terça-feira, 10 de novembro de 2020

Campanha Gaúcha - Escanção

 

Campanha Gaúcha e As Fronteiras do Vinho Brasileiro

Há umas tantas edições atrás, utilizamos este espaço para apresentar um panorama da vitivinicultura brasileira, com novas zonas de produção se desenvolvendo a cada dia. De fato, o potencial do Brasil para a produção de bons vinhos é grande, temos um país de dimensões continentais e portanto com grande variedade de solos e climas.

Ainda que esse potencial não seja plenamente explorado, é inegável o interesse e abnegação de muitos e muitos empreendedores deste mundo, a cada dia dedicando-se a alargar nossas fronteiras vitivinícolas.

Neste processo, da busca pelo novo, legados vão ficando pelo caminho. Conforme aprofunda-se o conhecimento sobre regiões já tradicionais e segue-se adiante desbravando novas fronteiras, mais compreende-se as vocações particulares de cada região e as particulares de nossos muitos terroirs.

Parte crucial deste processo é o reconhecimento oficial de novas zonas de produção, garantindo aos produtores que ali investem a tranquilidade de que suas marcas regionais serão protegidas, bem como garantindo ao consumidor a procedência dos produtos que estrão em suas taças. Neste processo, o Brasil conta hoje com sete zonas de produção demarcadas, sendo uma DO (Denominação de Origem) e seis IPs (Indicações de Procedência). A inspiração é evidentemente o modelo Europeu, com as IPs correspondendo aos Vinhos Regionais de Portugal, com áreas de produção mais amplas e normas de produção mais abertas à criatividade e experimentação.

Em meio a pandemia que nos assola, quando o inevitável isolamento e as muitas restrições ao deslocamento levaram a um crescimento do consumo e do interesse do brasileiro por vinhos, especialmente os locais, foi aprovada pelos órgão governamentais brasileiros a criação de uma nova IP, a Campanha Gaúcha.

Ainda que a demarcação da IP só ocorra oficialmente agora em 2020, é seguro afirmar que ela vem já com algum atraso. Afinal não falamos aqui de uma região ainda debutante, com os primeiros vinhedos experimentais plantados há pouco e um ou outro produtor pioneiro. A Campanha tem tradições na produção de vinhos que remontam ao século XIX e, especificamente na fase atual do vinho brasileiro, é justamente aqui que se inicia a virada de nossa indústria em direção ao vinho fino, com a instalação da multinacional norte americana Almadén na década de 1970.

Nos últimos anos foram 18 as vinícolas que ali se instalaram, cultivando cerca de 1.600ha que fazem desta a 2ª mais importante região produtora do Brasil e com importante potencial de crescimento no futuro próximo.

Localizada na fronteira sul do país, no limite entre Brasil e Uruguai, a Campanha Gaúcha conta com importantes vantagens competitivas. O clima é mais quente, seco e estável do que aquele da Serra Gaúcha, nossa principal região. Desta forma, a maturação mesmo de castas tintas de ciclo mais longo é mais confiável e estável, fato ainda favorecidos pelos solos arenosos e de boa drenagem que aqui se encontram. Obtém-se aqui ótimos resultados com castas bordalesas, bem como com a Tannat, mas não faltam exemplos de bons vinhos feitos com castas menos comuns, como a Touriga Nacional, a Alvarinho, a Riesling, a Petit Manseng, entre outras.

Outra importante vantagem da Campanha Gaúcho é o relevo. A região é ampla e relativamente plana, com suaves colinas, parte de um bioma que compreende partes do Brasil e do Uruguai, o Pampa. Essa característica permite a mecanização dos vinhedos o que permite, por sua vez, a produção de vinhos com menor custo. Há de se considerar que, por não se tratar a vitivinicultura de uma atividade econômica de grande peso no PIB brasileiro, a carga tributária sobre os vinhos, mesmo os aqui produzidos, é significativamente alta. Logo, toda redução de custo acaba tendo um importante impacto no preço final.

Em tempo, com o aumento da produção local e maior compreensão da zona, a tendência é que tenhamos uma divisão da Campanha em zonas menores, afinal falamos aqui de uma região que tem, mais ou menos, metade da área de Portugal continental, portanto com importantes variações de solo e clima.

Já não são poucos os vinhos de alta qualidade produzidos na Campanha Gaúcha; também não são poucas as vinícolas tradicionais, instaladas na Serra Gaúcha, que adquirem aqui as uvas para alguns de seus melhores vinhos. O reconhecimento da IP permitirá maiores investimentos da identidade regional, tornando a região reconhecida por seus muitos méritos e facilitando o acesso do consumidor a vinhos cada vez melhores e mais representativos da grande diversidade cultural que compõem o Brasil.

terça-feira, 22 de setembro de 2020

Nova York - Revista Escanção

 

A cidade de Nova Iorque, mais precisamente a ilha de Manhattan, é a primeira imagem que a maioria de nós tem em mento quando se fala em Estados Unidos da América, como uma cidade cosmopolita e agitada, centro financeiro e endereço de alguns dos melhores restaurantes daquele país. Aqueles que tem o vinho como profissão certamente pensarão em vinho também, mas no consumo, nas muitas e estreladas cartas de vinhos que encontramos por lá.

A produção de vinhos não é nem de longe o primeiro pensamento. Vinhos dos Estados Unidos são, vai de regra, sinônimo de Califórnia, no outro lado do país, ou, também na costa Oeste, Oregon e Washington.

Ledo engano imaginar que Nova Iorque seja apenas um centro consumidor, engano esse causado, em parte, pelo nosso engano em imaginar que “Nova Iorque” seja apenas uma referência a cidade e nos esquecemos eu a cidade é apenas a pontinha Sul de um Estado, de dimensões significativas e grande produtor de vinhos.

Sim, para muitos pode ser uma surpresa essa informação, mas os estado de Nova Iorque é o terceiro maior produtor dos Estados Unidos, atrás apenas da Califórnia e de Washington, a frente de produtores mais conhecidos como Oregon e Virginia.

O detalhe é que grande parte da produção aqui é de vinhos simples, feitos com uvas americanas e pouco adaptados ao consumo por arte de degustadores mais experientes, entretanto já desde os anos 1970 cresceu significativamente o número de vinícolas focadas na produção de vinhos finos, com excelentes resultados, que fazem jus às exigências mais estritas.

Encontraremos aqui algumas importantes regiões produtoras, com um total de cerca de 15.000ha. Logo ao leste de Manhattan encontramos Long Island, que tem sua produção concentrada no extremo leste, onde o Oceano Atlântico exerce importante influência, mitigando os efeitos do inverno e aliviando a humidade do verão com brisas constantes. São mais de 1200ha de vinhedos em duas áreas de produção (AVA nos Estados Unidos, sigla de American VIticultural Area) a saber: North Fork of Long Island e The Hamptons.

The Hamptons é um destino famosos por seus casarões de veraneio, sempre agitados nos meses de calor, logo os vinhedos existem, mas são poucos, devido ao grande valor que a terra tem aqui. Consequentemente a maior parte da produção esta concentrada na AVA North Fork of Long Island, onde condições climáticas privilegiadas garantem um ciclo de maturação longo e quente o suficiente para amadurecer castas como Cabernet Sauvignon de forma confiável. Os melhores exemplares da região são obtidos com as castas Cabernet Franc, Chardonnay, Merlot, Riesling e Sauvignon Blanc, mas a variedade local é grande e inclui mesmo castas como Dornfelder, Friulano, Vermentino, Alvarinho, Grüner, entre outras.

As demais áreas de produção do estado ficam ao Norte, rumo ao Canadá. Bem próximo à cidade, encontraremos a AVA Hudson River Region, que compreende as áreas de cultivo nas margens do rio Hudson. Os primeiros vinhedos foram plantados aqui ainda no séc. XVII e a mais antiga vinícola americana em operação contínua está ali, Brotherhood Winery, fundada em 1839. Aqui temos apenas cerca de 200ha, com os melhores resultados advindos de castas mais adaptadas ao clima mais frio, principalmente Cabernet Franc, Chardonnay, Pinot Noir e a hibrida Baco Noir, muito popular aqui.

Mas aquela que tem chamado mais atenção é a região de Finger Lakes AVA, com duas sub zonas, Cayuga Lake AVA e Seneca Lake AVA. Com um total de mais de 3600ha de vinhedos, a região conta com importantes expoentes do cultivo de variedades viníferas de clima frio. Aqui encontramos excelentes vinhos feitos com velhas conhecidas como Riesling, Cabernet Franc e Chardonnay, mas também com as menos comuns Gewürztraminer e Rkatsiteli. A produção aqui só é possível devido aos lagos, profundos, estreitos no sentido leste/oeste e longos no sentido norte/sul, assemelhando-se às marcas deixadas por garras arranhando a terra, daí seu nome.

Estes lagos foram formados pelo deslocamento de geleiras ao final da última Era do Gelo e o clima mais ameno em suas margens sempre foi um atrativo para a produção de frutas e também uvas, porém o enfoque sempre foi em variedades americanas ou hibridas até que em 1962 o imigrante ucraniano Konstantin Frank iniciou sua produção na vinícola homônima. Evidentemente, em uma área de clima assim frio, também vamos encontrar deliciosos vinhos de sobremesa feitos com uvas congeladas, os ice wines.

A região conta ainda com outras duas AVAs, Niagara Escarpment, com foco nas brancas Chardonnay e Vidal Blanc, e Lake Eire, esta compartilhada com Ohio e Pennsylvania, com cerca de 8.000ha de vinhedos apenas em Nova Iorque, porém dedicados principalmente a variedade americana Concord, que produz vinhos simples, sucos e geleias.

 

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Canadá - Revista Escanção


A produção global de vinhos, ainda que liderada pela Europa, conta já há muito com importantes países do Novo Mundo entre os mais destacados produtores, com vinhos de qualidade e bom preço em volumes expressivo. Entre os maiores volumes produzidos, encontraremos países como Argentina, Austrália e Estados Unidos. Precisamente os Estados Unidos ocupam uma posição muito especial, como o 4º maior produtor mundial e um dos principais mercados consumidores.
Ainda que os grandes volumes, de produção e consumo, estejam nos Estados Unidos, não é estes país produtor exclusivo na América do Norte; afinal temos um importante volume de produção ao Sul, no México, além de vinhos de classe internacional, que receberão nossa atenção hoje, ao Norte, no Canadá.
Com mais de 12.000ha de vinhedos, o Canadá ainda é um produtor tímido no cenário global; basta citar que apenas o pequenino Napa Valley tem uma área de vinhedos superior. Mas o que deixa a mais notável impressão aqui é não o volume, mas sim a qualidade dos vinhos, já elevada e ainda em evolução.
As referências imediatas que se tem do Canadá são as de um país frio, com um vasto território gélido e inexplorado comercialmente, até por conta da real impossibilidade da agricultura comercial ter sucesso em temperaturas tão baixas. Mas mesmo essa característica tem sua importância no posicionamento dos vinhos canadenses no mercado, como veremos a seguir.
Ainda que a história do vinho no Canadá venha já desde os séculos XVII e XVIII, a moderna indústria do vinho tem seu início nos anos 1970 e passa a realmente crescer e organizar-se na década seguinte, após a assinatura dos primeiros acordos de livre comércio com os EUA. De lá para cá, ainda que com volumes de produção pequenos, o Canadá vem encontrando seu espaço, posicionando-se como um produtor de vinhos de clima frio, com grande sucesso com castas como a Pinot Noir a Riesling e a Chardonnay, além de ter como seu produto emblemático os vinhos doces feitos com uvas congeladas, os Icewines. Essa especialidade, comum na Alemanha e em outros países do Leste Europeu, encontra aqui condições ideais para sua produção com qualidade e constância, em função dos sempre rigorosos invernos do país, onde as temperaturas exigidas por lei para que as uvas congelem totalmente nos vinhedos, -8°C, são atingidas com relativa facilidade.
A uva mais utilizada na produção dos Icewines canadenses é a Vidal Blanc, hibrida, resistente ao frio e de maturação mais rápida, porém os melhores exemplares só aqueles produzidos a partir da Riesling. Também há cultivos expressivos de variedades hibridas para a produção de vinhos secos de mesa, inclusive com uma DO, Tidal Bay, em Nova Scotia, que deve ter seus vinhos brancos compostos majoritariamente de hibridas, sendo L’Acadie a principal delas.
São duas as províncias que produzem a imensa maioria dos vinhos, nas duas “pontas” do país; Ontario no Leste e British Columbia no Oeste.
A produção em British Columbia vem crescendo de forma consistente, com um aumento expressivo do número de vinícolas ali instaladas. As principais zonas de produção são o Okanagan Valley e o Simikameen Valley, cerca de 250km à Leste de Vancouver; aqui as chuvas que vem do Pacífico são bloqueadas por uma cadeia montanhosa e, no caso de Okanagan o profundo lago que da nome a zona ajuda na regulagem das temperaturas, permitindo uma melhor maturação, em alguns casos mesmo de uvas bordalesas, especialmente no sul da região, mais quente.
A principal região produtora do país, tanto em volume quanto em reconhecimento, ainda é Ontário, com mais de 80% dos seus vinhedos localizados na península do Niágara, de onde saem muitas dos mais reconhecidos rótulos nacionais. Há outras zonas de produção em Ontário, em Pelee Island, Lake Eire North Shore e Prince Edward County, mas é em Niágara que efetivamente a mágica acontece.
Os solos são formados por depósitos glaciais, do final da última Era do Gelo, com boa presença de calcário. A variedade de solos e estilos, bem como a prominência comercial da zona, levaram a sua subdivisão mais detalhada, com 12 sub apelações, algumas delas já reconhecidas pela qualidade de seus vinhos, como Beamsville Bench e Niagara Escarpment. Aqui, a grande massa de água do lago Ontario serve par mitigar os efeitos das frias massas de ar que vem do Ártico, enquanto que a diferença de temperaturas entre este e o lago Erie, mais ao Sul, fazem que sempre tenhamos ventos circulando, o que aumenta a proteção contra geadas e doenças fúngicas.
Chardonnay, Pinot Noir, Riesling e Gamay brilham aqui, mas mesmo castas como a Syrah tem dado bons resultados, além de varietais menos comuns internacionalmente, como Gewürztraminer e Pinot Gris. A província vizinha, de colonização francesa, o Québec, tem também sua viticultura, com cerca de 100 pequenas vinícolas, mas sem grandes volumes de produção.
O única selo “nacional” de qualidade, indicando eu a regulamentação e controles sobre a produção, é o VQA, Vintners Quality Alliance, que exige 100% de uvas canadenses nos vinhos, mas tem seus pormenores regulamentados de forma compartimentada, por cada uma das províncias.
Ainda no campo das bebidas, outros produtos nacionais canadenses também devem receber atenção do Escanção, sobretudo por sua qualidade, a saber, os whiskies, feitos em estilo macio e suave, além das cidras, amplamente produzidas e com elevada qualidade. Aliás, o grande sucesso do Icewine serviu de inspiração para a criação de um produto similar, a Ice Cider, produzida de forma semelhante, mas com maçãs congeladas, algo só possível no rigoroso inverno canadense, uma vez que ao contrário das uvas, que congelam já a partir dos -6°C, maçãs só vão congelar a partir de -25°C. Mas o esforço na produção compensa, com produtos deliciosamente doces e aromáticos, concentrados e equilibrados por brilhante acidez.


sexta-feira, 22 de maio de 2020

Tokaj - Revista Escanção


Hungria e os Vinhos de Tokaj
Neste espaço que já há muitas edições temos falado sobre países e regiões produtoras do Novo Mundo, voltamos agora à Europa; uma Europa de tradições seculares mas que permaneceu em segundo plano ao longo do séc. XX, voltando a receber a devida atenção e destaque após a queda do Muro de Berlim.
O centro de nossa conversa hoje é a tradicional região de Tokaj-Hegyalja, renomada pelos vinhos doces Tokaji ali produzidos, os mais antigos vinhos feitos a partir de uvas atingidas pela podridão nobre, pré-datando em um século os exemplares similares do Reno.
Porém, antes cabe um, importante, parêntese. A Hungria vai muito além do Tokaji! É um país produtor que merece toda nossa atenção, pela sua história, variedade e qualidade dos vinhos ali produzidos. A Hungria tem um sistema de DOCs, alinhado com a legislação da União Europeia, designado OEM, Oltalom alatt álló Eredt Megjelöléssel, com regiões demarcadas por todo o país, fazendo bom uso não apenas de castas internacionais ali bem aclimatadas, mas sobretudo de sua rica coleção de castas locais, como as tintas Kékfrankos e Kadarka ou as brancas Ezerjó e Leányka. Das muitas regiões demarcadas, cabe destacar como zonas de especial interesse Villány, no sul do país e de grande renome internacional, Sopron, praticamente uma continuação da região austríaca de Burgenland, e Eger, à meio caminho entre Budapeste e Tokaj, onde produz-se o tinto Bikavér (sangue de touro), com lendas de sua origem remontando ao séc. XVI.
Mas, ainda que a qualidade destes vinhos e de tantos outros seja superior, é inegável que o mais conhecido de todos os vinhos húngaros é, de fato, o Tokaji. Aqui já cabe a primeira distinção; Tokaj Wine Region é como eles se referem a região produtora, que fica dentro da região de Tokaj-Hegyalja, sendo a vila de Tokaj sua principal cidade, enquanto o vinho ali produzido é o Tokaji, com registros de sua produção desde o séc. XVII, com a primeira demarcação da região de produção feita em 1703, antecedendo ao Porto em mais de 50 anos, porém sem uma regulamentação das normas de produção, ponto no qual o pioneirismo cabe a Portugal.
Tokaj fica no Nordeste da Hungria, na fronteira com a Eslováquia, aliás, parte da região originalmente demarcada está em território eslovaco, sendo permitida também a produção de vinho Tokaji naquele país. As encostas dos montes Zemplén definem a geografia local, bem como tem crucial importância na composição dos solos, estes de origem vulcânica, de diferentes eras geológicas, conferindo variedade aos vinhedos locais. O Monte Kopasz, ao norte da vila de Tokaj, marca o relevo da região, com os vinhedos localizados principalmente em suas encostas, em um formato de V, com orientações sudeste-sul-sudoeste.
Além destes aspectos, outro ponto fundamental para a produção destes vinhos são os dois cursos d’água, o Bodrog (mais importante) e o Tisza, que convergem no sul da montanha. Daqui nascem as névoas matinais que recobrem os vinhedos no princípio do outono, fornecendo a umidade necessária ao desenvolvimento da botrytis. A principal uva da região é a Furmint, cerca de 70% dos vinhedos, valorizada por sua marcante acidez, além da casca fina, que a torna altamente suscetível a podridão nobre. Esta é complementada pela Hárslevelű e, em pequena quantidade, pela Moscatel, aqui chamada Sárgamuskotály, além de volumes muito pequenos das variedades locais Zeta, Kabar eKövérszőlő.
Sua rica história, com vinhos apreciados e procurados nas cortes europeias dos séculos XVIII e XIX, Tokaji foi um dos poucos, senão o único, vinho do Leste Europeu que manteve algum interesse demanda nos mercados ocidentais mesmo durante o período de influência soviética, porem não sem algum prejuízo, pois não havia então o mesmo cuidado e primor técnico destinado hoje a estes vinhos, sendo valorizado o volume em detrimento da qualidade (que foi bem baixa neste período), com vinhos produzidos em um estilo bem mais oxidativo e até mesmo fortificado, algo que jamais foi permitido mas, diz-se, era praticado em tempos de comunismo. A virada qualitativa vem a partir de 1989, quando a Hungria abre-se para investimentos externos e, devido a sua fama, Tokaj é a primeira região a atrair interesse, com a Royal Tokaj, à qual seguiram-se muitas outras que foram renovadas e/ou modernizadas, fosse com capital estrangeiro ou local, entre as quais podemos citar a Oremus (do grupo Vega Sicilia), Disznókő, do grupo francês AXA, e o produtor local István Szepsy.
Ainda que os vinhos doces sejam os mais famosos, vinhos secos também são produzidos aqui, aliás com enorme importância para a economia da região. Estes entram na categoria Szamorodni száraz, vinhos que tradicionalmente eram obtidos com cachos colhidos inteiros, sem distinção entre uvas saudáveis e botrytizadas, produzindo um mosto fermentado até o final, deixando muito pouco ou nenhum açúcar residual. Mas a grande estrela local são, de fato, os vinhos doces. Antes da safra 2013, utilizava-se uma classificação algo mais detalhada, com vinhos doces Late Harvest, nos quais a botrytis, ainda que usual, não era obrigatória, e com os vinhos doces Aszú, estes necessariamente com botrytis, sendo seu nível de doçura medido em puttonyos, de 3 a 6. Um puttonyo é um tradicional balde de madeira, que comporta entre 20 e 25kg de uvas Aszú, que seria adicionado a um gönci, barrica de 136/137 litros completada com vinho base seco, logo, quanto mais puttonyos, mais doce o vinho.
A partir de 2013 essa classificação deixou de ser utilizada, com o objetivo de simplificar a compreensão por parte do consumidor. Hoje temos os Tokaji Late Harvest e os Tokaji Aszú, sendo estes últimos obrigatoriamente botrytizados e com um açúcar residual mínimo equivalente ao que antes era um Tokaji 5 puttonyos. Mais simples e direto, não?
No topo, entre os mais raros e inebriantes vinhos doces do mundo, encontraremos o especialíssimo Tokaji Eszencia. Este é produzido unicamente com o mosto flor de uvas botrytizadas, com níveis elevadíssimos de doçura e acidez, o que faz que sua fermentação possa levar anos para chegar, quando muito, em um teor alcoólico por volta dos 5°. São vinhos que precisam ter um mínimo de 450g/l de açúcar residual, embora exemplares na casa dos 800g/l não sejam incomuns; vinhos para beber em pequenos goles, impressionando permanentemente a memória.
O caráter da botrytis é marcado nos vinhos de Tokaji como nos de Sauternes, mas estes têm, em geral maior acidez do que os franceses, o que os torna menos enjoativos e mais gastronômicos. Essa característica é partilhada com os Trockenbeerenauslese alemães, com a vantagem de que a produção de Tokaji e mais estável, permitindo que estes tenham preços mais acessíveis que aqueles. Por isso, Tokaji ocupa uma posição privilegiada entre os principais clássicos obtidos a partir da podridão nobre, merecendo integrar sempre a seleção do escanção moderno.

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Uruguai - Revista Escanção


Uruguai, Pequeno Gigante         
O Uruguai não é, nem de longe, nosso primeiro pensamento quando se trata de importantes nações vitivinícolas. Especialmente a partir de uma visão da Europa continental, onde raras serão as oportunidades de contato com os produtos deste país.
Falamos aqui de um país de pequenas dimensões, mesmo para os padrões europeus, com uma população de 3,4 milhões de pessoas e 12,3 milhões de cabeças de gado! Isso mesmo, 4 cabeças de gado para cada habitante. A pecuária é indubitavelmente a grande vocação nacional, com a produção de algumas das melhores carnes do mundo, mas os vinhos vêm a cada dia ganhando mais espaço nas melhores adegas e mesas mundo afora.
A área total de vinhedos é ainda modesta, com cerca de 7.000ha, menos do que algumas vinícolas individuais dos vizinhos Chile e Argentina, fornecendo uvas para cerca de 200 vinícolas. Com a posse da terra nas mãos de mais de 1750 pequenos proprietários, a média das propriedades é de cerca de 5ha.
A história do vinho no Uruguai é relativamente recente, mesmo quando comparado com outros países do Novo Mundo, que iniciam sua caminhada nos séculos XVI e XVII; a produção em maior quantidade só tem início na década de 1870, período em que uma leva de imigrantes italianos e bascos abraçam a vitivinicultura como atividade econômica. É justamente nesta década que o basco Pascal Harriague, originário do sudoeste francês, introduzo no país a casta Tannat, que saída do Madiran, tornou-se hoje a casta emblemática em terras cisplatinas, em função de sua perfeita adaptação ao clima e solos locais. Aliás, Harriague é um sinônimo local da Tannat.
O clima do país é muito diferente dos outros grandes produtores sul-americanos, Argentina e Chile, que tem climas muito mais secos, marcados também pela altitude e pela proximidade de suas zonas produtoras com a Cordilheira dos Andes.
Aqui temos uma forte influência do Oceano Atlântico, gerando condições mesoclimáticas usualmente comparadas àquelas de Bordeaux, ainda que os índices pluviométricos e as temperaturas sejam maiores. Com metade da população concentrada na capital, Montevidéu, as margens do rio de la Plata, no sul do país, as plantações acabam também concentradas no sul, especialmente nos departamentos de Canelones, San José e Colonia, onde predominam os solos argilo calcáreos profundos, porém novas áreas de produção vem sendo mais e mais exploradas, nos solos graníticos dos arredores de Punta del Este, ou nos solos pobres e secos de Cerro Chapeu, na fronteira com o Brasil ao Norte.
Hoje, 16 dos 19 departamentos que compõem o Uruguai tem produção de vinhos, com uma atenção cada vez maior das vinícolas as sutilezas e distinções entre os seus diversos terroirs.
Ainda que o grande símbolo dos vinhos uruguaios seja a Tannat (49% de todos os tintos), encontramos aqui uma indústria dinâmica e inovadora, com variedades tão distintas como a Alvarinho, Marselan ou a Zinfandel ao lado de outras clássicas, como Chardonnay, Merlot, Sauvignon Blanc, Cabernet Franc e Cabernet Sauvignon, produzindo vinhos com boa tipicidade, sempre marcados pelo excelente equilíbrio entre os níveis de álcool e acidez, proporcionado pelo clima ameno e pelas marcadas amplitudes térmicas durante a maturação das uvas. Novos vinhedos e novas castas são plantadas a cada dia, o que só busca ampliar a oferta de vinhos deliciosos e inovadores.
Os principais mercados dos vinhos uruguaios são o Brasil e os Estados Unidos, o que evidentemente diminui a oferta destes vinhos na Europa, mas são vinhos de caráter e qualidade, que devem ser mais bem compreendidos e saboreados, como expoentes da produção do Novo Mundo que são.

segunda-feira, 30 de março de 2020

Tasmânia - Revista Escanção


Neste mês, optamos por abordar um dos grandes produtores mundiais, a saber, a Austrália. Dos mais destacados produtores do Novo Mundo, A Austrália tem uma posição de destaque nos principais mercados globais e o conhecimento de seus principais vinhos e regiões são fundamentais na formação do escanção moderno.
Justamente por conta desta importância e, mais ainda, justamente por conta da grande variedade de vinhos e terroirs que encontramos naquele país, é que optamos por um caminho menos convencional, abordando uma das menores regiões produtores, porém de elevado potencial qualitativo, ao ponto de suas uvas gozarem de alta demanda no mercado local. Falaremos hoje da Tasmânia.
A Tasmânia é uma ilha, logo ao sul da Austrália, e um dos estados que compõem aquele país. Sua história vitivinícola começa no século XIX, mas apenas nas últimas décadas a produção local alcançou destaque. Em um país com clima predominantemente quente, os vinhedos da Tasmânia, alguns deles tão ao Sul quanto os da ilha Sul da Nova Zelândia, constituem-se na amis promissora zona de produção de clima frio. Com a tradição e legislação australianas, que permitem a elaboração de blends inter-regionais, já de muito tempo grandes nomes da viticultura australiana, como Hardy’s, Yalumba, Penfold’s, entre outros, recorrem aos vinhedos da ilha em busca de nervo e frescor para seus bons brancos e espumantes, levando uvas, mosto e vinhos base dali para vinificação em suas unidades centrais.
Mesmo com o crescente interesse que os vinhos dali despertam, a área total plantada esta apenas por volta dos 2.000ha, número pequeno para os padrões australianos, em uma região que representa não mais que uma pequena fração da produção nacional. A paisagem local é marcada pelas formações montanhosas locais, nas encostas das quais ficam as principais áreas de produção, em solos de arenito rochosos, solos sedimentares de origem aluvial e coluvial, além de solos vulcânicos. O clima é predominantemente fresco, regulado pelos ventos que vem do Sul, contando com a proteção das montanhas para que as temperaturas não caiam em demasia. Algumas zonas amis próximas ao mar precisam mesmo contar com redes e telas de proteção contra ventos mais intensos. Esse clima mais fresco, com importante suscetibilidade à granizo e geadas, faz com que a Tasmânia tenha uma variação de safra para safra importante, compatível com regiões clássicas do Velho Mundo.
A grande estrela da produção local são os espumantes, produzidos em grande parte pelo método clássico e reconhecidos entre os melhores da Austrália, representando cerca de 35% da produção local. Isso reflete também nas castas ali plantadas, ocupando a primeira posição a Pinot Noir, com 41% dos vinhedos (e 45% utilizados na produção de espumantes), seguida da Chardonnay, com 18% da área plantada, sendo 76% desta produção destinada a espumantes. Estas são complementadas por Sauvignon Blanc, Pinot Gris, Riesling, entre outras.
A alta qualidade é foco, o que pode ser verificado pelo valor médio das garrafas exportadas. 100% da produção está acima dos 15AUS$, contra apenas 7% da produção do país como um todo. Esse mesmo reconhecimento existe em relação a qualidade das uvas ali plantadas, que alcançam um preço médio de quase 3.000 AUS$ por tonelada, contra uma média nacional de pouco mais de 600 AUS$.
Dentro o sistema de classificação regional australianos, as zonas de produção são chamadas de GIs, Geographical Indications. Essa indicação não traz consigo nenhuma especificidade maior do que o reconhecimento que os vinhos vêm de uma área geográfica específica, sendo que muitas destas GIs sequer tem aspectos muito distintivos em seu terroir. Esse explicação vem pelo fato de que, até o momento, a Tasmânia não tem GIs oficialmente reconhecidas, sendo seus vinhos rotulados apenas com a indicação “Tasmânia”; no entanto, conta a ilha com 7 subzonas de produção, 3 delas no Norte e 4 no Sul.
Temos no Norte a principal delas, Tamar Valley (31% da produção) e ainda Piper River (17% da produção) e North West (2% da produção). No Sul, encontramos as zonas de Coal River Valley (22% da produção), East Coast (20% da produção), Derwent Valley (7% da produção) e a pequena zona de Huon Valley, com o d’Entrecasteaux Channel (1% da produção). Embora entre o Sul da ilha e a Antártida não haja nenhuma barreira, os vinhedos são ligeiramente amis quentes que os do Norte, sobretudo por conta da localização dos mesmos, aninhados entre as montanhas que os protegem do frio.
Como já mencionamos no início deste artigo, é fundamental ao escanção moderno uma adequada compreensão dos vinhos australianos. Porém dentro deste contexto e ainda extrapolando para uma visão meramente hedonista, é nossa recomendação que os vinhos da Tasmânia ocupem uma posição especial nesse processo de aprendizado.


terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Argentina - Revista Escanção


O mais importante produtor da América Latina, além de um dos mais dinâmicos países produtores nas últimas décadas, a Argentina nem sempre recebe a devida atenção na análise e compreensão de seus vinhos. Uma indústria por muito tempo focada no volume, além de exportações com grande foco em poucas uvas (especialmente a Malbec) e limitada divulgação do variado terroir local são pontos que precisam sem vencidos na melhor divulgação e entendimento dos vinhos argentinos.

Afinal, falamos de um país de grandes dimensões territoriais, o 8º maior do mundo, assim como um dos maiores produtores globais, com um total de mais de 200.000ha de vinhedos e uma cultura vitivinícola profundamente arraigada, ainda que o consumo per capita tenha caído de quase 100 litros para cerca de 26 litros, ao longo dos últimos 50 anos.

Como é o caso com tantas nações que foram colônias espanholas, a história da viticultura argentina começa no séc. XVI, com o trabalho de missionários e colonos; estes plantavam para seu consumo, enquanto aqueles levavam a viticultura à novas terras, sempre levando consigo videiras para a implantação de novos vinhedos, com o objetivo de produzir vinho para a Eucaristia.

Ainda que vinhedos tenham sido cultivados nestes primeiros anos próximos à costa Atlântica, às margens do rio De La Plata, desde muito cedo os melhores resultados foram os obtidos nos vinhedos aos pés dos Andes, estes iniciados por expedições vindas do Chile e do Peru e é aqui que a indústria do país se estabeleceu.

A viticultura do país está dividida em 4 macrorregiões, que encontramos no mapa, à saber:

                - Norte: com as províncias de Jujuy, Salta, Catamarca e Tucumán

                - Cuyo: com as províncias de La Rioja, San Juan e Mendoza

                - Patagônia: com as províncias de La Pampa, Neuquén, Rio Negro e Chubut

                - Atlântica: com a província de Buenos Aires

As três primeiras, que compreendes justamente os vinhedos mais próximos aos Andes e distantes do oceano, respondem por 99% da produção. O grande esforço argentino vem concentrado na busca incessante por melhor entender e compreender os distintos terroirs do país, com a demarcação cada vez mais precisa de regiões e sub-regiões, levando em conta aspectos orográficos, muito mais do que fronteiras políticas. A expansão dos vinhedos, buscando as altitudes do Norte, as baixas temperaturas do Sul e as brisas marítimas do Leste mudaram o mapa do vinho argentino, ainda que 95% da produção permaneça na região de Cuyo.

Particularmente a província de Mendoza, com seus mais de 150.000ha de vinhedos, 75% do total nacional, ainda que conte com diversas razões históricas que justificam seu papel como coração da vitivinicultura do país, tem inegável vocação à produção de vinhos de alta qualidade, com clima e solo privilegiados, além do trabalho desempenhado por toda uma nova geração de enólogos e produtores, experimentando novas técnicas, novas castas, novas áreas de produção e muito mais.

Mendoza é dividida em cinco grandes sub-regiões, com suas características particulares: Valle de Uco, integrado pelos departamentos de Tunuyán, Tupungato e San Carlos; a Primera Zona, que compreende os departamentos de Luján de Cuyo e Maipú; e os oásis Norte (Lavalle e Las Heras), Leste (San Martín, Rivadavia, Junín, Santa Rosa e La Paz) e Sul (San Rafael, Malargüe e General Alvear).

Oásis Norte e Leste: Baixas altitudes, áreas de clima mais quente e foco em vinhos de entrada, de custo mais baixo, ainda que exemplares de grande qualidade sejam produzidos também, sobretudo com as castas Tempranillo e Bonarda

Primera Zona: Mais tradicional zona de alta qualidade de Mendoza, onde brilha a onipresente Malbec, logo ao sul da cidade, formada pelos departamentos de;

-          Luján de Cuyo: No alto vale de Mendoza, com altitudes de 800 a 1.100 metros e chuvas na casa de 190mm/ano Aqui foi estabelecida e primeira DOC da Argentina, em 1993 e é onde a maioria das mais tradicionais e renomadas bodegas estão sediadas, ainda que a maioria absoluta destas tenham também vinhedos em outras partes de Mendoza. Os principais distritos aqui são Las Compuertas, Vistalba (os dois de maior altitude), Agrelo, Perdriel, Ugarteche, Chacras de Coria e Mayor Drummond.

-          Maipú: Logo ao leste de Luján e também ao sul da cidade, é ligeiramente mais quente, devido a menor altitude. Contém os distritos de Cruz de Piedra, Barrancas, Russell, Coquimbito, Lunlunta, Fray Luis Beltrán e Maipú (assim como em Luján, temos um departamento e um distrito com o mesmo nome).

Oásis Sul: com os departamentos de San Rafael, Malargüe e General Alvear, é a zona mais ao Sul de Mendoza, onde as baixas altitudes são compensadas pela maior latitude, temperando o clima desta área focada em castas clássicas. Esta zona não goza de tão alta fama talvez devido a alta incidência de granizo ou a sua maior distância da cidade, mas produz vinhos de elevada qualidade.

Valle de Uco: A estrela em ascensão da Argentina, a região do país mais em voga no momento, composta pelos departamentos de Tupungato (com os distritos El Peral, Anchoris, La Arboleda, Tupungato e Gualtallary), Tunuyán (Vista Flores, Los Árboles, Los Sauces, Los Chacayes) e San Carlos (Altamira, La Consulta, Eugenio Bustos, El Cepillo), com altitudes de 1.000 a 1.600 metros. Seu clima mais frio, os solos muito pobres e de excelente drenagem, além das brisas que sopram constantemente são responsáveis pela alta sanidade das videiras, que entregam baixos rendimentos e vinhos encorpados, de alta acidez. Malbec, Chardonnay e Cabernet Franc são castas que tem se destacado.

Os modernos vinhos argentinos podem, e devem, fazer parte do repertório do bom escanção!


Chile - Revista Escanção


Chile, Estreito e Amplo

Inicialmente, pedimos licença aos leitores para retomar, parcialmente, um tema do qual já tratamos não há muito tempo, o Chile.

Porém, queremos hoje abordar novos pontos, justo aqueles de maior relevância na atual conjuntura da produção de vinhos naquele país. Vamos analisar um pouco a divisão regional do Chile e como esta tem recentemente evoluído para dar cada vez mais atenção ao terroir e os diversos aspectos que compõem este conceito.

Sendo o Chile um país estreito, com menos de 200km de Leste a Oeste em qualquer ponto, a partir da abertura do mercado às exportações, principalmente nos anos 90, as primeiras iniciativas na demarcação de regiões produtoras deram-se de Norte a Sul. Os, então, pouco mais de 1.000km de zona de produção, denominados Valle Central, foram subdivididos em grandes vales, que consideravam, em geral, os grandes rios de degelo, formados pelas águas que desciam da Cordilheira dos Andes rumo ao Pacífico. Daí vem os grandes vales, nomes que por muito tempos nos habituamos a encontras nas etiquetas chilenas, Maipo, Rapel (este subdividido em Cachapoal e Colchagua), Curicó e Maule.

Mas ainda neste período, começa a despontar uma nova percepção. Com um foco maior em qualidade, em detrimento do volume e do baixo custo, as plantações começam a afastar-se da planície central, de solo fértil aluvial, e começam a buscar as encostas dos Andes por um lado e a proximidade com o oceano pelo outro. É já neste momento que desponta a primeira região produtora em clima mais fresco, o Valle de Casablanca, aberto às influências costeiras, que passam então a ser levadas mais em conta pelos produtores locais.

Percebe-se, de forma particularmente intensa na década que se segue, que nas poucas dezenas de quilômetros entre o oceano e as montanhas encontram-se muitas e importantes variações em solo e microclimas, muito mais intensas e marcadas do que aquelas que se verificam em milhares de quilômetros de Norte a Sul, sendo as principais diferenças em relação as distintas influências climáticas e ao solo.

No aspecto geológico, o Chile é caracterizado, de Leste para Oeste, pelo relevo que vemos representado na figura 1. Próximo ao mar, após as planícies costeiras, temos uma cadeia montanhosa, de poucas centenas de metros, que é a Cordilheira da Costa, composta fundamentalmente por granitos, tendo-se formado entre 150 e 200 milhões de anos atrás. Estes solos são propícios a castas como a Sauvignon Blanc, a Chardonnay, a Pinot Noir e a Syrah. As montanhas protegem o interior dos frios ventos do Pacífico, de águas geladas pela corrente antártica de Humboldt, que banha todo o litoral, mas essa proteção não é absoluta, de forma que vinhedos em suas encostas recebem ainda algo destes ventos frescos.

À Leste, na fronteira com a Argentina, está a imponente Cordilheira dos Andes, com seus quase 7.000m de altitude no ponto mais alto e a eterna presença de neve em seus picos, dos quais vem as frescas brisas noturnas que refrescam os vinhedos mais abaixo. Aqui temos uma formação geológica mais jovem, de cerca de 80 milhões de anos, de origem vulcânica, composta fundamentalmente de basalto.

Ao centro, na planície central, temos solos de origem aluvial e coluvial, com distintos níveis de fertilidade, que permitem desde a produção de grandes volumes de vinhos simples e correto até a produção de alguns dos mais destacados vinhos do país.

Todas essas sutis diferenças, de solos, climas, altitude, humidade, influência dos ventos, do mar, insolação etc. levaram não a uma mudança, mas a uma evolução da demarcação normalmente utilizada. Além dos vales já demarcados, e das subzonas dentro deles, estas foram agrupadas em novas classificações, que levam em conta essas variações de Leste a Oeste. Os vinhedos mais próximos ao Pacífico, influenciados pelos frios ventos marinhos, podem acrescentar à sua identificação regional mais específica a indicação “Costa”; àqueles próximas da Cordilheira, adiciona-se a indicação “Andes” enquanto os vinhedos na área intermediária são designados “Entre Cordilleras”.

É fundamental destacar que tais diferenças são marcadas, não apenas comerciais. Em recente visita ao país pudemos fazer uma exploração detalhada que incluiu centenas de quilômetros rodados, mais de uma centena de vinhos degustados e horas e horas de explanações de enólogos e agrônomos, que nos apresentaram nos menores detalhes essa nova classificação.

O mapa mostra as áreas de cada designação, dentro de cada um dos vales tradicionalmente demarcados de Norte a Sul. O objetivo desta divisão é cada vez mais destacar as diferenças entre cada área, permitindo ao consumidor, no médio prazo, uma identificação clara de estilos a partir das áreas de origem dos vinhos. Como os tradicionais países produtores do Velho Mundo, o Chile tem também uma rica diversidade de terroirs. Cabe aos escanção moderno sua melhor compreensão bem como a busca pelo maior conhecimento para melhor comunicar ao cliente estas diferenças. Aliás, todo o detalhamento das subzonas de produção chilenas pode ser encontrado no sítio da Wines of Chile na internet.

Nova Zelândia - Revista Escanção


Nova Zelândia – Vinhos dos Confins da Terra

A Nova Zelândia produz vinhos de estilo ímpar e qualidade destacada, apesar de sua relativamente curta história vitivinícola.

Falamos de um país que teve seus primeiros vinhedos implantados logo após a fundação do país, no início do séc. XIX, e seu primeiro vinho produzido anos depois, pelo missionário James Busby, entusiasta e pai da vitivinicultura kiwi.

Por muito tempo o foco foi em vinhos simples, muitas vezes recorrendo a variedades híbridas, visando atender fundamentalmente o mercado de consumo local. A onda da mudança começa nos anos 1970, quando Malborough começa a destacar-se pela sua produção de vinhos premium baseados na casta Sauvignon Blanc.

Falamos aqui de um país de pequenas dimensões. Ainda que falemos de 1.600km de Norte a Sul, quase o triplo de Portugal, são menos de 5 milhões de habitantes espalhados por esse território, que respondem por menos de 1% da produção vitivinícola global.

Muitos são os fatores que contribuem para tal destaque. Trata-se de uma nação que, justamente por seu isolamento geográfico e pequena população, foca sobretudo em vinhos de alta qualidade, afinal, não são baixos os custos de produção quando tem-se escassez de mão de obra.

Porém fatores geográficos também favorecem a produção de vinhos de elevada qualidade. Embora tenhamos climas que vão do subtropical no norte até o fresco clima montanhoso do sul, onde estão os vinhedos mais meridionais em todo o mundo, um fator comum à todas as zonas produtoras é o natural frescor de seus vinhos, proporcionado pela proximidade do oceano, nunca a mais do que 130km de distância de qualquer ponto do país.

Dividida entre duas grandes ilhas, Norte e Sul, com produção em toda sua extensão territorial praticamente, a Nova Zelândia tem mais de 60% de seus vinhedos na região de Malborough, no Norte da ilha Sul, seguida de Hawkes Bay, na ilha Norte, e Central Otago, no extremo Sul. A casta mais cultivada, grande símbolo nacional, é a Sauvignon Blanc, com mais de 21.000 ha plantados, mais de 50% da área total, seguida da tinta Pinot Noir e da Chardonnay.

Outro fator de importante destaque aqui é a constante preocupação com a questão ambiental; 98% dos vinhedos são certificados como sustentáveis e o país caminha a passos largos para atingir a ousada meta de contar com 20% de seus vinhedos certificados como orgânicos até o ano que vem, característica muito valorizada hoje em dia por consumidores e profissionais. Temos ainda uma preocupação a atenção constantes com a inovação, sempre introduzindo as mais modernas técnicas e equipamentos na vitivinicultura, usualmente na vanguarda deste setor, mesmo nas embalagens, campo no qual podemos destacar a importância do screwcap, presente como vedação de mais de 90% dos vinhos.

O típico Sauvignon Blanc neozelandês é um branco fresco, de acidez vibrante, marcados aromas citrinos e à frutos tropicais, além de evidentes notas vegetais, tão ligadas à casta, evocando espargos e relva recém cortada. Com médio corpo e boa persistência, oferecem excelente alternativa para harmonização com frutos do mar e peixes brancos, ou ainda acepipes como os pastéis e pataniscas de bacalhau.

Já os Pinots da ilha, especialmente os de Central Otago, são tintos expressivos e frutados, com marcado frescor e a típica sedosidade de seus taninos, sempre interessantes em harmonizações com carnes suínas, aves como codornas, peru e pato, ou ainda com massas e risotos com cogumelos.

Por certo, uma nação que merece maior atenção de sommeliers mundo afora!

Alemanha - Revista Escanção


A Alemanha e Seus Vinhos

Já de muito tempo, os vinhos alemães são admirados e respeitados entre os melhores do mundo. Nos séculos XVII e XIX grandes vinhos do Rheingau alcançavam mesmo preços superiores aos dos mais famosos chateaux de Bordéus.

Falamos aqui de um dos principais países produtores da Europa, com uma tradição profundamente arraigada na produção de bons vinhos, desde de tempos Romanos. Mesmo com seu clima limítrofe, tendo a maior parte de suas zonas de produção localizadas entre as mais frescas do continente, a Alemanha sempre teve sucesso na produção de volumes expressivos de bons vinhos. O segredo, ao fim das contas, está na justa seleção das castas mais adequadas, cultivadas apenas nas melhores parcelas, com a melhor exposição e máxima insolação.

Grande parte das plantações alemãs estão em encostas, usualmente próximas às margens de rios, sendo os principais o Reno e o Mosel, mas com os rios Mainz, Neckar, Nahe e Ahr também desempenhando importante papel. As zonas próximas aos rios são usualmente mais íngremes, muitas vezes necessitando da construção de patamares e socalcos, semelhantes aos do Douro, mas essas massas d’água desempenham também agem mitigando as temperaturas mais extremas dos invernos e, em locais privilegiados, refletindo a luz do sol, favorecendo assim os processos fisiológicos das videiras.

Tais vinhedos são, obviamente, de mais complexo cultivo, o que aumenta o custo da produção e demanda, necessariamente, o foco em vinhos de qualidade superior, que permitam um equilíbrio de custos. Ainda assim, nos anos 1970 e 1980, com a consolidação do Flürbereinigung, reorganização e reestruturação dos vinhedos nacionais promovida pelo estado, houve um aumento na produção de vinhos de baixo custo que, de certa forma, prejudicaram a imagem internacional do vinho alemão.

A casta de maior importância em vinhedos alemães é a Riesling, vista como a rainha das castas brancas por tantos escanções pelo mundo. Porém, sendo uma casta exigente e de difícil cultivo, coube a Müller-Thurgau o papel de protagonista nesta época, em brancos indistintos e neutros, entre os quais os designados Liebfraumilch ganharam maior notoriedade; Brancos simples, adoçados com suco de uva clarificado, que inundaram prateleiras de mercados e adegas pelo mundo.

Já de mais de 20 anos vem a, por assim dizer, redescoberta da Alemanha com fonte de alguns dos mais complexos e apaixonantes vinhos. Mas a compreensão de tais vinhos não vem de forma simples e descompromissada, pois não são poucas as particularidades da legislação local, reforçadas pelas naturais dificuldades que nós, falantes da língua de Camões, encontramos com o idioma germânico.

A Alemanha conta hoje com 13 regiões demarcadas, algo como suas DOCs, chamadas abaugebiete (literalmente, áreas de cultivo). A legislação segue, grosso modo, o modela francês, hoje adotado em toda a União Europeia, com a base de sua pirâmide qualitativa formada pelos vinhos de mesa (Deutscher Wein), seguidos dos vinhos regionais (Landwein), vindo então os vinhos DOC, aqui divididos em duas categorias, tal qual na Itália. O primeiro nível são os Qualitätswein, vinhos de qualidade, que necessariamente devem ter origem em uma das áreas de produção designadas, com sua procedência informada no rótulo; logo acima vem os Prädikatswein, vinhos com predicados, predicados estes que dizem respeito ao nível de maturação das uvas utilizadas.

Embora não sejam poucas as críticas a esse sistema e aos problemas por ele criados, valorizando a maturação das uvas, sem especial atenção com a qualidade intrínseca da casta selecionada, é bem compreensível que um país tão frio de atenção ao grau de maturação e teor de açúcar de seus mostos. É também inegável que esse particular sistema tem lá seu charme, como um diferencial alemão em meio ao quase que uniforme sistema de denominações de origem adotado pelo continente.

Importante destaque aqui é que essa não é uma escala de doçura dos vinhos, mas sim dos mostos, medido em graus Öeschle, ainda que, usualmente, haja uma progressão dos níveis de açúcar residual. Dos menos aos mais doces, os tais predicados são:

Kabinett

Spätlese

Auslese

Beerenauslese

Eiswein (com exatamente os mesmos níveis do Beerenauslese)

Trockenbeerenauslese

Não são poucos os motivos para buscar conhecer melhor os vinhos alemães e, definitivamente, não são estas parcas linhas que oferecerão conhecimento sólido e completo sobre o tema. Mas, é nosso sincero desejo que possam nossas palavras despertar o mínimo interesse pelo tema, para que mais e mais escanções possam aprofundar seus conhecimentos e melhor conhecer os clássicos e modernos vinhos alemães.




Bélgica - Revista Escanção


Allez les Belges!

Às portas do próximo concurso Best World Sommelier ASI, que será realizado na Bélgica, em Antuérpia, há um natural aumento da curiosidade pelo país e seus produtos etílicos.

Nesta categoria, natural e comumente, colocaríamos as cervejas, já uma tradição de longa data e, de certa forma, a bebida nacional. Mas não só de cervejas vivem os belgas; produz-se aqui também vinhos!

Os vinhos belgas não são de todo uma grande novidade, que fique claro. Registros indicam o início da viticultura por volta do séc. XIX e sua manutenção, em dimensões significativas, até o séc. XVII e essa herança está presente nos nomes de ruas e vilas, como Vinalmont, Vignette, Wjingaard, entre outras.

 Mudanças climáticas ocorridas a época, além da melhora nos meios de transporte que facilitou o acesso aos vinhos de outros países, levaram a produção local a uma virtual interrupção. Interrupção está que durou até as últimas décadas do séc. XX, quando a produção foi retomada e 1960, com vinhedos plantados em Huy e Borgloon, respectivamente por Charles Legot e Jan Bellefroid. A partir daí também novas vinícolas inauguradas, e chegamos o momento atual.

Para os padrões belgas, uma nação relativamente pequena (menos de um terço do território Português) e de pouca tradição no moderno mundo do vinho, vai bem a indústria local. Falamos aqui de uma área total por volta dos 350ha de vinhas, dos quais dois terços localizados em Flandres e um terço na Valônia. Já desde os anos 70 não foram poucos os produtores que, ao selecionar as melhores castas para seus vinhedos, optaram por variedades híbridas, mais adaptadas ao clima limítrofe da Bélgica, com a híbridas Johanniter, Regent e Solaris figurando entras as 10 principais; porém, a principal casta local, ocupando quase mais de um terço dos vinhedos, é a Chardonnay, seguida das Pinots Noir e Gris. A Chardonnay é produzida tanto com ou sem o uso de madeira.

Sempre é importante lembrar que falamos aqui de um viticultura de clima frio, com vinhedos ao norte das mais frias regiões francesas e alemãs, logo, o estilo esperado dos vinhos será sempre vinhos leves e frescos, algo só reforçado pelas castas que ora mencionamos, ainda que haja pequenas áreas plantadas com castas como Cabernet Sauvignon, Tempranillo, Syrah e Nebbiolo, entre outras. Ainda assim, mais de 80% da produção é de vinhos brancos, tranquilos e espumantes.

A organização e crescimento da produção local levou, em 1997, a criação da primeira DOP belga, Hagelandse, à qual seguiram-se outras nove, sendo duas exclusivamente para a produção de espumantes, além de duas IGPs, Vlaamse e Jardins de Wallonie. A maior produção, em volume, vem da AOP Hagelandse, seguida da AOP Côtes de Sambre et Meuse. As regiões demarcadas todas são:

- AOP Hagelandse wijn

- AOP Haspengouwse wijn

- AOP Heuvellandse wijn

- AOP Maasvallei Limburg

- AOP Vlaamse Mousserende Kwaliteitswijn

- AOP Côtes de Sambre et Meuse

- AOP Crémant de Wallonie

- AOP Vin mousseux de qualité de Wallonie

- IGP Vlaamse landwijn

 - IGP Vin de pays des Jardins de Wallonie

 A produção atual aproxima-se de 1 milhão de litros, sendo quase 370.000 litros DOP. O foco é na produção de qualidade, afinal, uma produção tão pequena, quando comparada a escala global, precisa calcar seu diferencial na qualidade daquilo que produz.

Mesmo com tal organização da indústria, ainda falamos de uma maioria de pequenas propriedades, com cerca de 75% dos produtores possuindo vinhedos de menos de 3ha e produzem menos de 5.000 litros; apenas cerca de 30 vinícolas poderiam ser consideradas realmente de escala comercial. Além de vinícolas comerciais, há também vinícolas comunitárias e sem fins lucrativos, criadas com o objetivo de recuperar antigos vinhedos históricos, ligados a abadias e castelos, e que normalmente direcionam seus lucros à manutenção da propriedade ou para obras de caridade.

Por fim, temos a disposição mais uma origem de bons vinhos, a ser explorada e compreendida pelo escanção contemporâneo.

Franciacorta - Revista Escanção


A primazia dos vinhos da Champagne, como a grande referência em espumantes de qualidade no mundo, é inquestionável! Não faltam, porém, produtos de elevada qualidade no mercado mundial, em função de desenvolvimento de novas regiões produtoras, como o sul da Grã-Bretanha, ou por conta dos novos conhecimentos e técnicas adquiridos por produtores do Novo Mundo. Há, no entanto, algumas poucas regiões com clima e solo adequados, e que já tem uma longa história na produção de espumantes de alto nível, que podem mesmo rivalizar, em qualidade, com os bons produtos franceses; Távora Varosa é um exemplo, em Portugal.

No caso da Itália, ao lado da zona de Trento, a Franciacorta ocupa tal posição, e é sobre os vinhos desta zona que falaremos. Reconhecida pela legislação italiana como uma DOCG, hoje, exclusivamente para espumantes, a Franciacorta produz vinhos com o mesmo método clássico da Champagne, e utilizando, principalmente, as castas Chardonnay e Pinot Noir, complementadas pela Pinot Bianco e, recentemente, por até 10% da casta local Erbamat.

Até aqui, nada muito diferente, mas o que coloca a Franciacorta no mesmo patamar de outras regiões clássicas já citadas é, em boa parte, o respeito ao terroir; trata-se de uma zona com características de solo e clima muito bem definidas e que, por conta disso, não tem alternativas que permitam sua expansão descontrolada. Hoje, a Franciacorta produz cerca de 17 milhões de garrafas ao ano, e as estimativas apontem que esse volume não pode ultrapassar os 21,5 milhões.

Com um clima subtropical alpino, que na Itália só é encontrado ali e no sul do lago de Garda, a região é limitada pelo anfiteatro de montanhas que circundam o lago Iseo, ao norte, pelas colinas de Monticelli Brusati, Ome e Gussago, ao oeste, pelo Monte Alto, no leste e, grosso modo, pela formação conhecida como Monte Orfano (monte órfão), ao sul, e essa limitação explicasse pela formação dos solos de origem morâinica da região.

Durante o fim da última era glacial, a dissolução dos glaciares que chegavam ao norte da Itália levou a formação dos lagos ali presentes (Iseo, Como, Garda, etc.), mas também ao deslocamento dos solos, que viriam a assentar-se nas planícies da Pianura Padana, ampla área plana na bacia do rio Pó. Porém, na Franciacorta, a presença do Monte Orfano, ao sul, de certa forma bloqueou o deslocamento desse solo, fazendo com que essa pequena área mantivesse características de solo diferenciadas, com textura arenosa e grande presença de pedras, além de matéria vulcânica e calcário, oferecendo condições ideais a produção das castas ali plantadas, com adequados níveis de acidez para a produção de espumantes de alta qualidade.

Outra semelhança com a região de Champagne é a grande fragmentação das propriedades, com volumes expressivos de compra de uvas pelos principais produtores da região. Grandes vinícolas, como Bellavista e Cá del Bosco, nascidas ali, além de gigantes de fora da zona que ali se instalaram, como a Antinori (Tenuta Montenisa), convivem com produtores menores, como Barone Pizzini e Le Cantorìe, na produção de espumantes que devem passar, no mínimo, 18 meses com as leveduras (até 60, no caso dos Riserva), exigência que colabora para a complexidade aromática, textura cremosa e fina mousse de seus vinhos. Como um adendo, bons vinhos tranquilos também são produzidos, hoje em dia com a DOC Curtefranca.

Trata-se, indubitavelmente, de uma zona a ser cuidadosamente explorada pelo escanção que busca alta qualidade, e variedade de origens, na composição de sua adega!

Áustria - Revista Escanção


No próximo mês de maio, durante uma semana, Viena, na Áustria, será a capital da sommellerie europeia, com os mais destacados profissionais do continente, e ainda da África do Sul, Marrocos e Ilhas Maurício, competindo pelo título de Melhor Sommelier da Europa, naquela que é a única capital europeia produtora de vinhos, com vinhedos dentro de sua zona urbana. Como toda competição, esta terá apenas um vencedor, mas será uma oportunidade única de aprendizado para seus participantes, que, ao final, sairão de lá todos premiados, com a aquisição de novos conhecimentos. Neste contexto, é salutar que também nossa atenção se dirija àquela nação, e que também nós que não estaremos em Viena aprofundemos nossos conhecimentos sobre os excelentes vinhos austríacos.

Com uma história milenar na vitivinicultura, a Áustria produz de forma organizada já desde os tempos Romanos, e chegou a ser o terceiro maior produtor mundial no pós-guerra. Em 1985, alguns produtores inescrupulosos foram descobertos adicionado anticongelante (diethyleno glicol) aos vinhos, para que os mesmos tivessem uma sensação de mais corpo e doçura; esse fato trouxe grande prejuízo a imagem dos vinhos da Áustria, mas a resposta do país foi exemplar, com a criação do mais rigoroso e estrito conjunto de regras vitivinícolas do continente.

Com seu clima continental fresco, e seu relevo variado, a Áustria oferece as condições ideias à produção de uma ampla gama de produto vínicos, e sua produção concentra-se no leste do país, nas zonas de Niederösterreich, Burgenland, Wien e Steiermark, sendo a primeira o centro da produção nacional. Contam ainda com o centro de pesquise de Klosterneuburg, criado em 1860, e responsável por grande parte do desenvolvimento enológico local, bem como pela criação de algumas de suas principais castas.

Cerca de 65% da produção é de brancos, e a principal casta é a local Grüner Veltliner, que produz brancos secos e frescos, com aromas à frutos e floras brancas, cítricos, e, nas melhores zonas, um marcado caráter especiado, com notas de pimenta branca evidentes. Os tintos também têm demonstrado destacada qualidade, sendo aqui e principal casta a local Zweigelt, que entrega vinhos com ótima tensão ácida, médio corpo para mais, taninos macios e, nos melhores exemplares, bom potencial de guarda. Entre as castas, o fato curioso fica por conta de terceira variedade tinta mais plantada no país, a Blauer Portuguieser (Portuguesa Azul), cuja origem foi considerada portuguesa durante muito tempo, por conta de uma estória local que dizia que se tratava da casta alentejana Moreto, trazida de lá nos idos do séc. XVIII; no entanto, pesquisas genéticas amis recentes dão conta de que se trata de uma casta autóctone austríaca, não ficando clara a origem da lenda de sua origem em Portugal.

Em linhas gerais, a legislação austríaca assemelha-se a alemã, apenas com exigências um pouco maiores no que se refere ao peso do mosto para o enquadramento nos diversos graus de doçura. Aliás, doçura aqui é um capítulo à parte! Com a produção de vinhos doces concentrada em Burgenland, em especial as margens do lago Neusierdlersee, na fronteira com Hungria. Aqui produz-se Trockenbeerenauslese desde, ao menos, 1526! Encontramos ainda especialidades locais, como o strohwein, produzido com uvas secas em esteiras de palha, e o Ruster Ausbruch, especialidade doce produzida na vila de Rust, próxima ao lago supracitado.

São, deverás, os mais variados os bons motivos para descobrir-se mais a fundo o vinho austríaco, e é de bom augúrio para a escancionaria europeia como um todo, e em particular a portuguesa, que a realização do vindouro concurso europeu crie essa janela de oportunidade para nossa natural curiosidade!

Brasil Vitivinicola - Revista Escanção


Consumo e produção de vinhos finos não são as primeiras imagens que vem à cabeça de um europeu quando o assunto é Brasil. No entanto, temos aqui uma história vitivinícola que remonta ao início do séc. XVI, logo após a chegada dos portugueses, e uma produção em franco crescimento qualitativo.

Apesar de nossos primeiros vinhedos terem sido plantados pelos portugueses, ainda em 1534, no litoral de São Paulo, foi apenas com o fluxo migratório de italianos, na segunda metade do séc. XIX, que a produção de vinhos cresceu significativamente aqui. Lamentavelmente, naquele momento, a opção acabou recaindo sobre as uvas de mesa, de mais fácil cultivo e maior produtividade, porém geradoras de vinhos de qualidade “duvidosa”, para dizer o mínimo. A partir da chegada de importantes multinacionais, na década de 1970 (Moët & Chandon e Almadén), teve início um ciclo virtuoso de valorização cada vez maior do uso de castas viníferas, que segue até os dias de hoje. Em tempos mais recentes, um novo, e salutar, ciclo, tem buscado novas regiões, onde os vinhos de qualidade possam ser produzidos. Historicamente, a produção brasileira concentra-se no estado do Rio Grande do Sul, mas vale lembrar que somos uma país de dimensões continentais, com um território maior do que toda a Europa, logo, é natural que haja (muitas) fronteiras vitivinícolas ainda inexploradas.

No próprio Rio Grande do Sul, onde a produção sempre esteve concentrada na úmida Serra Gaúcha, tem surgido vinhos de elevada qualidade na região da Campanha, zona mais quente e seca, na fronteira com o Uruguai, e com significativo potencial para a produção de tintos de classe e estrutura. No estado de Santa Catarina, tem crescido a produção nas zonas de altitude da Serra Catarinense, com bons resultados para castas tintas bordalesas, além de excelentes Sauvignon Blancs. No outro extremo climático, temos uma significativa produção no Vale do São Francisco, região próxima a linha do Equador, onde irrigação e modernas técnicas permitem a obtenção de duas e meia safras ao ano, com vinhos para o dia a dia de boa relação qualidade/preço.

Mas, talvez, a mais importante inovação, que tem permitido a expansão de nossas fronteiras, é o desenvolvimento da técnica de inversão do ciclo da poda, que força a parreira a entrar em dormência no nosso verão (quente e úmido) e desloca a produção para o inverno, quando temos condição climáticas mais adequadas, com boa amplitude térmica e poucas chuvas. Dessa forma, regiões nos estados de Minas Gerais e São Paulo tem apresentado vinhos de excelente qualidade, com castas como Syrah, Cabernet Franc, Chardonnay e Cabernet Sauvignon. A coroação destes esforços veio com o reconhecimento de um Syrah paulista, nos últimos dois anos, com uma medalha de ouro e outra de platina, na respeitada premiação da revista inglesa Decanter, além de um Chardonnay, de outro produtor de São Paulo, que se destacou em uma premiação nacional, superando seus pares da Serra Gaúcha.

Mas isso, ainda, não é tudo! Novos projetos, novos vinhos, e novas regiões, surgem diariamente, com experimentos e vinícolas comerciais em regiões como a Serra Fluminense (Rio de Janeiro), Chapada Diamantina (Bahia), Serra de Pirenópolis (Goiás), Serra da Mantiqueira (São Paulo) e o interior do Paraná, apenas como exemplos.

O fato, é que a viticultura brasileira se torna a cada dia mais diversa, e o natural espírito empreendedor de nosso povo, aliado ao desenvolvimento de novas técnicas, trazem bons augúrios de cada vez mais, e melhores, vinhos surgindo por aqui. Ainda mais um bom motivo para degustar, e visitar, o Brasil!

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