo está na Chapada Diamantina.
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