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Vai uma tacinha? |
"Por força de minha profissão, tive ao longo dos anos algumas
oportunidades de visitar vinícolas e regiões produtoras de vinhos em outros
países. Sempre observei, e teci este comentário algumas vezes, que o interior
paulista, com suas paisagens rurais e relevo, em muito se parece com regiões
tradicionais, como por exemplo, o Alentejo, em Portugal. Em vários aspectos,
nossa culinária também encontra fortes raízes na alimentação camponesa
europeia, embora com a forte influência dos povos indígenas e das tradições
africanas, com preparação e apresentações não tão distantes assim. E não
poderíamos deixar de mencionar o óbvio; nossas sociedades tem uma grande
presença de descendentes de imigrantes europeus!
No entanto, naquilo que tange a minha área de atuação em
especial, uma característica apresenta expressiva diferença; o consumo do
vinho... Bebemos pouco, e isso sem entrar no mérito da qualidade daquilo que
bebemos. Acostumamo-nos com uma sociedade onde o vinho é um produto supérfluo,
por vezes até fútil, ou muito caro, ou muito simples, e em geral destinado a
ocasiões especiais. Essa imagem só é reforçada pelo trabalho de uma meia dúzia
de três ou quatro, que assumem uma posição de apóstolos do vinho, porém levando
adiante uma imagem elitizada, de produtos gloriosos, para poucos, fazendo uso
de uma linguagem por vezes hermética, voltada aos iniciados, e desconectada da
realidade da maior parte do nosso povo.
A princípio, pode parecer um contra senso tais declarações
partirem de um Sommelier, alguém que transita profissionalmente neste meio, e
depende, em grande parte, da presença do público supracitado nas mesas dos bons
restaurantes, consumindo vinhos um pouco mais caros e garantindo o seu
sustento. E não discordo destes, afinal, como profissional, é esse o
pensamento; no entanto, como cidadão, como observador do mundo ao meu redor,
mais aspectos entram na equação.
Nunca é demais lembrar que para muitos povos, o vinho é mais
do que uma bebida fina, mas é sim parte de uma cultura, é um alimento, e um
produto gerador de emprego e renda. Mas vale frisar que aqui não se trata
apenas de países europeus com tradições milenares, mas também de alguns de
nossos vizinhos próximos, como Argentina Chile e Uruguai. Por que então não o
Brasil? Por que aqui patinamos há tantos anos nos arredores de 2 litros por
habitante/ano de consumo? Por que aqui o vinho ainda insiste em ser chique?
São muitos os motivos e muitas as respostas possíveis, e
abordaremos algumas delas em futuras colunas, mas, a princípio, nos falta a
cultura do vinho!
Falando em cultura do vinho, não quero que você pense em um
grupo de cidadãos de fraque, em trono de uma mesa impecavelmente montada, com
linho, louças e pratarias, degustando as mais finas iguarias ao som de música
clássica; não é isso! Para mim, a principal imagem que ficou do que é a
verdadeira cultura do vinho, foi em um domingo na Itália, participando de uma
festa local, em uma pequena cidade, uma quermesse, na qual fui almoçar em
companhia do pároco local, o almoço especial da festa, em um salão com mesas e
cadeiras de plástico, a comida (muito boa) servida em pratos e com talheres de
plástico, e na mesa, uma garrafa de vinho sem identificação, para ser bebido em
copos descartáveis. Vinhos simples, frutado, sem grandes predicados, mas ali,
presente. Para aqueles que ali estavam, seria impensável tomar lugar a mesa sem
o vinho, por mais simples que este fosse. Afinal, tal como o pão, era parte da
refeição!
Posso, e vou, em outras colunas, elencar uma miríade de
razões pelas quais você deveria cultivar este hábito, de incluir o vinho em
suas refeições, mas deixo, de saída, só uma; é muito bom! Seja uma grande marca
conhecida, um produto artesanal e de preço elevado, ou um simples vinho de
garrafão, antes de educar o consumidor, nós precisamos de consumidores, então
eu te convido a entoar comigo a frase:
“Mais vinho, por favor!”"
Artigo publicado originalmente na edição de número 3 da revista Senhora Mesa.