sexta-feira, 9 de julho de 2021

Índia - Escanção

 O Antigo Torna-se Novo

As fronteiras do mundo do vinho expandem-se a cada dia, abarcando novas regiões, estilos e castas. Mas o novo nem sempre é assim tão novo; há no Novo Mundo do vinho nações de tradições milenares, mas que apenas em tempos recentes reencontraram o caminho de suas já antigas tradições vitivinícolas.

Nosso destino de hoje é um destes, uma cultura milenar, riquíssima em história, aromas e sabores, inclusive no vinho, mas que só em tempos muito recentes veio juntar-se em sério aos países produtores; hoje vamos à Índia.

O registro objetivo de produção de vinhos no subcontinente está em tratados de medicina escritos entre os séculos XIII e XII a.C. nos quais são elogiadas as propriedades medicinais de vinhos produzidos em solo indiano. Ainda mais antigos são menções em livros sagrados do Hinduísmo, alguns datando de mais de 5.000 mil anos atrás. Porém foi apenas a partir da chegada dos invasores Persas, por volta do ano 1300 da era cristã, que se iniciou algum nível de produção em larga escala.

Porém mesmo com essa história tão antiga ainda assim elencamos hoje em dia a Índia entre os países do Novo Mundo. Por qual razão? O fato é que, seja por motivos religiosos, políticos, culturais e/ou econômicos, por séculos a vitivinicultura na Índia foi negligenciada. Chegamos ao fim do século XX com um enorme mercado ainda virgem, com produção importante de bebidas alcoólicas de baixa qualidade e baixo custo, inclusive vinhos baseados sobretudo em uvas americanas.

Somente no início da década de 1980 é que começa a ganhar força na Índia uma classe média economicamente relevante, com hábitos de consumo e estilo de vida ocidentalizados. Surgem então as primeiras iniciativas daquilo que é hoje a indústria do vinho indiana, com a fundação da Indage Vintners, em Pune, Maharashtra e Grover Zampa Vineyards, em Nandi Hills, Karnataka.

Estes dois são, aliás, o coração da indústria e os principais mercados consumidores do país. A Índia é um país de grandes dimensões territoriais, com uma população gigantesca e uma complexa organização social e política. Desta forma, os estados que compõem o país têm algum nível de autonomia na definição de suas legislações, o que torna a produção, venda e consumo de bebidas mais complexa em alguns lugares do que em outros.

Os grandes estados de Maharashtra e Karnataka, assim como a antiga colônia portuguesa de Goa, contam com incentivos e normas claras para produção, além de um ordenamento jurídico um pouco menos pesado para a venda em consumo, o que permitiu um crescimento acelerado do mercado nos primeiros anos do século XXI.

As principais regiões produtoras são Bijapur e Nandi Hills, em Karnataka, e Solapur e Nashik Valley, em Maharashtra, sendo Nashik Valley a mais importante e mais comentada, com cerca de 60% de toda a produção nacional. Além dos volumes produzidos esse sucesso também se deve, em grande parte, a presença aqui da maior vinícola indiana, Sula Vineyards, fundada em meados dos anos 1990 por Rajeev Samant, depois de uma temporada de estudos e trabalho no Silicon Valley, na Califórnia. Sula hoje é a maior referência do vinho indiano, com cerca de metade de toda a produção local e foco em uvas viníferas.

As castas mais cultivadas são as francesas, influência fundamentalmente dos muitos consultores aos quais recorreu-se nas primeiras décadas, entre os quais o francês Michel Roland, responsável ou corresponsável por vinhos nos cinco continentes. Destacam-se as brancas Chenin Blanc e Sauvignon Blanc e as tintas Syrah, Cabernet Sauvignon, Zinfandel e Merlot. Uma particularidade local é que o clima não permite que as videiras entrem em dormência, o que torna necessário duas podas extras, a fim de garantir um produção de melhor qualidade e no melhor período do ano, entre março e abril, quando tem-se pouca ou nenhum chuva e temperaturas oscilando dos 35° aos 15°C entre dia e noite.

A qualidade da produção local vem subindo a passos largos, entregando vinhos com tipicidade varietal, fato exemplificado pelo uso, por parte da ASI, de um Chenin Blanc indiano na prova final de degustação às cegas do Mundial de Sommeliers de 2013, varietal que foi corretamente identificado pelo campeão, Paolo Basso.

Soma-se a isso o aumento no número de pequenos produtores, ciosos da qualidade de seus vinhos e sempre em busca de melhorias. Entre os hoje pouco mais de 50 produtores encontraremos também importantes investimentos estrangeiros, de grupos como Pernod Ricard, Diageo e Möet-Henessy, que estão de olho não só no florescente mercado global, mas também na crescente busca do consumidor por vinhos de bom custo e com diferenciais importantes, sendo aqui o exotismo o principal.

Da mesma forma que produtores pelo mundo não podem ignorar o potencial da Índia como mercado consumidor, com a maior população jovem do planeta, também cabe ao escanção moderno estar atento aos vinhos ali produzidos e como estes impactarão o mercado global no futuro próximo.


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