Clássicos e
Referências
A difusão
da cultura do vinho por todo o Mundo foi um processo gradual. Das suas origens
para a Europa e pelo Norte da África, daí para as novas terras ocupadas e
colonizadas em continentes distantes, foram uma séria de processos e
acontecimentos históricos, arrastando-se ao longo de séculos, milênios, até que
o mapa do que hoje chamamos de “Mundo do Vinho” estivesse minimamente
rascunhado.
Parte
importante desse processo deu-se com as viagens, conquistas, ocupações e
invasões, que vinham sempre acompanhadas de gente que já consumia e produzia e
vinho e, mais do que naturalmente, desejava levar consigo esse hábito, mas para
tal, não havia outro jeito senão levar consigo as próprias videiras, às
técnicas e os saberes envolvidos na produção. Foi assim em quase todo canto
onde hoje produz-se o vinho.
E dessa
forma que se constrói ao longo do tempo os padrões, as referências, os
clássicos. Regiões, métodos e estilos de vinho que servem como parâmetro, por
sua qualidade, por seu primor técnico ou apenas por seu pioneirismo, traçando
as linhas que seriam e ainda são seguidas.
Tome como
exemplo os tintos de Pinot Noir da Bourgogne. Qualquer que seja o produtor, em
qualquer lugar do mundo, em qualquer nível de qualidade, olha para a Bourgogne
como seu gabarito, seja como o objetivo a ser atingido, seja como um
referencial de qualidade, seja como um exemplo não desejado do qual busca-se
marcar distância, é para a Bourgogne que se olha. “É tão bom que parece
Bourgogne” soa como um elogio definitivo à qualidade de um bom Pinot Noir.
Hoje
queremos voltar os olhos para outra região francesa que se estabeleceu na mesma
posição, de referencial global para um determinado estilo de vinho; hoje vamos
olhar para a Champagne!
A Champagne
não é a maior região apelação para produção de espumantes no Mundo, basta citar
a DOC Prosecco; tampouco é a maior em produção de espumantes pelo método
tradicional, aqui sim podendo ser referido como método champenoise, nesse caso
sendo superada pela DO Cava. Ainda a despeito do que digam as lendas e os
marketeiros, nem mesmo foi ali que se desenvolveu o método clássico, que tem
sua real origem entre os monges de Limoux ou os comerciantes Ingleses. Mas
ainda assim, o primado de Champagne como a região por excelência na produção de
grandes espumantes é incontestável.
Temos
grandes espumantes feitos na Franciacorta, na Catalunha, na Inglaterra, no
Brasil, em Portugal e tantos outros, muitas vezes, compatíveis em qualidade com
bons exemplares de Champagne, mas até o momento, nunca de fato em posição de
competir com os mais gloriosos exemplares de lá. Champagne, além da maestria na
aplicação dos métodos de produção, soube de forma muito particular escalar essa
produção, com normas claras e devidamente aplicadas, que permitem uma
consistência que é invejável.
A
combinação de fatores que provocou isso é única; trata-se de uma região que
estava no lugar certo, no país certo, no momento histórico ideal, para
conquistar cortes e elites por todo o continente, além de fornecer técnicos
capacitados para que tantos e tantos países desenvolvessem sua própria
indústria de vinhos espumantes. Mas no final do dia, o Champagne, assim como
todo vinho, é um produto intimamente ligado à sua origem; de forma que o mais
relevante aspecto, ao menos do ponto de vista do escanção, é justamente o
terroir da Champagne.
Em
condições normais a Champagne seria fria demais para a produção de vinhos de
qualidade, devido a sua latitude; evidente que nos referimos aqui aos tempos
nos quais a região foi estabelecida, uma vez que em tempos de mudanças
climáticas e aquecimento global esse é cada vez menos o caso. Mas uma relativa
proximidade com o oceano, além das particularidades de seu solo, criaram um
ambiente adequado a maturação de uvas, justamente nas características
requeridas para a produção de bons vinhos base, de baixo álcool e acidez
elevada. O giz calcáreo amplamente presente na região, não só proporciona solos
mais quentes, mas devido a sua maleabilidade também foi matéria prima para as construções
locais desde o Império Romano, o que resultou em centenas de quilômetros de
cavernas e tuneis escavados para a retirada de pedras, que hoje compõem um
labirinto de adegas e caves, onde garrafas maturam, ganhando bolhas e
complexidade ao longo de seu processo de elaboração.
O estilo
fresco, gastronômico e atraente do Champagne vem sendo mantido ao longo dos
anos, com as inevitáveis alterações promovidas pelo aquecimento da região
compensadas por técnicas mais precisas de produção, redução na dosagem de
açúcar na expedição, além de uma gestão cuidadosa dos vinhos de reserva, além
de escolhas mais atentas na elaboração dos cortes. Além das castas principais
de dominantes, Pinot Noir, Chardonnay e Meunier, também as (quase) esquecidas
Arbane, Petit Meslier, Pinot Blanc e Pinot Gris tem sido olhadas com outro
nível de atenção.
Além disso,
já se preparando para mudanças ainda mais profundas, Champagne aprovou
recentemente, em caráter experimental, mais uma casta, a híbrida Voltis,
tornando-se assim a primeira AOC a adotar uma casta híbrida, tão logo mudanças
na legislação Europeia abriram essa possibilidade.
Champagne é
uma região e um vinho, de rica história e profundas tradições, mas de ainda
maior influência, o real gabarito pelo qual a produção mundial de espumantes se
pauta. A consciência dessa importância e a constante busca por adaptação e
inovação são as garantias de que assim ainda será, por muitos e muitos anos.
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