O Ojo de Bife do Malmman |
"Talvez ainda
mais conhecida do que a “regra” básica de harmonização, a saber, vinho tinto
com carne vermelha e vinho branco com carne branca, é a parceria entre vinho e
carnes assadas na brasa, nosso popular churrasco. Para mim, não restam dúvida
de que, de fato, nada acompanha melhor a textura, o sabor e o toque tostado da
carne na brasa do que um bom vinho, no entanto, ainda que eu busque ecoar os
apóstolos da simplicidade, que defendem o consumo do vinho como um ato
corriqueiro e descompromissado, despido de regras, pompa e convenções, gostaria
de utilizar este espaço para fazer com vocês algumas considerações.
Não gosto da
definição de alguns de que a harmonização entre vinho e comida é uma ciência.
Para mim, tem mais algo de arte; pois assim como a arte, a harmonização caminha
por uma senda cheia de detalhes e nuances, e lida diretamente com sensações e
gostos. É um jogo onde, com a alteração de um único e pequeno componente
podemos subverter todo o resultado. Deste modo, a combinação vinho e carne é
igualmente cheia de nuances.
Lá no título já
elegemos como tema a carne preparada diretamente exposta ao calor do fogo, o
churrasco, mas aqui já surge a primeira consideração; afinal, que tipo de
churrasco? A forma como assamos a carne pode alterar o resultado final, com
fogo alto ou baixo? Grelha alta ou baixa? Chama viva ou brasas? Churrasqueira
fechada ou aberta? Carvão de qual madeira? Aliás, carvão ou gás? Tudo isso pode
parecer preciosismo, mas são estes os detalhes que, se devidamente
considerados, podem levar a uma harmonização excelente, ou apenas muito boa.
Quem já comeu uma carne assada na parrilla argentina, e outra no gaúcho fogo de
chão, e mais ainda um tradicional barbecue americano, com grelha baixa e fogo
alto, sabe a grande diferença que estes vários estilos podem trazer ao produto
final, em termos de suculência, maciez, ponto e grau de tosta, o que
influenciará a escolha do vinho; carne mais seca pede um vinho com mais acidez,
para compensar falta de suculência, carnes mais tostadas pedem vinhos com a
madeira mais marcada, que possa fazer frente aos intensos aromas e sabores
tostados da carne, carnes mais macias pedem taninos mais macios e maduros, e
por aí vai a lista.
Outro ponto a
ser considerado é a carne em sim; afinal, qual carne? Deixando de lado as
claras diferenças que surgem quando utilizamos carnes de diferentes animais,
como frango, peixes, caprinos, ovinos e outras, foco aqui na carne bovina. Ah,
a carne bovina... Os vegetarianos que me desculpem, mas eles estão muuuito
errados! Nada se compara ao prazer primal de degustar um belo e suculento
pedaço de carne, macio, gralhado ao ponto certo, com a justa medida de sal e...
mais nada! Mas enfim, controlando o estômago e voltando ao tema! Diferentes
cortes pedem diferentes vinhos; o filet mignon, de sabor neutro, magro e macio,
pede um tinto intensamente frutado e com boa acidez; um vacio, nossa popular
fraldinha, já tem fibras mais longas, que pedem mais tanino, e um sabor mais
intenso, que pede um vinho discretamente mais evoluído; a costela, de sabor
marcado, com muita gordura entremeada e carne mais consistente, pede boa
acidez, taninos abundantes, porém finos, e boa presença de boca; a inescapável
picanha, com seu peculiar sabor e capa de gordura, chama taninos acidez, corpo
e fruta em equilíbrio, e, de novo, a lista aqui é longa.
Ainda um último
ponto deve ser levado em conta são os acompanhamentos e molhos, onde podemos
posicionar o chimichurri, o vinagrete, o pãozinho de alho, queijos, ou ainda, o
molho barbecue dos americanos, que praticamente marinam suas carnes nesta
mistura que leva tomates, molho inglês, açúcar mascavo, mel, pimenta e mais uma
miríade de temperos. Cada um destes acompanhamentos, com suas características
particulares, necessitarão de determinadas características nos vinhos visando
uma boa harmonização; você pode precisar de um vinho com mais madeira, com
menos álcool, com mais fruta, com intensos aromas de especiarias, entre outras
características.
A essa altura, além
da água na boca por um bom churrasco; vocês devem estar esperando algumas dicas
mais concretas de vinhos não? Marcas, uvas, países e regiões específicos. Bom
deixamos isso para outro artigo ok? Não vou acabar com toda a pauta em um único
texto...
Até lá, vamos
fazer nossas próprias experiências, afinal nada melhor do que a prática para a
criação de nossas próprias regras. Então, vamos de churrasco e vinho! E viva o
óbvio ululante!"
Texto publicado originalmente no Portal Gastrovia.
Praticar nos ensina a criar. Muito bom Diego.
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