Quando olhamos para o mundo do vinho atual, são três os
pilares de sua construção; França, Itália e Grécia, esta última o nosso tema de
hoje.
A base moderna do mundo do vinho é sem dúvida a França; as
castas, técnicas, regras e muitos dos conceitos fundamentais nos quais
produtores de todo o mundo se baseiam vem de lá, com grande influência mesmo em
países de grande tradição, como Portugal e Itália. Justamente a Itália é a
outra base, afinal coube ao Império Romano a difusão e a organização de
vitivinicultura por toda a Europa Ocidental e bacia do Mediterrâneo; influência
essa que só se perdeu devido ao esfacelamento do Império e permanência da
Itália desunificada até 1861.
E por fim, a Grécia; responsáveis em boa parte pela
introdução da cultura do vinho na própria Itália, berço da cultura e da
filosofia ocidentais, os gregos têm uma rica história na produção de vinhos,
história essa que permeia de tradições e peculiaridades sua vitivinicultura
presente.
Sempre brinco em minhas aulas que uma discussão boa é
colocar um italiano, um português e um grego trancados em uma sala, discutindo
qual seria o país com maior número de castas autóctones. Ainda que a Itália
seja a líder nesse quesito (desculpem amigos portugueses, mas é), Portugal e
Grécia contam com uma invejável lista de uvas só suas, sendo que a lista grega
tem crescido com a recuperação e redescoberta de novas e antigas variedades a
cada dia.
Durante boa parte do séc. XX a Grécia ocupou uma posição
periférica no continente, ora sob o domínio Otomano, ora envolvida em disputas
políticas e militares internas. Em uma história que não é tão diferente da
Portuguesa, o ponto de inflexão dos modernos vinhos gregos vem a partir do
ingresso na União Europeia. É a partir desse momento que a Grécia passa a ter
mais fácil acesso a novos mercados, além de verbas para modernizar sua
indústria. Soma-se a isso um momento em que novos e dinâmicos profissionais
retornam ao país depois de estudos e experiências profissionais em outras zonas
produtoras.
Outro momento importante na modernização dos vinhos gregos
acontece, curiosamente, por conta da grande crise financeira que assolou o país
a partir de 2008. As enormes dificuldades levaram muitos dos produtores a
perderem o mercado interno, até então seu foco. Essa dificuldade forçou um foco
nos mercados externos, com a produção de vinhos que reúnem muito daquilo que
encanta o amante de vinhos, foco, frescor, tipicidade e variedades únicas,
quase obscuras, que contam uma história de outras terras e outros climas.
Sendo a Grécia um país montanhoso e de solos pobres, as
poucas terras planas e férteis são destinadas naturalmente a culturas mais
rentáveis, restando às videiras (e oliveiras) as encostas de solos pouco
nutritivos. Ali variedades como a Xinomavro, Agiorgitiko, Roditis, Savatiano,
Malagousia, Limnio, Mavrotragano, entre outras, produzem vinhos particulares.
Especialmente a Xinomavro é um destaque especial. No norte
grego, na Macedônia, encontraremos as denominações de Náoussa e Gouménissa,
onde esta casta, cujo nome significa “tinta ácida”, produzo vinhos de bom corpo
e elevada acidez, por vezes de coloração algo pálida e com grande potencial de
guarda, sendo muitas vezes descrita como a Nebbiolo grega; de fato, os melhores
exemplares de Xinomavro apresentam longevidade invejável e, na maturidade,
caráter aromático e gustativo em pé de igualdade com os melhores Barolos.
Aquele que é, talvez o mais emblemático vinho grego também tenha
passado por uma renovação. O Retsina, branco aromatizado com resina de pinho de
Aleppo, remonta aos tempos antigos, quando essa resina era utilizada para
vendar ânforas e acabava por afetar o vinho. Os exemplares mais comerciais são
de fato demasiadamente intensos e desiquilibrados, porém exemplares mais modernos
e cuidadosamente elaborados trazem uma intensidade, frescor e salinidades muito
particulares.
Salinidade que é uma assinatura de outro vinho branco grego
muito, muito especial; os Assyrtikos de Santorini. Nesta ilha vulcânica do mar
Egeu vamos encontrar algumas similaridades com uma DOC portuguesa em
particular, Colares. Embora os vinhedos aqui não estejam em areias, também
estão próximos ao mar e são conduzidos bem próximos ao solo. Aqui a condução
forma pequenos “cestos”, que protegem as uvas dos intensos ventos que sopram
constantemente, da mesma forma que ocorre em Colares. Os vinhos são minerais e
cítricos, deliciosos e instigantes. Também se produz aqui um intenso e untuoso
vinho doce, Vinsanto de Santorini, que tem a Assyrtico como sua casta principal.
Ainda caberiam muitas e muitas linhas apenas para
introduzir, brevemente, uma fração da riqueza enológica da Grécia, com os
saborosos Agiorgitikos do Peloponeso, os perfumados brancos de Malagousia, os
frescos brancos tranquilos e espumantes de Debina, em Epirus, os muitos
Muscats, doces e secos, do continente e das ilhas, os tintos fortificados da
expressiva Mavrodaphne, ou ainda os muitos tintos e brancos de castas
francesas, também cultivadas com sucesso em diferentes regiões, fora as castas
obscuras e recém recuperadas, como a Sideritis, a Lagorthi, a Mavrostifo ou a
Tinaktorogos, isso para citar apenas algumas poucas.
A mensagem central aqui é que a Grécia é um mundo por si só,
com variedade e qualidade em todo seu território continental e ilhas, cheia de
tesouros aguardando pelo degustador e pelo escanção mais atentos.
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