segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Você conhece a Zweigelt?

Ou a Blaufränkisch? Ou ainda a Samling? Pois estas são apenas duas castas que fazem parte da miríade de castas plantadas em solo austríaco. Pouco conhecidos por aqui (por enquanto...) os vinhos austríacos gozam de boa reputação internacional, devido a sua tipicidade, às suas castas únicas, e principalmente devido a sua elevada qualidade.
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O belo vale de Wachau, típica paisagem austríaca.
A Áustria tem um clima predominantemente continental, com invernos muito frios, mas verões muito quentes, além de boa variação de temperatura entre o dia e a noite no período de maturação das uvas, o que leva a produção de vinhos mais encorpados e secos, porém com a mesma rica acidez de seus vizinhos alemães. Aliás, a semelhanças com a Alemanha vão além do idioma. A legislação austríaca e bem semelhante à alemã, com nomenclaturas semelhantes para suas escalas de qualidade e doçura, porém, a legislação austríaca é, em geral, mais rigorosa do que a alemã. Esse rigor se explica por um triste fato, ocorrido em 1985, quando se descobriu uma significativa quantidade de vinho austríaco fraudado com a mistura de dietileno-glicol, substância inofensiva, porém proibida, que deixa uma sensação de mais corpo e doçura no vinho. Os esforços para apagar a mancha deixada por este escândalo foram muitos, e hoje se refletem na elevada qualidade do vinho austríaco.


Outra importante questão relativa ao clima, e que este favorece o manejo orgânico e/ou biodinâmico dos vinhedos, devido a pouca necessidade de intervenção agrícola. Isso se reflete no fato de que 10% de todos os vinhedos austríacos são orgânicos, fato sem paralelo no mundo do vinho, e cerca de 75% das vinícolas participam de programas de mínima intervenção, apoiados pelo governo e pela União Europeia.
Porém, o que mais chama mesmo a atenção é a grande variedade de uvas pouco conhecidas por aqui. A principal, respondendo por 36% dos vinhedos austríacos, é a branca Grüner Veltliner. Com tendência a produzir vinhos simples e descompromissados, nas mãos dos melhores produtores resulta em vinhos sedutores, de bom corpo, condimentados, e com algum potencial de guarda.
A Grüner Veltliner pode ser a mais importante, ao menos em voluma, mas não é a única. A Zweigelt, mencionada lá no título, é a tinta mais plantada, gerando vinhos de médio corpo, agradáveis e corretos, e até mesmo alguns de mais corpo e com algum potencial de guarda; como sempre, dependo da intenção e cuidado do produtor. A Zweigelt é resultado de um cruzamento de outras duas tintas muito importantes na Áustria; a Blaufränkisch, nome dado a Lemberger por lá, e a Sankt Laurent, outra tinta de grande importância, muito semelhante à Pinot Noir, que produz os melhores resultados em grandes tintos austríacos, gastronômicos e com potencial de guarda.
No campo dos vinhos doces, destaque para algumas castas da família das moscatéis, como a Gelber Muskateler (essa bem mais usada em vinhos secos, mas com o inconfundível toque aromático da Moscatel) e a Muskat Ottonel, além da Riesling, a mais utilizada em grandes vinhos doces, embora também produzida em belos estilos secos, a Furmint, típica dos vinhos de Tokaj, muito pouco plantada, mas de elevada qualidade, e a mencionada Samling, mais conhecida pelo nome de Scheurebe, um cruzamento alemão do início do séc. XX, que lembra em muitos pontos a Riesling, porém com um pouco mais de produção.
As oportunidades de conhecer um pouco melhor estes vinhos aqui no Brasil eram em geral um pouco esparsas, afinal, além do baixo interesse das importadoras, os vinhos, em grande parte leves e frescos, não caem de cara no gosto do consumidor médio brasileiro. Porém, de olho em um potencial nicho de mercado, um grupo de jovens empresários, com o apoio e endosso do Österreich Wein Marketing, órgão governamental responsável pela divulgação dos vinhos daquele país, iniciaram no Brasil as atividades da The Special Wineries, importadora focada apenas em vinhos austríacos, que trás ao mercado nacional mais de 70 rótulos, de 21 vinícolas.
Tive a oportunidade de provar alguns de seus vinhos em uma degustação realizada semana passada, no mais austríaco dos ambientes; o único restaurante austríaco de São Paulo, o Wolf’s Garten. Guiados pelos proprietários da TSW, Lucila e Maurício, pude provar, além dos deliciosos vinhos, algumas especialidades da culinária austríaca, cuidadosamente preparada pelo Chef Markus Wolf, conforme segue:
1 – Terrasen Reserve 2009
Começando pelo óbvio ululante, um Grüner Veltliner, do produtor Loimer, de Kamptal, ao noroeste de Viena. Biodinâmico, produzido a partir de parreiras de 15 a 30 anos e com 2 meses de madeira. Nariz delicado, com flores brancas e leve cítrico. Em boca, ótimo frescor, cremoso, alguma sapidez e um discretíssimo amargor, com média persistência. Típico e delicioso.
3D+
Harmonização – Acompanhou um creme de aspargos com aspargos salteados. Foi uma parceria bem feliz, apesar de o aspargo ser reconhecidamente um elemento difícil de harmonizar. Em geral, o Grüner Veltliner faz frente aos aspargos de modo bem satisfatório.


2 – Zobing 2009
Um Riesling do produtor Weingut Hirsch, também biodinâmico de Kamptal, e de vinhedos com mais de 30 anos. Mineral mais intenso, com algo de frutas amarelas e toques florais. Crocante, com marcada sapidez e média/longa persistência. Muito bom!
4D
Harmonização – Truta Grelhada com Purê de Raiz Forte. O vinho fez frente ao prato muito bem, e este trouxe mais brilho a deliciosa acidez do Riesling. Uma ótima parceria. Só uma observação, aqui testei também o Grüner Veltliner, que embora não traga tanta informação na combinação com o prato, também harmoniza muito bem, sem perder para o aroma marcado da raiz forte.


3 – Gelber Muskateller 2009
Produzido por Weinbau Wenzel, mais um produtor biodinâmico, mas desta vez de Burgenland, ao sul de Viena. Um vinho muito frutado, algo de uvas verdes, como o típico Moscatel, e ainda algo de lichias e um toque floral. Diferente do que sugere o nariz, bem seco, fresco e sápido, com média longa persistência, e algo de maçãs no retro olfato.
4D
Harmonização – Gnocchi de Abóbora com Raspas de Maçã Verde e Óleo de Semente de Abóbora Torrada. Ótima harmonização entre a textura macia e o corpo do vinho com a firmeza da massa. A refrescante acidez foi balanceada pelo toque oleoso e tostado do óleo de semente de abóbora, e as raspas de maçã trouxeram mais um discreto, porém importante, elemento de ligação no conjunto da harmonização.


4 – Juris Rosé 2009
Primeira versão da Sankt Laurent, num rosé biodinâmico de Burgenland, sério em suas intenções, sem perder o ar descontraído que lhe é peculiar. Muita fruta fresca, morango e cereja, aliado a um toque de pimenta branca. Boca fresca, leve e macia, com média/longa persistência.
3D+
Harmonização – Steak Tartar. Uma harmonização fenomenal!!! O Tartar do Chef Markus é, por si só, um show, temperado na medida certa, com a delicada textura do filet mignon picado na ponta da faca, e uma pontinha a mais de páprica que integra muito bem o conjunto. Mas a interação desse prato com o vinho rosé foi algo surpreendente, uma experiência de harmonização que qualquer amante do vinho tem que ter...


5 – Zweigelt Classic 2009
Também biodinâmico, também de Burgenland, produzido por Umathum. Com frutas negras frescas e algo de especiarias. Em boca, fresco, de leve a médio corpo, com alguma sapidez e toques tostados no retro olfato. Fino, com média persistência.
3D+
Harmonização – Aqui, uma especialidade tanto da cozinha austríaca como da húngara, o Goulash, consistente cozido, com uma boa dose de páprica (não a picante), que cai muito bem com um vinho com estas características.


6 – Kraxner 2008
Um Sankt Laurent biodinâmico da produtora Heidi Schrock, com fruta intensa, couro, especiarias, bom frescor, alguma adstringência e novamente especiarias. Corpo e persistência médios.
3D+
Harmonização – O mais do que clássico Wiener Schnietzel, um delicado escalope de carne suína empanado e frito em banha, de uma delicadeza e leveza inacreditáveis. Caiu como uma luva com o vinho.


7 – Leithaberg 2008
Um Bläufrankisch biodinâmico de Prieler, produzido naquele que é reconhecido como o melhor terroir para a Bläufrankisch na Áustria, o cru Leithaberg, que empresta seu nome ao vinho em questão. Complexo, mineral, com fruta intensa, cerejas e amoras, especiarias, algo de couro, bom frescor, macio, fino e longo.
4D+
Harmonização – Lombo de Cordeiro com Crosta e Polenta de Porcini. Delicioso, a textura delicada do cordeiro, além dos aromas peculiares do porcini, casam muito bem com o vinho.


8 – Eiswein 2003 Weingut Sonnenmulde
Um Eiswein biodinâmico produzido com a casta Samling, com 36 meses de barricas. Fruta amarela, mel, cera, abrindo para algo de cítrico e flores brancas. Ótima acidez, doçura intensa e equilibrada, com mais fruta no retro olfato, muito longo.
4D+
Harmonização – Além de um doce tradicional austríaco, que traz pedacinhos de bolo e frutas, foi servido com uma pequena porção de gorgonzola morno. Gostei mais com o queijo, perfeito.


A impressão geral da degustação foi bem positiva. Todos os vinhos apresentados tinham bom nível, o que demonstra a seriedade das intenções da The Special Wineries. Deixo minha recomendação para todos aqueles que queiram conhecer um pouco mais sobre os vinhos austríacos. E para quem quiser conhecer um pouco mais da comida, visite o Wolf’s Garten; palavra de gordo que vale a pena...
Espero que tenham gostado deste breve relato.
Dúvidas sobre o meus sistema de pontuação? Leia o post “Degustações e Pontuações”.
Grande abraço e até a próxima.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Setúbal – António Saramago e o Fim da Jornada

Como tudo o que é bom tem um fim, com esta viajem por Portugal não seria diferente... Depois de nossa visita a Quinta das Bagéiras, na Bairrada, rumamos de volta a Lisboa, para o último estágio de nossa jornada. No caminho, falaram alto o turismo e a religiosidade, e fizemos uma breve parada (50min) em Fátima, para conhecer o santuário, e chegamos a Lisboa já durante a noite.

Santuário de Nossa Senhora de Fátima
Lisboa...
No dia seguinte, meio período para conhecer a cidade, caçar um Queijo da Serra da Estrela, que ainda não tínhamos provado, e no fim da tarde, rumo sul, novamente para Setúbal, agora para uma visita e jantar na companhia do Mestre António Saramago. Já falei um pouco de António Saramago no post “Alentejo – Vinícolas Monte da Ravasqueira e Herdade dos Coelheiros”, mas ali estávamos provando os vinhos da Coelheiros, vinícola que, embora tenha a imagem de seus vinhos intimamente ligada a Saramago, não pertence a ele. Logo, conhecer a “casa” do mestre, e provar seus grandes vinhos in loco, seria uma oportunidade mais do que especial.

O delicioso Queijo da Serra da Estrela. E eu garanto que essa Coca Cola não é minha...
Coloquei o “casa” entre parênteses ali em cima por um motivo. Ao contrário do que muitos possam imaginar, a António Saramago Vinhos não possui cantina, e aliás, nem vinhedos!!! Pois é, ao longo de décadas atuando no mercado, Saramago cultivou uma preciosa rede de contatos na região de Setúbal, rede esta que permite a produção de grandes vinhos, verdadeiramente diferenciados, sem a necessidade nem de cantina, nem de vinhas. Saramago aluga um espaço ocioso dentro de outra vinícola, onde ele vinifica, matura, engarrafa e armazena seus vinhos, e compra as uvas de terceiros, mas apenas a melhor uva, dos melhores produtores, como seria de se esperar. Apenas no Alentejo, onde produz os já citados aqui Scancio Reserve e Private Selection, é que a António Saramago Vinhos possui vinhedos, mas não em sua região-sede, a Península de Setúbal.

Saramago no seu "habitat"
Em nossa breve visitas ao local de produção de seus vinhos, Saramago deu-nos a oportunidade de provar, ainda nas barricas, sua última criação, um Castelão topo de gama, que deverá ficar entre o seu ícone, o Dúvida, e o também Castelão António Saramago Reserva. Vem mais um grande vinho por aí, com muita concentração, mas desde já grande elegância em boca, com taninos muito finos. Os meses que ainda passará nas barricas lhe fará bem...

Não sei qual vinho vai sair daqui, mais eu sei que vai ser bom!
Seguimos, então, para nosso jantar de encerramento, na casa de Saramago, e na companhia de toda sua família, os filhos, Nuno e António, a nora Vânia, e, muito mais importante que o próprio António Saramago, a simpatia em pessoa, sua esposa, Dona Ausenda Saramago, um doce...

Em tão ilustres companhias, pudemos encerrar em grande estilo nossa jornada, com um jantar impecável, e a degustação dos demais vinhos do Mestre, conforme segue:

1 – Risco Branco 2009
Vinho regional, corte de Arinto e Fernão Pires, com nariz cítrico, leve floral e mineral. Em boca, sápido, fresco, de média persistência.
3D+

2 – Risco Tinto 2009
100% Castelão, com um belo tom rubi, nariz de frutos vermelhos frescos, e uma pontinha de tostado. Em boca, mais fruta, taninos macios, finos, bom frescor e equilíbrio, com média/longa persistência.
3D+

3 – Risco Reserva Tinto 2009
Corte de Alicante Bouschet, Castelão, Cabernet Sauvignon e Trincadeira, com frutos mais maduros, especiarias, discreto vegetal, macio, com muitos e finos taninos, e retro gosto a baunilha e tostado.
4D

4 – António Saramago Reserva 2009
Elegante corte de Castelão, Touriga Nacional e Alicante Bouschet, com notas balsâmicas, fruta em compota, terciário. Taninos finos e equilibrados, bom frescor, macio e longo. Um vinho de classe e estilo.
5D

5 – Dúvida 2005
Alentejano. Um grande vinho, eleito o melhor de Portugal em 2009, um corte de Aragonês, Trincadeira e Grand Noir, encorpado denso, com frutas negras, flores, especiarias, caramelo e cacau torrado. Em boca, fino, elegante, amplo e longo, muito longo.
5D

6 – JMS Moscatel de Setúbal Superior 1993
O “bombomzinho” de Saramago, vinho superior, do qual apenas 1000 meias garrafas foram produzidas, em homenagem ao pai do enólogo. Servido ao fim do jantar, como um brinde de encerramento, não só ao jantar, mas a toda nossa viagem. Um vinho que faz jus a sua raridade, muito complexo, com uma linda coloração âmbar, cascas de laranja, mel, frutas em compota, especiarias, notas oxidativas e balsâmicas. Em boca, cremoso, untuoso, intensamente doce, com excelente equilíbrio, garantido pela sua ótima acidez. Interminável e perfeito...
6D

Depois deste verdadeiro néctar, hotel, e no dia seguinte aeroporto, de volta ao Brasil. Ficaram só as saudades de Portugal, ...e os quilos acumulados...

Saudades de Portugal...
O premio pela vitória no Portugal Wine Expert São Paulo não poderia ter sido melhor. Esta viagem foi um aprendizado único, de valor inestimável. A ViniPortugal deixo meu sincero agradecimento, pelo apoio dado a esta iniciativa, que por certo contribuiu de forma decisiva em reforçar a imagem do vinho português no Brasil.

Isso tudo não seria possível também sem a iniciativa do Sommelier José Carlos Santanita, responsável pela organização, e sem a participação decisiva de sua empresa, a Wine Academy Portugal, que já tem um papel de destaque no enoturismo regional em Arraiolos, Alentejo, e tem desenvolvido no Brasil um trabalho muito significativo, voltado à formação de profissionais, e também a maior difusão da cultura do vinho entre leigos e connoisseurs. Para quem estiver a caminho de Portugal (ou já estiver por aí...) recomendo uma visita ao site da Wine Academy.

Deixo também meu agradecimento aos produtores que apoiaram esta ação, foi um grande prazer poder visitar tantas e tão variadas vinícolas, compondo um panorama mais amplo de tudo o que Portugal tem a oferecer-nos.

Bom, Portugal fica por aqui, ou pelo menos esta viagem. Nos próximos posts, voltamos a conversar sobre outros temas. Espero que vocês tenham gostado, e agradeço a todos que, de alguma forma, me acompanharam nesta jornada.

Dúvidas sobre o meu sistema de pontuação? Leia o post “Degustações e Pontuações”.

Grande abraço e até a próxima.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Setúbal – Herdade da Comporta

Para terminar, de volta ao começo...


Conforme eu havia dito lá atrás, começamos o giro pelo continente pela Península de Setúbal, ao sul de Lisboa, porém, como o encerramento foi ali também, deixei para abordar a região aqui no final.

A Península do Setúbal é composta pela região que se estende ao sul de Lisboa, do outro lado da foz do Tejo. Até recentemente, parte da região era denominada Terras do Sado, mas, assim como Ribatejo e Estremadura se tornaram, respectivamente, Tejo e Lisboa, Terras do Sado assumiu o nome da formação geográfica mais ao norte da região, a tal Península de Setúbal. O clima aqui é atlântico, com solos argilo-calcáreos, próximo a Serra da Arrábida, e arenosos nos vales.

A região tem duas DOCs; Setúbal, de onde vem o Moscatel de Setúbal, vinhos de sobremesa fortificado, de elevada qualidade quando bem feito, e Palmela, onde se obtém os melhores resultados com a casta tinta Castelão (também conhecida como Periquita). A região guarda algum pioneirismo na produção de vinhos mais modernos, com uso inclusive de castas internacionais, como no Quinta da Bacalhôa, um Cabernet Sauvignon entre os tintos portugueses mais conhecidos por aqui.

Começamos a explorar a região pela Herdade da Comporta. Localizada ao sul da Baía de Setúbal, trata-se de uma das maiores propriedades rurais contínuas de Portugal, com mais de 12.000ha, que incluem praias, aldeias, e grande plantações de arroz, principal cultura da Herdade. Neste cenário o vinho ocupa um pequeno espaço, com apenas 30 ha plantados, e planos de ampliação até, no máximo, 40 ha. As plantações estão em um pequeno vale, a poucos quilômetros de distância do mar, e são compostas principalmente das tintas Aragonez, Trincadeira, Alicante Bouschet e Touriga Franca, e, em menor quantidade, as brancas Antão Vaz e Arinto. O solo ali é arenoso, como na maior parte da região, porém composto de uma areia mais pesada, com características de drenagem e composição mineral diferenciadas.
Solos arenosos da Herdade da Comporta
Já a cantina, é moderna e bem cuidada. A área de recepção das uvas fica fora da cantina, e tubulações a ar puxam as uvas selecionadas, levando-as diretamente para as desengaçadeiras, e daí, por gravidade, para as cubas e lagares em inox, que contam com robôs para a pisa das uvas. Após a fermentação, com temperaturas controladas, os vinhos seguem para pipas de 500 litros, de carvalho francês e americano, ondem repousam ao som de canto gregoriano (mais marketing para turistas do que razões técnicas...).
Modernas instalações da cantina
Foto meio fora de foco da sala de barricas. Para a próxima viagem preciso providenciar uma máquina com tripé...

Os vinhos forma degustados durante um agradável almoço no restaurante regional Pinheiro Novo. A curiosidade fica por conta do proprietário do restaurante, um jovem brasileiro, concentrado em fazer uma comida regional sem firulas, mas precisa e bem-feita.
Restaurante Pinheiro Novo
Os vinhos degustados foram:

1 – Parus Branco 2009
100% Antão Vaz, agradável e equilibrado, com notas cítricos e abacaxi. Falta um pouquinho de acidez, mas por outro lado resulta num branco bem macio, de média/longa persistência.
3D+

2 – Parus Tinto 2008
Prioritariamente Alicante Bouschet (80%), com pequenas quantidades de Aragonez e Touriga Nacional. Fino e complexo, com toques contidos de madeira, como especiarias e tostados. Fruta madura, macio, de bom corpo e média/longa persistência.
3D+

Após uma breve parada na praia particular da Herdade (na qual nós não tivemos tempo de nadar...) seguimos nossa viagem, rumo a Évora, da qual já falei em outro post.
Uma visão do Paraíso... Fora do nosso alcance.
Uma curiosidade a respeito do nome Herdade, muito comum em propriedades rurais do Alentejo, e Quinta, muito comum no norte de Portugal. No norte, densamente povoado, as propriedades eram, em geral, pequenas e familiares, quase um quintal muito grande, vindo daí o nome quinta. Já no sul, mais árido e pouco povoado, quando a coroa portuguesa precisa de apoio para a guerra, oferecia aos que a apoiavam largas porções de terra, que seriam, a partir de então, hereditárias, passadas de uma geração para a outra, e daí o nome Herdade.

Mas, Herdades e Quintas a parte, nó próximo post encerro este giro por Portugal, com o jantar na casa do Mestre António Saramago.

Dúvidas sobre o meu sistema de pontuação? Leia o post “Degustações e Pontuações”.

Grande abraço e até lá.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Bairrada – Leitões e Quinta das Bágeiras

No caminho para Lisboa, eis a Bairrada, parada estratégica para o almoço, e como não poderia deixar de ser, bons vinhos. A Bairrada abrange praticamente todo o território das colinas que demarcam o limite do Dão até o Atlântico. É uma região de clima mais úmido que a média de outras regiões importantes, o que consequentemente trará dificuldades para a maturação das uvas e para o controle de pragas na vinha.


As castas símbolo aqui são a tinta Baga, e as brancas Bical e Maria Gomes (ou Fernão Pires). O solo é pesado, argiloso, o que resulta em vinhos mais encorpados. Isso somado ao toque rústico natural da Baga resultará em tintos estruturados e com potencial de guarda, muitas vezes até difíceis de degustar quando jovens. Nos dias de hoje, uma série de processos enológicos mais modernos tem resultado em vinhos mais macios e prontos, tendência esta iniciada por pioneiros como Luís Pato, que assumiu como missão a tarefa de “domar” a Baga, tornando-a uma uva mais comercial e acessível.

Entrada da Quinta da Bágeiras
Além dos bons vinhos tranquilos, a Bairrada também tem grande potencial para a produção de bons espumantes, em especial pelo método clássico, com a segunda fermentação em garrafa, e foi parte deste processo que pudemos conferir mais de perto na Quinta das Bágeiras.

A Bágeiras é uma vinícola relativamente pequena, familiar, que iniciou suas atividades no fim dos anos 80. O proprietário, Mário Sérgio Alves Nuno, participa de todo o processo, e é atento aos menores detalhes. A Bágeiras produz ótimos tintos e brancos, muito bons mesmo, mas é nos grandes espumantes que está sua grande vocação, vinhos complexos e longevos, cujas provas compartilharei a seguir.

Fomos recebidos primeiramente pelo Bernardo, um moçambicano autointitulado “pau-para-toda-colher”, que nos guiou em uma didática visita pelas caves da Bágeiras, mostrando na prática todo o processo de produção de espumantes pelo Método Clássico.
O "Pau-Para-Toda-Colher" Bernardo

As leveduras e a mágica da autólise
Está tudo lá, as pupitres, os vinhos antigos ainda sur lie, aproveitando-se das vantagens do processo de autólise, os equipamentos de dégorgement. A vinícola conta ainda com estoques de suas safras mais antigas, em especial o Colheita 1989, que ainda esta disponível na vinícola.
Pupitres
Reserva de safras antigas. Imagina se cai a última garrafinha la de baixo...
Além dos vinhos, a Bágeiras ainda produz, em pequenas quantidades, um delicado vinagre de vinho tinto, com vinhos base de Baga, que passa por um cuidadoso e longo processo de acetificação natural, por no mínimo 15 anos em barricas, além de dois destilados, uma bagaceira aromática e intensa, e um ótimo brandy, destilado pelo método charentais, e envelhecido por no mínimo dez anos antes do engarrafamento; macio e complexo.
Só para lembrar da "pequena" pressão de 6 atmosferas que se encontra dentro de uma garrafa de espumante.
Porém, a parte dos vinhos, o grande destaque ficou por conta do almoço. Após um entrada “levinha”, arroz de cabidela, que nada mais é do que um arroz cozido com os miúdos do porco, em seu sangue, degustamos (sim, esse é o termo que se aplica), o incomparável Leitãozinho da Bairrada, macio, com a carne desmanchando, pele clarinha e crocante, pouquíssima gordura e sabor e texturas delicados. O correto serviço do Leitão foi garantido pelo próprio Mário Sérgio, ele mesmo membro da Confraria do Leitão da Bairrada, que se dedica a manter inalterada a tradição que envolve esta iguaria regional. O ponto correto do assado, segundo a tradição, acontece quando é possível separar a cabeça do leitão do corpo utilizando a borda de um prato. Uma cena pitoresca, cuja foto, infelizmente vou ficar devendo acabaram as pilhas da máquina... Para quem não provou ainda esta iguaria, eu recomendo, vale a viagem.
Aqui nós comemos o Leitão. Depois desta foto, acabaram minhas pilhas...
Mas, de volta ao nosso tema central, vamos aos vinhos degustados na Quinta das Bágeiras:

1 – Espumante Brut Reserva 2009
Leve nota de fermentação, fruta branca e leve floral. Ótima mousse, grande frescor, discreto amargor e média longa persistência.
4D+

2 – Espumante Grande Reserva 2003
Mel, frutas secas, leve balsâmico. Excelente frescor, complexo e longo. Já com um pouco menos de gás.
4D+

3 – Espumante Colheita 1989
Um espetáculo, complexo, evoluído, cogumelos, frutas secas, etéreo, bom perlage, embora não muito intenso, cremoso, muito longo, quase um grande Champagne.
5D+

4 – Colheita Branco 2010
Corte de Maria Gomes, Bical e Cercial, com fruta amarela delicada, algo de floral, ótimo frescor, boca cítrica, macio e longo.
3D+

5 – Garrafeira Branco 2009
Corte de Maria Gomes e Bical, com notas marcadas de baunilha e fermento, por conta da fermentação em barricas. Fruta amarela mais madura, cera, bom frescor, fino, longo e harmônico, complexo.
4D+

6 – Reserva Tinto 2008
Corte de Baga e Touriga Nacional, com boa fruta, madura e limpa, algo de floral. Bom frescor, ótima adstringência, com taninos muito finos, longo e equilibrado.
4D+

7 – Garrafeira Tinto 2004
Um Baga maduro, balsâmico, com fruta em compota, estragão e alcaçuz. Grande frescor, finíssimo, longo, muita especiaria no retro olfato. Harmônico, um grande vinho.
5D

Ótimos vinhos, comida de cair o queixo, anfitriões simpáticos e acolhedores, tudo perfeito, um grande encerramento, não é? Pois é, mas ainda faltava um último jantar...

Dúvidas sobre o meu sistema de pontuação? Leia o post “Degustações e Pontuações”.

Grande abraço e até a próxima.

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