segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Você conhece a Zweigelt?

Ou a Blaufränkisch? Ou ainda a Samling? Pois estas são apenas duas castas que fazem parte da miríade de castas plantadas em solo austríaco. Pouco conhecidos por aqui (por enquanto...) os vinhos austríacos gozam de boa reputação internacional, devido a sua tipicidade, às suas castas únicas, e principalmente devido a sua elevada qualidade.
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O belo vale de Wachau, típica paisagem austríaca.
A Áustria tem um clima predominantemente continental, com invernos muito frios, mas verões muito quentes, além de boa variação de temperatura entre o dia e a noite no período de maturação das uvas, o que leva a produção de vinhos mais encorpados e secos, porém com a mesma rica acidez de seus vizinhos alemães. Aliás, a semelhanças com a Alemanha vão além do idioma. A legislação austríaca e bem semelhante à alemã, com nomenclaturas semelhantes para suas escalas de qualidade e doçura, porém, a legislação austríaca é, em geral, mais rigorosa do que a alemã. Esse rigor se explica por um triste fato, ocorrido em 1985, quando se descobriu uma significativa quantidade de vinho austríaco fraudado com a mistura de dietileno-glicol, substância inofensiva, porém proibida, que deixa uma sensação de mais corpo e doçura no vinho. Os esforços para apagar a mancha deixada por este escândalo foram muitos, e hoje se refletem na elevada qualidade do vinho austríaco.


Outra importante questão relativa ao clima, e que este favorece o manejo orgânico e/ou biodinâmico dos vinhedos, devido a pouca necessidade de intervenção agrícola. Isso se reflete no fato de que 10% de todos os vinhedos austríacos são orgânicos, fato sem paralelo no mundo do vinho, e cerca de 75% das vinícolas participam de programas de mínima intervenção, apoiados pelo governo e pela União Europeia.
Porém, o que mais chama mesmo a atenção é a grande variedade de uvas pouco conhecidas por aqui. A principal, respondendo por 36% dos vinhedos austríacos, é a branca Grüner Veltliner. Com tendência a produzir vinhos simples e descompromissados, nas mãos dos melhores produtores resulta em vinhos sedutores, de bom corpo, condimentados, e com algum potencial de guarda.
A Grüner Veltliner pode ser a mais importante, ao menos em voluma, mas não é a única. A Zweigelt, mencionada lá no título, é a tinta mais plantada, gerando vinhos de médio corpo, agradáveis e corretos, e até mesmo alguns de mais corpo e com algum potencial de guarda; como sempre, dependo da intenção e cuidado do produtor. A Zweigelt é resultado de um cruzamento de outras duas tintas muito importantes na Áustria; a Blaufränkisch, nome dado a Lemberger por lá, e a Sankt Laurent, outra tinta de grande importância, muito semelhante à Pinot Noir, que produz os melhores resultados em grandes tintos austríacos, gastronômicos e com potencial de guarda.
No campo dos vinhos doces, destaque para algumas castas da família das moscatéis, como a Gelber Muskateler (essa bem mais usada em vinhos secos, mas com o inconfundível toque aromático da Moscatel) e a Muskat Ottonel, além da Riesling, a mais utilizada em grandes vinhos doces, embora também produzida em belos estilos secos, a Furmint, típica dos vinhos de Tokaj, muito pouco plantada, mas de elevada qualidade, e a mencionada Samling, mais conhecida pelo nome de Scheurebe, um cruzamento alemão do início do séc. XX, que lembra em muitos pontos a Riesling, porém com um pouco mais de produção.
As oportunidades de conhecer um pouco melhor estes vinhos aqui no Brasil eram em geral um pouco esparsas, afinal, além do baixo interesse das importadoras, os vinhos, em grande parte leves e frescos, não caem de cara no gosto do consumidor médio brasileiro. Porém, de olho em um potencial nicho de mercado, um grupo de jovens empresários, com o apoio e endosso do Österreich Wein Marketing, órgão governamental responsável pela divulgação dos vinhos daquele país, iniciaram no Brasil as atividades da The Special Wineries, importadora focada apenas em vinhos austríacos, que trás ao mercado nacional mais de 70 rótulos, de 21 vinícolas.
Tive a oportunidade de provar alguns de seus vinhos em uma degustação realizada semana passada, no mais austríaco dos ambientes; o único restaurante austríaco de São Paulo, o Wolf’s Garten. Guiados pelos proprietários da TSW, Lucila e Maurício, pude provar, além dos deliciosos vinhos, algumas especialidades da culinária austríaca, cuidadosamente preparada pelo Chef Markus Wolf, conforme segue:
1 – Terrasen Reserve 2009
Começando pelo óbvio ululante, um Grüner Veltliner, do produtor Loimer, de Kamptal, ao noroeste de Viena. Biodinâmico, produzido a partir de parreiras de 15 a 30 anos e com 2 meses de madeira. Nariz delicado, com flores brancas e leve cítrico. Em boca, ótimo frescor, cremoso, alguma sapidez e um discretíssimo amargor, com média persistência. Típico e delicioso.
3D+
Harmonização – Acompanhou um creme de aspargos com aspargos salteados. Foi uma parceria bem feliz, apesar de o aspargo ser reconhecidamente um elemento difícil de harmonizar. Em geral, o Grüner Veltliner faz frente aos aspargos de modo bem satisfatório.


2 – Zobing 2009
Um Riesling do produtor Weingut Hirsch, também biodinâmico de Kamptal, e de vinhedos com mais de 30 anos. Mineral mais intenso, com algo de frutas amarelas e toques florais. Crocante, com marcada sapidez e média/longa persistência. Muito bom!
4D
Harmonização – Truta Grelhada com Purê de Raiz Forte. O vinho fez frente ao prato muito bem, e este trouxe mais brilho a deliciosa acidez do Riesling. Uma ótima parceria. Só uma observação, aqui testei também o Grüner Veltliner, que embora não traga tanta informação na combinação com o prato, também harmoniza muito bem, sem perder para o aroma marcado da raiz forte.


3 – Gelber Muskateller 2009
Produzido por Weinbau Wenzel, mais um produtor biodinâmico, mas desta vez de Burgenland, ao sul de Viena. Um vinho muito frutado, algo de uvas verdes, como o típico Moscatel, e ainda algo de lichias e um toque floral. Diferente do que sugere o nariz, bem seco, fresco e sápido, com média longa persistência, e algo de maçãs no retro olfato.
4D
Harmonização – Gnocchi de Abóbora com Raspas de Maçã Verde e Óleo de Semente de Abóbora Torrada. Ótima harmonização entre a textura macia e o corpo do vinho com a firmeza da massa. A refrescante acidez foi balanceada pelo toque oleoso e tostado do óleo de semente de abóbora, e as raspas de maçã trouxeram mais um discreto, porém importante, elemento de ligação no conjunto da harmonização.


4 – Juris Rosé 2009
Primeira versão da Sankt Laurent, num rosé biodinâmico de Burgenland, sério em suas intenções, sem perder o ar descontraído que lhe é peculiar. Muita fruta fresca, morango e cereja, aliado a um toque de pimenta branca. Boca fresca, leve e macia, com média/longa persistência.
3D+
Harmonização – Steak Tartar. Uma harmonização fenomenal!!! O Tartar do Chef Markus é, por si só, um show, temperado na medida certa, com a delicada textura do filet mignon picado na ponta da faca, e uma pontinha a mais de páprica que integra muito bem o conjunto. Mas a interação desse prato com o vinho rosé foi algo surpreendente, uma experiência de harmonização que qualquer amante do vinho tem que ter...


5 – Zweigelt Classic 2009
Também biodinâmico, também de Burgenland, produzido por Umathum. Com frutas negras frescas e algo de especiarias. Em boca, fresco, de leve a médio corpo, com alguma sapidez e toques tostados no retro olfato. Fino, com média persistência.
3D+
Harmonização – Aqui, uma especialidade tanto da cozinha austríaca como da húngara, o Goulash, consistente cozido, com uma boa dose de páprica (não a picante), que cai muito bem com um vinho com estas características.


6 – Kraxner 2008
Um Sankt Laurent biodinâmico da produtora Heidi Schrock, com fruta intensa, couro, especiarias, bom frescor, alguma adstringência e novamente especiarias. Corpo e persistência médios.
3D+
Harmonização – O mais do que clássico Wiener Schnietzel, um delicado escalope de carne suína empanado e frito em banha, de uma delicadeza e leveza inacreditáveis. Caiu como uma luva com o vinho.


7 – Leithaberg 2008
Um Bläufrankisch biodinâmico de Prieler, produzido naquele que é reconhecido como o melhor terroir para a Bläufrankisch na Áustria, o cru Leithaberg, que empresta seu nome ao vinho em questão. Complexo, mineral, com fruta intensa, cerejas e amoras, especiarias, algo de couro, bom frescor, macio, fino e longo.
4D+
Harmonização – Lombo de Cordeiro com Crosta e Polenta de Porcini. Delicioso, a textura delicada do cordeiro, além dos aromas peculiares do porcini, casam muito bem com o vinho.


8 – Eiswein 2003 Weingut Sonnenmulde
Um Eiswein biodinâmico produzido com a casta Samling, com 36 meses de barricas. Fruta amarela, mel, cera, abrindo para algo de cítrico e flores brancas. Ótima acidez, doçura intensa e equilibrada, com mais fruta no retro olfato, muito longo.
4D+
Harmonização – Além de um doce tradicional austríaco, que traz pedacinhos de bolo e frutas, foi servido com uma pequena porção de gorgonzola morno. Gostei mais com o queijo, perfeito.


A impressão geral da degustação foi bem positiva. Todos os vinhos apresentados tinham bom nível, o que demonstra a seriedade das intenções da The Special Wineries. Deixo minha recomendação para todos aqueles que queiram conhecer um pouco mais sobre os vinhos austríacos. E para quem quiser conhecer um pouco mais da comida, visite o Wolf’s Garten; palavra de gordo que vale a pena...
Espero que tenham gostado deste breve relato.
Dúvidas sobre o meus sistema de pontuação? Leia o post “Degustações e Pontuações”.
Grande abraço e até a próxima.

2 comentários:

  1. Caro Diego,
    A uva Blaufrankisch é uma uva autóctone da Áustria, e ao contrário do quanto exposto em sue texto (que ficou excelente) não é o nome dado a Pinot Noir.
    Blauburgunder é o nome alemão dado a Pinot Noir.

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  2. Paula, agradeço a observação. Foi um lapso, já corrigido. Blaufrankish é o nome que recebe na Áustria a Lemberger. Me confundi com os nomes.
    Grande Abraço
    Diego

    ResponderExcluir

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