quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Grécia - Escanção

 

Quando olhamos para o mundo do vinho atual, são três os pilares de sua construção; França, Itália e Grécia, esta última o nosso tema de hoje.

A base moderna do mundo do vinho é sem dúvida a França; as castas, técnicas, regras e muitos dos conceitos fundamentais nos quais produtores de todo o mundo se baseiam vem de lá, com grande influência mesmo em países de grande tradição, como Portugal e Itália. Justamente a Itália é a outra base, afinal coube ao Império Romano a difusão e a organização de vitivinicultura por toda a Europa Ocidental e bacia do Mediterrâneo; influência essa que só se perdeu devido ao esfacelamento do Império e permanência da Itália desunificada até 1861.

E por fim, a Grécia; responsáveis em boa parte pela introdução da cultura do vinho na própria Itália, berço da cultura e da filosofia ocidentais, os gregos têm uma rica história na produção de vinhos, história essa que permeia de tradições e peculiaridades sua vitivinicultura presente.

Sempre brinco em minhas aulas que uma discussão boa é colocar um italiano, um português e um grego trancados em uma sala, discutindo qual seria o país com maior número de castas autóctones. Ainda que a Itália seja a líder nesse quesito (desculpem amigos portugueses, mas é), Portugal e Grécia contam com uma invejável lista de uvas só suas, sendo que a lista grega tem crescido com a recuperação e redescoberta de novas e antigas variedades a cada dia.

Durante boa parte do séc. XX a Grécia ocupou uma posição periférica no continente, ora sob o domínio Otomano, ora envolvida em disputas políticas e militares internas. Em uma história que não é tão diferente da Portuguesa, o ponto de inflexão dos modernos vinhos gregos vem a partir do ingresso na União Europeia. É a partir desse momento que a Grécia passa a ter mais fácil acesso a novos mercados, além de verbas para modernizar sua indústria. Soma-se a isso um momento em que novos e dinâmicos profissionais retornam ao país depois de estudos e experiências profissionais em outras zonas produtoras.

Outro momento importante na modernização dos vinhos gregos acontece, curiosamente, por conta da grande crise financeira que assolou o país a partir de 2008. As enormes dificuldades levaram muitos dos produtores a perderem o mercado interno, até então seu foco. Essa dificuldade forçou um foco nos mercados externos, com a produção de vinhos que reúnem muito daquilo que encanta o amante de vinhos, foco, frescor, tipicidade e variedades únicas, quase obscuras, que contam uma história de outras terras e outros climas.

Sendo a Grécia um país montanhoso e de solos pobres, as poucas terras planas e férteis são destinadas naturalmente a culturas mais rentáveis, restando às videiras (e oliveiras) as encostas de solos pouco nutritivos. Ali variedades como a Xinomavro, Agiorgitiko, Roditis, Savatiano, Malagousia, Limnio, Mavrotragano, entre outras, produzem vinhos particulares.

Especialmente a Xinomavro é um destaque especial. No norte grego, na Macedônia, encontraremos as denominações de Náoussa e Gouménissa, onde esta casta, cujo nome significa “tinta ácida”, produzo vinhos de bom corpo e elevada acidez, por vezes de coloração algo pálida e com grande potencial de guarda, sendo muitas vezes descrita como a Nebbiolo grega; de fato, os melhores exemplares de Xinomavro apresentam longevidade invejável e, na maturidade, caráter aromático e gustativo em pé de igualdade com os melhores Barolos.

Aquele que é, talvez o mais emblemático vinho grego também tenha passado por uma renovação. O Retsina, branco aromatizado com resina de pinho de Aleppo, remonta aos tempos antigos, quando essa resina era utilizada para vendar ânforas e acabava por afetar o vinho. Os exemplares mais comerciais são de fato demasiadamente intensos e desiquilibrados, porém exemplares mais modernos e cuidadosamente elaborados trazem uma intensidade, frescor e salinidades muito particulares.

Salinidade que é uma assinatura de outro vinho branco grego muito, muito especial; os Assyrtikos de Santorini. Nesta ilha vulcânica do mar Egeu vamos encontrar algumas similaridades com uma DOC portuguesa em particular, Colares. Embora os vinhedos aqui não estejam em areias, também estão próximos ao mar e são conduzidos bem próximos ao solo. Aqui a condução forma pequenos “cestos”, que protegem as uvas dos intensos ventos que sopram constantemente, da mesma forma que ocorre em Colares. Os vinhos são minerais e cítricos, deliciosos e instigantes. Também se produz aqui um intenso e untuoso vinho doce, Vinsanto de Santorini, que tem a Assyrtico como sua casta principal.

Ainda caberiam muitas e muitas linhas apenas para introduzir, brevemente, uma fração da riqueza enológica da Grécia, com os saborosos Agiorgitikos do Peloponeso, os perfumados brancos de Malagousia, os frescos brancos tranquilos e espumantes de Debina, em Epirus, os muitos Muscats, doces e secos, do continente e das ilhas, os tintos fortificados da expressiva Mavrodaphne, ou ainda os muitos tintos e brancos de castas francesas, também cultivadas com sucesso em diferentes regiões, fora as castas obscuras e recém recuperadas, como a Sideritis, a Lagorthi, a Mavrostifo ou a Tinaktorogos, isso para citar apenas algumas poucas.

A mensagem central aqui é que a Grécia é um mundo por si só, com variedade e qualidade em todo seu território continental e ilhas, cheia de tesouros aguardando pelo degustador e pelo escanção mais atentos.

 

Alemanha em Tinto - Escanção

 

Há umas tantas edições atrás, utilizamos este espaço para introduzir os vinhos alemães, justificadamente entre os mais desejados por amantes do vinho em todo mundo, assim como queridinhos de escanções por todo canto.

O apelo do vinho alemão, sobretudo para o escanção, pode ser explicado em parte pela legislação alemão, muito particular e sempre uma pequena “diversão” na hora dos nossos estudos, além da forte presença da casta Riesling, rainha das brancas e preferida de tantos e tantos profissionais.

Mas hoje queremos direcionar nosso olhar para uma Alemanha de outras cores; vamos hoje falar de uma Alemanha em tinto. E não no geral, na produção nacional como um todo, mas de uma pequena e pitoresca região em particular, onde os vinhos tintos são maioria; o Ahr.

Nas últimas décadas, em função de mudanças climáticas e mudanças nas preferências do público, a produção de vinhos tintos cresceu em toda a Alemanha, passando de cerca de 11% na década de 1980 para algo por volta dos 33% nos dias de hoje, fenômeno semelhante ao ocorrido com a doçura, com uma migração dos vinhos doces ou adamados cada vez mais em direção aos secos. No entanto, falamos aqui de um fenômeno que abarca regiões como Pfalz, Baden e Württenberg, onde o clima vem permitindo cultivos maiores de variedades como Lemberger, Dornfelder e, claro, a Spätburgunder, nossa conhecida Pinot Noir.

Já no Ahr, PDO mais ao Norte do país, sempre reinaram as castas tintas, tendo a grande virada ocorrido substancialmente naquilo que se refere à qualidade dos vinhos ali produzidos. Hoje os tintos são mais de 80% da produção local e a produção de brancos segue em queda.

Localizada em um estreito vale formado pelo rio Ahr, que corre de Oeste para Leste, dos montes Eifel em direção ao rio Reno, essa região conta com temperaturas anormalmente quentes para uma latitude tão ao Norte, podendo contar com uma estação de cultivo de algo como 120 a 130 dias e temperaturas mediterrâneas que entram pelo mês de Outubro muitas vezes. Esse foi certamente um dos fatores que levou os romanos a instalarem-se aqui, fato corriqueiro em tantas e tantas regiões produtoras atuais da Europa onde Roma foi a responsável pelos primórdios da vitivinicultura.

Faltam no entanto indícios de que os Romanos cultivaram aqui a videira; as mais antigas menções a existência de vinhedos no vale do rio Ahr datam do ano 770 d.C. Apesar das dificuldades de produção na íngremes encostas do vale, o que ocasiona maiores custos produtivos, até bem pouco temo a produção local focava em tintos simples, frutados e até adocicados. Esse descompasso entre custo de produção e valor agregados dos produtos locais levou muitos produtores locais a imigrarem para a América no início do séc. XIX. Os que permaneceram foram responsáveis por fundar em 1868 a primeira cooperativa da Alemanha, com apenas 18 sócios então, chegando a 180 apenas 25 anos depois.

O cooperativismo ainda tem enorme importância na produção do Ahr, respondendo cerca de dois terços da produção local. Porém, foram pequenos e ousados produtores que mudaram a sorte dos vinhos locais quando, ainda na década de 1980, nomes como Deutzerhof, Jean Stodden e, principalmente, Meyer-Näkel, passaram a dar outro nível de atenção às uvas Pinot Noir que vinham de seus vinhedos, buscando pontos de maturação e técnicas de vinificação afinadas com as melhores práticas dos melhores vinhos da Bourgogne.

Os resultados não tardaram a chegar, colocando os vinhos do Ahr em posição de destaque rapidamente. Isso fui crucial para a sobrevivência de região como zona de produção de vinhos finos, pois afinal permitiu aos produtores locais maior foco na qualidade, com vinhos consequentemente de maior valor agregado, mais alinhados com as dificuldades e custos de produção inerentes à região; os melhores vinhos locais podem alcançar preços equivalentes aos de Premier Crus da Bourgogne, não devendo nada em qualidade para eles.

Cerca de 65% da produção local é da casta Spätburgunder/Pinot Noir, sem dúvidas a grande estrela local. Mas mesmo entre as tintas, o Ahr conta com seus pequenos segredos a serem descobertos, com especial destaque para uma casta que, ainda que representando apenas 6% dos vinhedos mostra aqui um ótimo potencial na produção de vinhos frescos, com um agradável toque herbal; falamos aqui da Frühburgunder, mutação de maturação precoce da Pinot Noir, conhecida na França como Pinot Madeleine. Apenas uma amostra do quanto há por se descobrir nos vinhos locais.

Evidentemente não poderíamos falar do Ahr sem citar as muitas notícias que vimos nos últimos meses na mídia e nas redes sociais, onde imagens tristes mostraram a grande destruição causada em vinhedos e vinícolas do Ahr pelas chuvas e inundações que ali ocorreram em Agosto. A safra 2021 no Ahr será virtualmente inexistente, sobretudos nos menores produtores, e o futuro da região permanece incerto, enquanto a estrutura local de tantos produtores afetados pela tragédia segue em reconstrução. O que é certo é que em breve grandes vinhos do Ahr voltarão a fluir das adegas locais.

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