terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Argentina - Revista Escanção


O mais importante produtor da América Latina, além de um dos mais dinâmicos países produtores nas últimas décadas, a Argentina nem sempre recebe a devida atenção na análise e compreensão de seus vinhos. Uma indústria por muito tempo focada no volume, além de exportações com grande foco em poucas uvas (especialmente a Malbec) e limitada divulgação do variado terroir local são pontos que precisam sem vencidos na melhor divulgação e entendimento dos vinhos argentinos.

Afinal, falamos de um país de grandes dimensões territoriais, o 8º maior do mundo, assim como um dos maiores produtores globais, com um total de mais de 200.000ha de vinhedos e uma cultura vitivinícola profundamente arraigada, ainda que o consumo per capita tenha caído de quase 100 litros para cerca de 26 litros, ao longo dos últimos 50 anos.

Como é o caso com tantas nações que foram colônias espanholas, a história da viticultura argentina começa no séc. XVI, com o trabalho de missionários e colonos; estes plantavam para seu consumo, enquanto aqueles levavam a viticultura à novas terras, sempre levando consigo videiras para a implantação de novos vinhedos, com o objetivo de produzir vinho para a Eucaristia.

Ainda que vinhedos tenham sido cultivados nestes primeiros anos próximos à costa Atlântica, às margens do rio De La Plata, desde muito cedo os melhores resultados foram os obtidos nos vinhedos aos pés dos Andes, estes iniciados por expedições vindas do Chile e do Peru e é aqui que a indústria do país se estabeleceu.

A viticultura do país está dividida em 4 macrorregiões, que encontramos no mapa, à saber:

                - Norte: com as províncias de Jujuy, Salta, Catamarca e Tucumán

                - Cuyo: com as províncias de La Rioja, San Juan e Mendoza

                - Patagônia: com as províncias de La Pampa, Neuquén, Rio Negro e Chubut

                - Atlântica: com a província de Buenos Aires

As três primeiras, que compreendes justamente os vinhedos mais próximos aos Andes e distantes do oceano, respondem por 99% da produção. O grande esforço argentino vem concentrado na busca incessante por melhor entender e compreender os distintos terroirs do país, com a demarcação cada vez mais precisa de regiões e sub-regiões, levando em conta aspectos orográficos, muito mais do que fronteiras políticas. A expansão dos vinhedos, buscando as altitudes do Norte, as baixas temperaturas do Sul e as brisas marítimas do Leste mudaram o mapa do vinho argentino, ainda que 95% da produção permaneça na região de Cuyo.

Particularmente a província de Mendoza, com seus mais de 150.000ha de vinhedos, 75% do total nacional, ainda que conte com diversas razões históricas que justificam seu papel como coração da vitivinicultura do país, tem inegável vocação à produção de vinhos de alta qualidade, com clima e solo privilegiados, além do trabalho desempenhado por toda uma nova geração de enólogos e produtores, experimentando novas técnicas, novas castas, novas áreas de produção e muito mais.

Mendoza é dividida em cinco grandes sub-regiões, com suas características particulares: Valle de Uco, integrado pelos departamentos de Tunuyán, Tupungato e San Carlos; a Primera Zona, que compreende os departamentos de Luján de Cuyo e Maipú; e os oásis Norte (Lavalle e Las Heras), Leste (San Martín, Rivadavia, Junín, Santa Rosa e La Paz) e Sul (San Rafael, Malargüe e General Alvear).

Oásis Norte e Leste: Baixas altitudes, áreas de clima mais quente e foco em vinhos de entrada, de custo mais baixo, ainda que exemplares de grande qualidade sejam produzidos também, sobretudo com as castas Tempranillo e Bonarda

Primera Zona: Mais tradicional zona de alta qualidade de Mendoza, onde brilha a onipresente Malbec, logo ao sul da cidade, formada pelos departamentos de;

-          Luján de Cuyo: No alto vale de Mendoza, com altitudes de 800 a 1.100 metros e chuvas na casa de 190mm/ano Aqui foi estabelecida e primeira DOC da Argentina, em 1993 e é onde a maioria das mais tradicionais e renomadas bodegas estão sediadas, ainda que a maioria absoluta destas tenham também vinhedos em outras partes de Mendoza. Os principais distritos aqui são Las Compuertas, Vistalba (os dois de maior altitude), Agrelo, Perdriel, Ugarteche, Chacras de Coria e Mayor Drummond.

-          Maipú: Logo ao leste de Luján e também ao sul da cidade, é ligeiramente mais quente, devido a menor altitude. Contém os distritos de Cruz de Piedra, Barrancas, Russell, Coquimbito, Lunlunta, Fray Luis Beltrán e Maipú (assim como em Luján, temos um departamento e um distrito com o mesmo nome).

Oásis Sul: com os departamentos de San Rafael, Malargüe e General Alvear, é a zona mais ao Sul de Mendoza, onde as baixas altitudes são compensadas pela maior latitude, temperando o clima desta área focada em castas clássicas. Esta zona não goza de tão alta fama talvez devido a alta incidência de granizo ou a sua maior distância da cidade, mas produz vinhos de elevada qualidade.

Valle de Uco: A estrela em ascensão da Argentina, a região do país mais em voga no momento, composta pelos departamentos de Tupungato (com os distritos El Peral, Anchoris, La Arboleda, Tupungato e Gualtallary), Tunuyán (Vista Flores, Los Árboles, Los Sauces, Los Chacayes) e San Carlos (Altamira, La Consulta, Eugenio Bustos, El Cepillo), com altitudes de 1.000 a 1.600 metros. Seu clima mais frio, os solos muito pobres e de excelente drenagem, além das brisas que sopram constantemente são responsáveis pela alta sanidade das videiras, que entregam baixos rendimentos e vinhos encorpados, de alta acidez. Malbec, Chardonnay e Cabernet Franc são castas que tem se destacado.

Os modernos vinhos argentinos podem, e devem, fazer parte do repertório do bom escanção!


Chile - Revista Escanção


Chile, Estreito e Amplo

Inicialmente, pedimos licença aos leitores para retomar, parcialmente, um tema do qual já tratamos não há muito tempo, o Chile.

Porém, queremos hoje abordar novos pontos, justo aqueles de maior relevância na atual conjuntura da produção de vinhos naquele país. Vamos analisar um pouco a divisão regional do Chile e como esta tem recentemente evoluído para dar cada vez mais atenção ao terroir e os diversos aspectos que compõem este conceito.

Sendo o Chile um país estreito, com menos de 200km de Leste a Oeste em qualquer ponto, a partir da abertura do mercado às exportações, principalmente nos anos 90, as primeiras iniciativas na demarcação de regiões produtoras deram-se de Norte a Sul. Os, então, pouco mais de 1.000km de zona de produção, denominados Valle Central, foram subdivididos em grandes vales, que consideravam, em geral, os grandes rios de degelo, formados pelas águas que desciam da Cordilheira dos Andes rumo ao Pacífico. Daí vem os grandes vales, nomes que por muito tempos nos habituamos a encontras nas etiquetas chilenas, Maipo, Rapel (este subdividido em Cachapoal e Colchagua), Curicó e Maule.

Mas ainda neste período, começa a despontar uma nova percepção. Com um foco maior em qualidade, em detrimento do volume e do baixo custo, as plantações começam a afastar-se da planície central, de solo fértil aluvial, e começam a buscar as encostas dos Andes por um lado e a proximidade com o oceano pelo outro. É já neste momento que desponta a primeira região produtora em clima mais fresco, o Valle de Casablanca, aberto às influências costeiras, que passam então a ser levadas mais em conta pelos produtores locais.

Percebe-se, de forma particularmente intensa na década que se segue, que nas poucas dezenas de quilômetros entre o oceano e as montanhas encontram-se muitas e importantes variações em solo e microclimas, muito mais intensas e marcadas do que aquelas que se verificam em milhares de quilômetros de Norte a Sul, sendo as principais diferenças em relação as distintas influências climáticas e ao solo.

No aspecto geológico, o Chile é caracterizado, de Leste para Oeste, pelo relevo que vemos representado na figura 1. Próximo ao mar, após as planícies costeiras, temos uma cadeia montanhosa, de poucas centenas de metros, que é a Cordilheira da Costa, composta fundamentalmente por granitos, tendo-se formado entre 150 e 200 milhões de anos atrás. Estes solos são propícios a castas como a Sauvignon Blanc, a Chardonnay, a Pinot Noir e a Syrah. As montanhas protegem o interior dos frios ventos do Pacífico, de águas geladas pela corrente antártica de Humboldt, que banha todo o litoral, mas essa proteção não é absoluta, de forma que vinhedos em suas encostas recebem ainda algo destes ventos frescos.

À Leste, na fronteira com a Argentina, está a imponente Cordilheira dos Andes, com seus quase 7.000m de altitude no ponto mais alto e a eterna presença de neve em seus picos, dos quais vem as frescas brisas noturnas que refrescam os vinhedos mais abaixo. Aqui temos uma formação geológica mais jovem, de cerca de 80 milhões de anos, de origem vulcânica, composta fundamentalmente de basalto.

Ao centro, na planície central, temos solos de origem aluvial e coluvial, com distintos níveis de fertilidade, que permitem desde a produção de grandes volumes de vinhos simples e correto até a produção de alguns dos mais destacados vinhos do país.

Todas essas sutis diferenças, de solos, climas, altitude, humidade, influência dos ventos, do mar, insolação etc. levaram não a uma mudança, mas a uma evolução da demarcação normalmente utilizada. Além dos vales já demarcados, e das subzonas dentro deles, estas foram agrupadas em novas classificações, que levam em conta essas variações de Leste a Oeste. Os vinhedos mais próximos ao Pacífico, influenciados pelos frios ventos marinhos, podem acrescentar à sua identificação regional mais específica a indicação “Costa”; àqueles próximas da Cordilheira, adiciona-se a indicação “Andes” enquanto os vinhedos na área intermediária são designados “Entre Cordilleras”.

É fundamental destacar que tais diferenças são marcadas, não apenas comerciais. Em recente visita ao país pudemos fazer uma exploração detalhada que incluiu centenas de quilômetros rodados, mais de uma centena de vinhos degustados e horas e horas de explanações de enólogos e agrônomos, que nos apresentaram nos menores detalhes essa nova classificação.

O mapa mostra as áreas de cada designação, dentro de cada um dos vales tradicionalmente demarcados de Norte a Sul. O objetivo desta divisão é cada vez mais destacar as diferenças entre cada área, permitindo ao consumidor, no médio prazo, uma identificação clara de estilos a partir das áreas de origem dos vinhos. Como os tradicionais países produtores do Velho Mundo, o Chile tem também uma rica diversidade de terroirs. Cabe aos escanção moderno sua melhor compreensão bem como a busca pelo maior conhecimento para melhor comunicar ao cliente estas diferenças. Aliás, todo o detalhamento das subzonas de produção chilenas pode ser encontrado no sítio da Wines of Chile na internet.

Nova Zelândia - Revista Escanção


Nova Zelândia – Vinhos dos Confins da Terra

A Nova Zelândia produz vinhos de estilo ímpar e qualidade destacada, apesar de sua relativamente curta história vitivinícola.

Falamos de um país que teve seus primeiros vinhedos implantados logo após a fundação do país, no início do séc. XIX, e seu primeiro vinho produzido anos depois, pelo missionário James Busby, entusiasta e pai da vitivinicultura kiwi.

Por muito tempo o foco foi em vinhos simples, muitas vezes recorrendo a variedades híbridas, visando atender fundamentalmente o mercado de consumo local. A onda da mudança começa nos anos 1970, quando Malborough começa a destacar-se pela sua produção de vinhos premium baseados na casta Sauvignon Blanc.

Falamos aqui de um país de pequenas dimensões. Ainda que falemos de 1.600km de Norte a Sul, quase o triplo de Portugal, são menos de 5 milhões de habitantes espalhados por esse território, que respondem por menos de 1% da produção vitivinícola global.

Muitos são os fatores que contribuem para tal destaque. Trata-se de uma nação que, justamente por seu isolamento geográfico e pequena população, foca sobretudo em vinhos de alta qualidade, afinal, não são baixos os custos de produção quando tem-se escassez de mão de obra.

Porém fatores geográficos também favorecem a produção de vinhos de elevada qualidade. Embora tenhamos climas que vão do subtropical no norte até o fresco clima montanhoso do sul, onde estão os vinhedos mais meridionais em todo o mundo, um fator comum à todas as zonas produtoras é o natural frescor de seus vinhos, proporcionado pela proximidade do oceano, nunca a mais do que 130km de distância de qualquer ponto do país.

Dividida entre duas grandes ilhas, Norte e Sul, com produção em toda sua extensão territorial praticamente, a Nova Zelândia tem mais de 60% de seus vinhedos na região de Malborough, no Norte da ilha Sul, seguida de Hawkes Bay, na ilha Norte, e Central Otago, no extremo Sul. A casta mais cultivada, grande símbolo nacional, é a Sauvignon Blanc, com mais de 21.000 ha plantados, mais de 50% da área total, seguida da tinta Pinot Noir e da Chardonnay.

Outro fator de importante destaque aqui é a constante preocupação com a questão ambiental; 98% dos vinhedos são certificados como sustentáveis e o país caminha a passos largos para atingir a ousada meta de contar com 20% de seus vinhedos certificados como orgânicos até o ano que vem, característica muito valorizada hoje em dia por consumidores e profissionais. Temos ainda uma preocupação a atenção constantes com a inovação, sempre introduzindo as mais modernas técnicas e equipamentos na vitivinicultura, usualmente na vanguarda deste setor, mesmo nas embalagens, campo no qual podemos destacar a importância do screwcap, presente como vedação de mais de 90% dos vinhos.

O típico Sauvignon Blanc neozelandês é um branco fresco, de acidez vibrante, marcados aromas citrinos e à frutos tropicais, além de evidentes notas vegetais, tão ligadas à casta, evocando espargos e relva recém cortada. Com médio corpo e boa persistência, oferecem excelente alternativa para harmonização com frutos do mar e peixes brancos, ou ainda acepipes como os pastéis e pataniscas de bacalhau.

Já os Pinots da ilha, especialmente os de Central Otago, são tintos expressivos e frutados, com marcado frescor e a típica sedosidade de seus taninos, sempre interessantes em harmonizações com carnes suínas, aves como codornas, peru e pato, ou ainda com massas e risotos com cogumelos.

Por certo, uma nação que merece maior atenção de sommeliers mundo afora!

Alemanha - Revista Escanção


A Alemanha e Seus Vinhos

Já de muito tempo, os vinhos alemães são admirados e respeitados entre os melhores do mundo. Nos séculos XVII e XIX grandes vinhos do Rheingau alcançavam mesmo preços superiores aos dos mais famosos chateaux de Bordéus.

Falamos aqui de um dos principais países produtores da Europa, com uma tradição profundamente arraigada na produção de bons vinhos, desde de tempos Romanos. Mesmo com seu clima limítrofe, tendo a maior parte de suas zonas de produção localizadas entre as mais frescas do continente, a Alemanha sempre teve sucesso na produção de volumes expressivos de bons vinhos. O segredo, ao fim das contas, está na justa seleção das castas mais adequadas, cultivadas apenas nas melhores parcelas, com a melhor exposição e máxima insolação.

Grande parte das plantações alemãs estão em encostas, usualmente próximas às margens de rios, sendo os principais o Reno e o Mosel, mas com os rios Mainz, Neckar, Nahe e Ahr também desempenhando importante papel. As zonas próximas aos rios são usualmente mais íngremes, muitas vezes necessitando da construção de patamares e socalcos, semelhantes aos do Douro, mas essas massas d’água desempenham também agem mitigando as temperaturas mais extremas dos invernos e, em locais privilegiados, refletindo a luz do sol, favorecendo assim os processos fisiológicos das videiras.

Tais vinhedos são, obviamente, de mais complexo cultivo, o que aumenta o custo da produção e demanda, necessariamente, o foco em vinhos de qualidade superior, que permitam um equilíbrio de custos. Ainda assim, nos anos 1970 e 1980, com a consolidação do Flürbereinigung, reorganização e reestruturação dos vinhedos nacionais promovida pelo estado, houve um aumento na produção de vinhos de baixo custo que, de certa forma, prejudicaram a imagem internacional do vinho alemão.

A casta de maior importância em vinhedos alemães é a Riesling, vista como a rainha das castas brancas por tantos escanções pelo mundo. Porém, sendo uma casta exigente e de difícil cultivo, coube a Müller-Thurgau o papel de protagonista nesta época, em brancos indistintos e neutros, entre os quais os designados Liebfraumilch ganharam maior notoriedade; Brancos simples, adoçados com suco de uva clarificado, que inundaram prateleiras de mercados e adegas pelo mundo.

Já de mais de 20 anos vem a, por assim dizer, redescoberta da Alemanha com fonte de alguns dos mais complexos e apaixonantes vinhos. Mas a compreensão de tais vinhos não vem de forma simples e descompromissada, pois não são poucas as particularidades da legislação local, reforçadas pelas naturais dificuldades que nós, falantes da língua de Camões, encontramos com o idioma germânico.

A Alemanha conta hoje com 13 regiões demarcadas, algo como suas DOCs, chamadas abaugebiete (literalmente, áreas de cultivo). A legislação segue, grosso modo, o modela francês, hoje adotado em toda a União Europeia, com a base de sua pirâmide qualitativa formada pelos vinhos de mesa (Deutscher Wein), seguidos dos vinhos regionais (Landwein), vindo então os vinhos DOC, aqui divididos em duas categorias, tal qual na Itália. O primeiro nível são os Qualitätswein, vinhos de qualidade, que necessariamente devem ter origem em uma das áreas de produção designadas, com sua procedência informada no rótulo; logo acima vem os Prädikatswein, vinhos com predicados, predicados estes que dizem respeito ao nível de maturação das uvas utilizadas.

Embora não sejam poucas as críticas a esse sistema e aos problemas por ele criados, valorizando a maturação das uvas, sem especial atenção com a qualidade intrínseca da casta selecionada, é bem compreensível que um país tão frio de atenção ao grau de maturação e teor de açúcar de seus mostos. É também inegável que esse particular sistema tem lá seu charme, como um diferencial alemão em meio ao quase que uniforme sistema de denominações de origem adotado pelo continente.

Importante destaque aqui é que essa não é uma escala de doçura dos vinhos, mas sim dos mostos, medido em graus Öeschle, ainda que, usualmente, haja uma progressão dos níveis de açúcar residual. Dos menos aos mais doces, os tais predicados são:

Kabinett

Spätlese

Auslese

Beerenauslese

Eiswein (com exatamente os mesmos níveis do Beerenauslese)

Trockenbeerenauslese

Não são poucos os motivos para buscar conhecer melhor os vinhos alemães e, definitivamente, não são estas parcas linhas que oferecerão conhecimento sólido e completo sobre o tema. Mas, é nosso sincero desejo que possam nossas palavras despertar o mínimo interesse pelo tema, para que mais e mais escanções possam aprofundar seus conhecimentos e melhor conhecer os clássicos e modernos vinhos alemães.




Bélgica - Revista Escanção


Allez les Belges!

Às portas do próximo concurso Best World Sommelier ASI, que será realizado na Bélgica, em Antuérpia, há um natural aumento da curiosidade pelo país e seus produtos etílicos.

Nesta categoria, natural e comumente, colocaríamos as cervejas, já uma tradição de longa data e, de certa forma, a bebida nacional. Mas não só de cervejas vivem os belgas; produz-se aqui também vinhos!

Os vinhos belgas não são de todo uma grande novidade, que fique claro. Registros indicam o início da viticultura por volta do séc. XIX e sua manutenção, em dimensões significativas, até o séc. XVII e essa herança está presente nos nomes de ruas e vilas, como Vinalmont, Vignette, Wjingaard, entre outras.

 Mudanças climáticas ocorridas a época, além da melhora nos meios de transporte que facilitou o acesso aos vinhos de outros países, levaram a produção local a uma virtual interrupção. Interrupção está que durou até as últimas décadas do séc. XX, quando a produção foi retomada e 1960, com vinhedos plantados em Huy e Borgloon, respectivamente por Charles Legot e Jan Bellefroid. A partir daí também novas vinícolas inauguradas, e chegamos o momento atual.

Para os padrões belgas, uma nação relativamente pequena (menos de um terço do território Português) e de pouca tradição no moderno mundo do vinho, vai bem a indústria local. Falamos aqui de uma área total por volta dos 350ha de vinhas, dos quais dois terços localizados em Flandres e um terço na Valônia. Já desde os anos 70 não foram poucos os produtores que, ao selecionar as melhores castas para seus vinhedos, optaram por variedades híbridas, mais adaptadas ao clima limítrofe da Bélgica, com a híbridas Johanniter, Regent e Solaris figurando entras as 10 principais; porém, a principal casta local, ocupando quase mais de um terço dos vinhedos, é a Chardonnay, seguida das Pinots Noir e Gris. A Chardonnay é produzida tanto com ou sem o uso de madeira.

Sempre é importante lembrar que falamos aqui de um viticultura de clima frio, com vinhedos ao norte das mais frias regiões francesas e alemãs, logo, o estilo esperado dos vinhos será sempre vinhos leves e frescos, algo só reforçado pelas castas que ora mencionamos, ainda que haja pequenas áreas plantadas com castas como Cabernet Sauvignon, Tempranillo, Syrah e Nebbiolo, entre outras. Ainda assim, mais de 80% da produção é de vinhos brancos, tranquilos e espumantes.

A organização e crescimento da produção local levou, em 1997, a criação da primeira DOP belga, Hagelandse, à qual seguiram-se outras nove, sendo duas exclusivamente para a produção de espumantes, além de duas IGPs, Vlaamse e Jardins de Wallonie. A maior produção, em volume, vem da AOP Hagelandse, seguida da AOP Côtes de Sambre et Meuse. As regiões demarcadas todas são:

- AOP Hagelandse wijn

- AOP Haspengouwse wijn

- AOP Heuvellandse wijn

- AOP Maasvallei Limburg

- AOP Vlaamse Mousserende Kwaliteitswijn

- AOP Côtes de Sambre et Meuse

- AOP Crémant de Wallonie

- AOP Vin mousseux de qualité de Wallonie

- IGP Vlaamse landwijn

 - IGP Vin de pays des Jardins de Wallonie

 A produção atual aproxima-se de 1 milhão de litros, sendo quase 370.000 litros DOP. O foco é na produção de qualidade, afinal, uma produção tão pequena, quando comparada a escala global, precisa calcar seu diferencial na qualidade daquilo que produz.

Mesmo com tal organização da indústria, ainda falamos de uma maioria de pequenas propriedades, com cerca de 75% dos produtores possuindo vinhedos de menos de 3ha e produzem menos de 5.000 litros; apenas cerca de 30 vinícolas poderiam ser consideradas realmente de escala comercial. Além de vinícolas comerciais, há também vinícolas comunitárias e sem fins lucrativos, criadas com o objetivo de recuperar antigos vinhedos históricos, ligados a abadias e castelos, e que normalmente direcionam seus lucros à manutenção da propriedade ou para obras de caridade.

Por fim, temos a disposição mais uma origem de bons vinhos, a ser explorada e compreendida pelo escanção contemporâneo.

Franciacorta - Revista Escanção


A primazia dos vinhos da Champagne, como a grande referência em espumantes de qualidade no mundo, é inquestionável! Não faltam, porém, produtos de elevada qualidade no mercado mundial, em função de desenvolvimento de novas regiões produtoras, como o sul da Grã-Bretanha, ou por conta dos novos conhecimentos e técnicas adquiridos por produtores do Novo Mundo. Há, no entanto, algumas poucas regiões com clima e solo adequados, e que já tem uma longa história na produção de espumantes de alto nível, que podem mesmo rivalizar, em qualidade, com os bons produtos franceses; Távora Varosa é um exemplo, em Portugal.

No caso da Itália, ao lado da zona de Trento, a Franciacorta ocupa tal posição, e é sobre os vinhos desta zona que falaremos. Reconhecida pela legislação italiana como uma DOCG, hoje, exclusivamente para espumantes, a Franciacorta produz vinhos com o mesmo método clássico da Champagne, e utilizando, principalmente, as castas Chardonnay e Pinot Noir, complementadas pela Pinot Bianco e, recentemente, por até 10% da casta local Erbamat.

Até aqui, nada muito diferente, mas o que coloca a Franciacorta no mesmo patamar de outras regiões clássicas já citadas é, em boa parte, o respeito ao terroir; trata-se de uma zona com características de solo e clima muito bem definidas e que, por conta disso, não tem alternativas que permitam sua expansão descontrolada. Hoje, a Franciacorta produz cerca de 17 milhões de garrafas ao ano, e as estimativas apontem que esse volume não pode ultrapassar os 21,5 milhões.

Com um clima subtropical alpino, que na Itália só é encontrado ali e no sul do lago de Garda, a região é limitada pelo anfiteatro de montanhas que circundam o lago Iseo, ao norte, pelas colinas de Monticelli Brusati, Ome e Gussago, ao oeste, pelo Monte Alto, no leste e, grosso modo, pela formação conhecida como Monte Orfano (monte órfão), ao sul, e essa limitação explicasse pela formação dos solos de origem morâinica da região.

Durante o fim da última era glacial, a dissolução dos glaciares que chegavam ao norte da Itália levou a formação dos lagos ali presentes (Iseo, Como, Garda, etc.), mas também ao deslocamento dos solos, que viriam a assentar-se nas planícies da Pianura Padana, ampla área plana na bacia do rio Pó. Porém, na Franciacorta, a presença do Monte Orfano, ao sul, de certa forma bloqueou o deslocamento desse solo, fazendo com que essa pequena área mantivesse características de solo diferenciadas, com textura arenosa e grande presença de pedras, além de matéria vulcânica e calcário, oferecendo condições ideais a produção das castas ali plantadas, com adequados níveis de acidez para a produção de espumantes de alta qualidade.

Outra semelhança com a região de Champagne é a grande fragmentação das propriedades, com volumes expressivos de compra de uvas pelos principais produtores da região. Grandes vinícolas, como Bellavista e Cá del Bosco, nascidas ali, além de gigantes de fora da zona que ali se instalaram, como a Antinori (Tenuta Montenisa), convivem com produtores menores, como Barone Pizzini e Le Cantorìe, na produção de espumantes que devem passar, no mínimo, 18 meses com as leveduras (até 60, no caso dos Riserva), exigência que colabora para a complexidade aromática, textura cremosa e fina mousse de seus vinhos. Como um adendo, bons vinhos tranquilos também são produzidos, hoje em dia com a DOC Curtefranca.

Trata-se, indubitavelmente, de uma zona a ser cuidadosamente explorada pelo escanção que busca alta qualidade, e variedade de origens, na composição de sua adega!

Áustria - Revista Escanção


No próximo mês de maio, durante uma semana, Viena, na Áustria, será a capital da sommellerie europeia, com os mais destacados profissionais do continente, e ainda da África do Sul, Marrocos e Ilhas Maurício, competindo pelo título de Melhor Sommelier da Europa, naquela que é a única capital europeia produtora de vinhos, com vinhedos dentro de sua zona urbana. Como toda competição, esta terá apenas um vencedor, mas será uma oportunidade única de aprendizado para seus participantes, que, ao final, sairão de lá todos premiados, com a aquisição de novos conhecimentos. Neste contexto, é salutar que também nossa atenção se dirija àquela nação, e que também nós que não estaremos em Viena aprofundemos nossos conhecimentos sobre os excelentes vinhos austríacos.

Com uma história milenar na vitivinicultura, a Áustria produz de forma organizada já desde os tempos Romanos, e chegou a ser o terceiro maior produtor mundial no pós-guerra. Em 1985, alguns produtores inescrupulosos foram descobertos adicionado anticongelante (diethyleno glicol) aos vinhos, para que os mesmos tivessem uma sensação de mais corpo e doçura; esse fato trouxe grande prejuízo a imagem dos vinhos da Áustria, mas a resposta do país foi exemplar, com a criação do mais rigoroso e estrito conjunto de regras vitivinícolas do continente.

Com seu clima continental fresco, e seu relevo variado, a Áustria oferece as condições ideias à produção de uma ampla gama de produto vínicos, e sua produção concentra-se no leste do país, nas zonas de Niederösterreich, Burgenland, Wien e Steiermark, sendo a primeira o centro da produção nacional. Contam ainda com o centro de pesquise de Klosterneuburg, criado em 1860, e responsável por grande parte do desenvolvimento enológico local, bem como pela criação de algumas de suas principais castas.

Cerca de 65% da produção é de brancos, e a principal casta é a local Grüner Veltliner, que produz brancos secos e frescos, com aromas à frutos e floras brancas, cítricos, e, nas melhores zonas, um marcado caráter especiado, com notas de pimenta branca evidentes. Os tintos também têm demonstrado destacada qualidade, sendo aqui e principal casta a local Zweigelt, que entrega vinhos com ótima tensão ácida, médio corpo para mais, taninos macios e, nos melhores exemplares, bom potencial de guarda. Entre as castas, o fato curioso fica por conta de terceira variedade tinta mais plantada no país, a Blauer Portuguieser (Portuguesa Azul), cuja origem foi considerada portuguesa durante muito tempo, por conta de uma estória local que dizia que se tratava da casta alentejana Moreto, trazida de lá nos idos do séc. XVIII; no entanto, pesquisas genéticas amis recentes dão conta de que se trata de uma casta autóctone austríaca, não ficando clara a origem da lenda de sua origem em Portugal.

Em linhas gerais, a legislação austríaca assemelha-se a alemã, apenas com exigências um pouco maiores no que se refere ao peso do mosto para o enquadramento nos diversos graus de doçura. Aliás, doçura aqui é um capítulo à parte! Com a produção de vinhos doces concentrada em Burgenland, em especial as margens do lago Neusierdlersee, na fronteira com Hungria. Aqui produz-se Trockenbeerenauslese desde, ao menos, 1526! Encontramos ainda especialidades locais, como o strohwein, produzido com uvas secas em esteiras de palha, e o Ruster Ausbruch, especialidade doce produzida na vila de Rust, próxima ao lago supracitado.

São, deverás, os mais variados os bons motivos para descobrir-se mais a fundo o vinho austríaco, e é de bom augúrio para a escancionaria europeia como um todo, e em particular a portuguesa, que a realização do vindouro concurso europeu crie essa janela de oportunidade para nossa natural curiosidade!

Brasil Vitivinicola - Revista Escanção


Consumo e produção de vinhos finos não são as primeiras imagens que vem à cabeça de um europeu quando o assunto é Brasil. No entanto, temos aqui uma história vitivinícola que remonta ao início do séc. XVI, logo após a chegada dos portugueses, e uma produção em franco crescimento qualitativo.

Apesar de nossos primeiros vinhedos terem sido plantados pelos portugueses, ainda em 1534, no litoral de São Paulo, foi apenas com o fluxo migratório de italianos, na segunda metade do séc. XIX, que a produção de vinhos cresceu significativamente aqui. Lamentavelmente, naquele momento, a opção acabou recaindo sobre as uvas de mesa, de mais fácil cultivo e maior produtividade, porém geradoras de vinhos de qualidade “duvidosa”, para dizer o mínimo. A partir da chegada de importantes multinacionais, na década de 1970 (Moët & Chandon e Almadén), teve início um ciclo virtuoso de valorização cada vez maior do uso de castas viníferas, que segue até os dias de hoje. Em tempos mais recentes, um novo, e salutar, ciclo, tem buscado novas regiões, onde os vinhos de qualidade possam ser produzidos. Historicamente, a produção brasileira concentra-se no estado do Rio Grande do Sul, mas vale lembrar que somos uma país de dimensões continentais, com um território maior do que toda a Europa, logo, é natural que haja (muitas) fronteiras vitivinícolas ainda inexploradas.

No próprio Rio Grande do Sul, onde a produção sempre esteve concentrada na úmida Serra Gaúcha, tem surgido vinhos de elevada qualidade na região da Campanha, zona mais quente e seca, na fronteira com o Uruguai, e com significativo potencial para a produção de tintos de classe e estrutura. No estado de Santa Catarina, tem crescido a produção nas zonas de altitude da Serra Catarinense, com bons resultados para castas tintas bordalesas, além de excelentes Sauvignon Blancs. No outro extremo climático, temos uma significativa produção no Vale do São Francisco, região próxima a linha do Equador, onde irrigação e modernas técnicas permitem a obtenção de duas e meia safras ao ano, com vinhos para o dia a dia de boa relação qualidade/preço.

Mas, talvez, a mais importante inovação, que tem permitido a expansão de nossas fronteiras, é o desenvolvimento da técnica de inversão do ciclo da poda, que força a parreira a entrar em dormência no nosso verão (quente e úmido) e desloca a produção para o inverno, quando temos condição climáticas mais adequadas, com boa amplitude térmica e poucas chuvas. Dessa forma, regiões nos estados de Minas Gerais e São Paulo tem apresentado vinhos de excelente qualidade, com castas como Syrah, Cabernet Franc, Chardonnay e Cabernet Sauvignon. A coroação destes esforços veio com o reconhecimento de um Syrah paulista, nos últimos dois anos, com uma medalha de ouro e outra de platina, na respeitada premiação da revista inglesa Decanter, além de um Chardonnay, de outro produtor de São Paulo, que se destacou em uma premiação nacional, superando seus pares da Serra Gaúcha.

Mas isso, ainda, não é tudo! Novos projetos, novos vinhos, e novas regiões, surgem diariamente, com experimentos e vinícolas comerciais em regiões como a Serra Fluminense (Rio de Janeiro), Chapada Diamantina (Bahia), Serra de Pirenópolis (Goiás), Serra da Mantiqueira (São Paulo) e o interior do Paraná, apenas como exemplos.

O fato, é que a viticultura brasileira se torna a cada dia mais diversa, e o natural espírito empreendedor de nosso povo, aliado ao desenvolvimento de novas técnicas, trazem bons augúrios de cada vez mais, e melhores, vinhos surgindo por aqui. Ainda mais um bom motivo para degustar, e visitar, o Brasil!

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