quarta-feira, 30 de abril de 2014

Harmonizando Além da Comida


"Para começar, quero deixar muito claro que tenho uma boa dose de ceticismo em relação às experiências que mencionarei neste artigo. Não pensem que abraço estas novidades com o maior entusiasmo do mundo!
Isso posto, vamos ao tema! Tenho visto com frequência abordagens pouco usuais ao tema harmonização, buscando a harmonização do vinho, e de outras bebidas, não só com o alimento, mas também com momentos. Para mencionar algumas que vi por aí, estão harmonizações entre vinho e cinema, vinho e literatura, vinho e sexo (acreditem...), porém a mais comum sempre é vinho e música.
Meu entendimento a respeito destas experiências é que são atividades mais lúdicas do que sensoriais, e que, portanto, demandam uma certa dose de disposição e imersão na experiência por parte dos participantes. Afinal, mesmo o mais inexperiente e inculto dos degustadores é capaz de verificar e apreciar a interação privilegiada que se dá entre um Porto e uma torta de chocolate, ou entre um Riesling alemão e um leitão à Bairrada, por exemplo. Mas jamais um erudito apreciador de música clássica conseguiria, a primeira audição, apreciar a harmonização entre o mesmo Riesling alemão e algumas músicas do AC-DC...
Daí minha observação, de que se trata mais de um exercício intelectual, tecendo analogias entre um e outro, no caso do vinho e música, do que um exercício sensorial, onde se sente as semelhanças e contrastes, como acontece na harmonização entre vinho e comida. No entanto, acredito que é sempre interessante estimular os apreciadores a buscarem este tipo de experiência, que em última análise pode levar a um novo olhar sobre o vinho e sobre a música, reforçando o prazer que se pode buscar em ambos.
Neste sentido, no final de dezembro a Wines of Argentina, órgão responsável pela promoção dos vinhos argentinos pelo mundo, lançou em parceria com o canal WineBar (www.winebar.com.br), uma ação diferente para promoção dos seus vinhos. Vários blogueiros, eu incluso, receberam duas garrafas de vinhos argentinos, e foram convidados a degusta-los e harmonizá-los com uma música, de uma playlist previamente selecionada. A quem possa interessar, a play list está disponível no endereço http://www.rdio.com/people/MauricioTagliari/playlists/7509948/wines_of_argentina/
A ideia era que cada blogueiro encontrasse a música que melhor combinava com seus vinhos, explicasse esta harmonização e publicasse em seu blog até o dia 10 de janeiro. As escolhas seriam avaliadas e as melhores ganharam uma viagem pelas regiões produtoras da Argentina.
Como você está lendo este artigo em pleno mês de fevereiro, já dá para supor que perdi o prazo... Mas não perdi o interesse pelo tema, e decidi seguir com minha harmonização tardia!
Se você quiser dar uma espiadinha nos detalhes da ação, com a apresentação dos vencedores e os artigos de todos os blogs, você pode encontrar estes detalhes no site do WineBar, supramencionado.
Como vocês já viram em meu último artigo por aqui, eu gosto muito do óbvio bem feito! E fui contemplado com o óbvio muito bem feito, um belo Chardonnay do Valle de Uco, da vinícola Salentein, e minha escolha musical não foi menos óbvia; tango! Salentein Reserve Chardonnay e Adios Nonino, do grande Astor Piazzola, talvez o maior compositor do gênero.
Como eu já disse, trata-se mais de uma experiência intelectual, de deixar-se levar pelo clima e buscar analogias entre o vinho e a melodia. Assim como um Malbec encorpado casa muito bem com a voz macia de Sarah Vaugh, esse Chardonnay clama por tango, clama pelos compassos que vão e vem, sobem e descem, pela dança que seduz e afasta com uma delicadeza impar.
É um vinho de início limpo e intenso, brilhante, aromático, se mostra ao primeiro gole, assim como a música de Piazzola, que já se inicia igualmente intensa, para ao longo de seus compassos buscar aquela lentidão, aquela lamúria do bandonéon, que tanto caracteriza o tango argentino, o toque quase depressivo que lhe é peculiar. Da mesma forma, alguns minutos a mais com o vinho na taça nos trazem agradáveis surpresas; não trata-se de um Chardonnay óbvio, estão lá sim os frutos tropicais maduros, como o abacaxi, está lá sim o toque da madeira, com notas de baunilha e tostado, mas é muito mais do que isso, é um Chardonnay sutíl, balanceado, complexo, com mineralidade, equilíbrio entre os diversos elementos, não só olfativos, mas também gustativos, enfim, muito além de sua nacionalidade ou de sua casta, trata-se, antes de mais nada, de um bom vinho!
O tango de Piazzola complementa e enriquece a degustação, conduz, mostra o caminho para melhor compreender e desfrutar o momento, aliás, mais do que isso, Adios Nonino, lado a lado com o vinho, constrói o momento!

E você, qual sua música favorita? Já pensou em “degusta-la” com o seu vinho favorito também? Experimente, e construa você os seus momentos."
Texto publicado originalmente no Portal Gastrovia.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Quem Nos Guiará?


"No mercado brasileiro de vinho estamos à procura de guias! Pessoas que possam nos conduzir, mostrar o caminho; Que vinhos provar? Onde comprar? O quanto pagar? Comer com o que? Este é melhor do que aquele? E essa marca, vai impressionar meus convidados? Não são perguntas incomuns entre os apreciadores. Neste cenário, várias são as opções que encontramos, com livros, revistas, sites, blogs e mesmo artigos como este, que se propõem, de algum modo, a responder estas questões.
Como todo filão de oportunidade, este também desperta a curiosidade de muitos que, por inocência, ou até má fé, aproveitam-se para despontar como grandes conhecedores, guias cegos, tentando conduzir aqueles que ainda enxergam para sua cegueira. São inumeráveis, e em geral guardam como característica comum o profundo conhecimento do bem e do mal, e a infalível capacidade de forjar leis imutáveis com frases de efeito. Não preciso citar nomes, aliás, você já deve até ter pensado em alguns deles.
Antes de seguir adiante com o assunto, só quero deixar MUITO claro o seguinte: não me proponho a ser o guia de ninguém! Aproprio-me aqui da consagrada frase de para-choque: “Não me siga, também estou perdido!”
Essa categoria de guias cegos, é em geral composta por pessoas que, por conta de uma série de fatores, tiveram algum acesso a alguns bons vinhos, e/ou cursos de formação básica, que são justamente isso, básicos, mas que em um país onde o vinho ainda não faz parte da cultura popular, formam mestres e sommeliers todos os dias... Em geral, colocam o vinho em um pedestal, construído com vocabulário rebuscado e marcas de grande prestígio. Apenas aos iniciados é possível sorver todas as qualidades do néctar de Baco, e para que você se torne um destes iniciados, só precisamos do número do seu cartão de crédito!
Há também aqueles que se tornam “divulgadores” do vinho, escrevendo páginas e páginas de palavras vazias e clichês, atacando aqueles que demonstram mais competência que eles, e ocultando-se atrás de um véu de isenção “jornalística” quando na verdade o maior objetivo é obter convites para os melhores eventos, e provar os melhores vinhos, aqueles com os quais os reles mortais apenas sonham. Há os que buscam o tecnicismo, há os que buscam o popularesco, mas, no final das contas, o objetivo é o mesmo.
Porém deixo aqui um parêntese; há também, e são muitos, aqueles que de fato desejam divulgar e fazer crescer a cultura do vinho; podem não utilizar sempre os meios mais corretos, mas são autênticos em suas intenções, e tenho também certeza que você já pensou em alguns nomes aí.
Não temos um caminho a seguir, ou quem abra os caminhos, e dê os primeiros passos? Estamos perdidos em um país onde o vinho não faz e nem nunca fará parte de nossos hábitos culturais? Prefiro acreditar que não; aliás, recuso-me a pensar de outra forma! O vinho não é estudo, palavras bonitas e rótulos caros; não é status e renome; não é fonte de renda; ou é... Não sei... Mas não é só isso!
O vinho é cultura, é alegria, é amizade, é partilha, e principalmente, antes disso tudo, o vinho é uma bebida! Só isso, um líquido que ingerimos, durante ou fora das refeições, bom ou ruim, caro ou barato, mas é uma bebida! Não é sagrado, não é hermético, não é apenas para os merecedores; é para todos nós. É para pensar menos, e beber mais! Com moderação, é claro!

E nós, aqui, buscando nosso espaço nesse mundo tão amplo que é a cultura do vinho, desejosos de que mais e mais pessoas possam se juntar a nós, continuamos tateando, e perguntando-nos; Quem nos guiará? E continuaremos nos perguntando, até que um de nós, cansado de todo o resto, decida assumir essa posição, e guiar-nos ao boteco mais próximo, onde, na minha utopia, poderemos nos sentar, beliscar um petisco qualquer, e beber um bom vinho, por um preço civilizado..."
Texto publicado originalmente na edição nº 4 da Revista Senhora Mesa.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

O Beaujolais Nouveau, de novo...


"Esta é a época do ano em que chegam aos restaurantes de todo o mundo, no mesmo dia, em uma verdadeira operação de guerra, as garrafas do Beaujolais Nouveau, uma bebida de pouco corpo, aromas lembrando fortemente chiclete de tutti-frutti, intensa coloração azulada, e um inegável apelo às massas consumidoras.

 

Um autêntico case de marketing, o Beaujolais Nouveau é um caso emblemático de uma marca, um conceito, que se tornaram muito maiores do que o produto em si, no caso, o vinho fresquíssimo, recém-saído das cubas de fermentação, e obtido com o emprego de processos que permitem ao produtor entregar um produto com elevado nível de drinkabilty.

 

É inegável que o marketing tem importância fundamental no mundo do vinho moderno, vendendo e apresentando marcas e conceitos, não só de vinhos, mas de países e regiões inteiras, mas essa não é uma atividade isenta de dores de cabeça. Basta citar o exemplo do Champagne, nome de uma região e dos vinhos espumantes ali produzidos, e que para muitos consumidores tornou-se sinônimo do próprio produto (vinho espumante); por conta disso, a CIVC, responsável pela “marca” Champagne, vive a turras com governos e produtores mundo afora que insistem em rotular seus produtos como Champagne, ou ainda variáveis como champanha, champaña e afins. Enfim, é o preço do sucesso...

 

O outro risco é quando um produto e/ou conceito inferior, ganham uma dimensão muito maior do que a própria região de onde vem o produto, prejudicando, de certa forma, os produtos de qualidade mais elevada que vem dali. Em algum grau, regiões como Prosecco e Cava tem sofrido esse efeito, e com Beaujolais não é diferente.

 

Beaujolais é uma região logo ao sul da Bourgogne, onde reina a uva tinta Gamay. A Gamay tem potencial para produzir vinhos carnudos, suculentos, com ótima fruta e boa presença de boca, e em alguns pontos privilegiados da região, os Crus de Beaujolais, produz vinhos de mais estrutura e qualidade. Há na região produtores que entregam vinhos dos mais variados estilos e níveis de qualidade, inclusive os muito bons, que fazem vinhos de fazer inveja a muitos produtores franceses de regiões mais incensadas pela mídia.

 

Porém, as massivas ações feitas na divulgação do Beaujolais Nouveau já há décadas, criaram no consumidor médio a imagem de que toda a produção da região se resume ao Nouveau, ou seja, vinhos jovens e descompromissados, que embora não sejam ruins (para alguns), não apresentam maiores predicado qualitativos. E não é assim!

 

Vale a pena descobrir os bons produtos desta região! Dê preferência para aqueles que trazem no rótulo o nome de sua vila de origem, sejam os (bons) Crus de Beaujolais, sejam os Beaujolais Villages, de produtores já consagrados. Como tudo nesse incrível mundo que é o vinho, a melhor tática é a experimentação; prove de tudo, e tenha as suas próprias opiniões; ou, prove, de novo, o Beaujolais Nouveau, e fique, de novo, com as mesmas opiniões..."

Texto publicado originalmente em 05/01/2013 no Portal Gastrovia.

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