"Para começar,
quero deixar muito claro que tenho uma boa dose de ceticismo em relação às
experiências que mencionarei neste artigo. Não pensem que abraço estas
novidades com o maior entusiasmo do mundo!
Isso posto,
vamos ao tema! Tenho visto com frequência abordagens pouco usuais ao tema
harmonização, buscando a harmonização do vinho, e de outras bebidas, não só com
o alimento, mas também com momentos. Para mencionar algumas que vi por aí,
estão harmonizações entre vinho e cinema, vinho e literatura, vinho e sexo
(acreditem...), porém a mais comum sempre é vinho e música.
Meu entendimento
a respeito destas experiências é que são atividades mais lúdicas do que
sensoriais, e que, portanto, demandam uma certa dose de disposição e imersão na
experiência por parte dos participantes. Afinal, mesmo o mais inexperiente e
inculto dos degustadores é capaz de verificar e apreciar a interação
privilegiada que se dá entre um Porto e uma torta de chocolate, ou entre um
Riesling alemão e um leitão à Bairrada, por exemplo. Mas jamais um erudito
apreciador de música clássica conseguiria, a primeira audição, apreciar a
harmonização entre o mesmo Riesling alemão e algumas músicas do AC-DC...
Daí minha
observação, de que se trata mais de um exercício intelectual, tecendo analogias
entre um e outro, no caso do vinho e música, do que um exercício sensorial,
onde se sente as semelhanças e contrastes, como acontece na harmonização entre
vinho e comida. No entanto, acredito que é sempre interessante estimular os
apreciadores a buscarem este tipo de experiência, que em última análise pode
levar a um novo olhar sobre o vinho e sobre a música, reforçando o prazer que se
pode buscar em ambos.
Neste sentido,
no final de dezembro a Wines of Argentina, órgão responsável pela promoção dos
vinhos argentinos pelo mundo, lançou em parceria com o canal WineBar (www.winebar.com.br), uma ação diferente
para promoção dos seus vinhos. Vários blogueiros, eu incluso, receberam duas
garrafas de vinhos argentinos, e foram convidados a degusta-los e harmonizá-los
com uma música, de uma playlist previamente selecionada. A quem possa
interessar, a play list está disponível no endereço http://www.rdio.com/people/MauricioTagliari/playlists/7509948/wines_of_argentina/
A ideia era que
cada blogueiro encontrasse a música que melhor combinava com seus vinhos,
explicasse esta harmonização e publicasse em seu blog até o dia 10 de janeiro.
As escolhas seriam avaliadas e as melhores ganharam uma viagem pelas regiões
produtoras da Argentina.
Como você está
lendo este artigo em pleno mês de fevereiro, já dá para supor que perdi o
prazo... Mas não perdi o interesse pelo tema, e decidi seguir com minha
harmonização tardia!
Se você quiser
dar uma espiadinha nos detalhes da ação, com a apresentação dos vencedores e os
artigos de todos os blogs, você pode encontrar estes detalhes no site do
WineBar, supramencionado.
Como vocês já
viram em meu último artigo por aqui, eu gosto muito do óbvio bem feito! E fui
contemplado com o óbvio muito bem feito, um belo Chardonnay do Valle de Uco, da
vinícola Salentein, e minha escolha musical não foi menos óbvia; tango!
Salentein Reserve Chardonnay e Adios Nonino, do grande Astor Piazzola, talvez o
maior compositor do gênero.
Como eu já
disse, trata-se mais de uma experiência intelectual, de deixar-se levar pelo
clima e buscar analogias entre o vinho e a melodia. Assim como um Malbec
encorpado casa muito bem com a voz macia de Sarah Vaugh, esse Chardonnay clama
por tango, clama pelos compassos que vão e vem, sobem e descem, pela dança que
seduz e afasta com uma delicadeza impar.
É um vinho de
início limpo e intenso, brilhante, aromático, se mostra ao primeiro gole, assim
como a música de Piazzola, que já se inicia igualmente intensa, para ao longo
de seus compassos buscar aquela lentidão, aquela lamúria do bandonéon, que
tanto caracteriza o tango argentino, o toque quase depressivo que lhe é
peculiar. Da mesma forma, alguns minutos a mais com o vinho na taça nos trazem
agradáveis surpresas; não trata-se de um Chardonnay óbvio, estão lá sim os
frutos tropicais maduros, como o abacaxi, está lá sim o toque da madeira, com
notas de baunilha e tostado, mas é muito mais do que isso, é um Chardonnay
sutíl, balanceado, complexo, com mineralidade, equilíbrio entre os diversos
elementos, não só olfativos, mas também gustativos, enfim, muito além de sua
nacionalidade ou de sua casta, trata-se, antes de mais nada, de um bom vinho!
O tango de
Piazzola complementa e enriquece a degustação, conduz, mostra o caminho para
melhor compreender e desfrutar o momento, aliás, mais do que isso, Adios
Nonino, lado a lado com o vinho, constrói o momento!
E você, qual sua
música favorita? Já pensou em “degusta-la” com o seu vinho favorito também?
Experimente, e construa você os seus momentos."
Texto publicado originalmente no Portal Gastrovia.