sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Reino Unido - Escanção

 Reino Unido, da criação de tendências a produção

Não faltam referências no mundo do vinho que nos façam olhar para o Reino Unido, hoje como ao longo

do último milênio. Sendo hoje o mais maduro, evoluído e organizado mercado no mundo, o Reino Unido

já de muito tempo lança e cria tendências, apontando caminho e conduzido os meios de degustar,

sentir, entender e comprar vinho para o mundo todo.

O primeiro Bordeaux vendido pelo nome do Château foi ali, pelo proprietário do Haut-Brion, em sua

própria taverna; o método tradicional para produção de espumantes com a segunda fermentação em

garrafa foi, ao que tudo indica, desenvolvido lá, os grandes fortificados do mundo, Porto, Madeira,

Moscatel de Setúbal, Jerez e Marsala, foram ou incentivados ou criados pelos ingleses, as próprias

estruturas do mercado, como este se organiza, promove e comercializa o vinho, além das importantes

instituições de ensino ali fundadas, como a WSET e o IMW, que ao lado de muitos dos mais relevantes

autores, especialistas e jornalistas que difundem a cultura e o conhecimento do vinho. Por fim, junto da

França, indiscutivelmente a nação que mais influenciou e moldou o mundo do vinho como o

conhecemos.

Grande parte dessa influência foi construída ao longo de séculos, em que os diferentes reinos que hoje

compõem o Reino Unido eram prósperos e sedentos de bons vinhos, grandes consumidores, mas sem

condições objetivas de produzir, pois o clima frio e úmido constituía um obstáculo então intransponível.

Assim, desejando bons vinhos, os ingleses lançaram-se ao mar em busca de bons fornecedores e de

acordos comerciais vantajosos, que acabaram por constituir-se em importante motor da evolução de

regiões aqui já citadas.

Porém, o anseio natural de todo grande consumidor é produzir. Não faltaram iniciativas ao longo dos

séculos para a produção de vinhos britânicos e claro, não podemos nos esquecer, que durante uma

parte da Idade Média a Aquitânia, onde está Bordeaux, foi território britânico.

Mas com as dificuldades proporcionadas pelo clima, foi só com a maior evolução do conhecimento

sobre a vitivinicultura que surgiu uma produção efetivamente comercial no país. A primeira vinícola

comercial britânica dos tempos modernos foi fundada há relativamente pouco tempo, em 1952, quando

percebeu-se que castas como a Müller-Thurgau e a Seyval-Blanc tinha condições de amadurecer nas

condições climáticas então encontradas. Mas o tempo passou e as mudanças climáticas vieram, com

temperaturas médias em alta e alterações nos ciclos das chuvas globalmente, que tornaram a produção

de vinhos finos cada vez mais fácil em zonas onde antes isso seria impensável.

Aliado a isso, uma maior compreensão do terroir e da geologia do sul da Inglaterra, com zonas

específicas onde encontramos rigorosamente o mesmo solo da Champagne, incentivaram a plantação

dos primeiros vinhedos de Chardonnay e Pinot Noir pela Nyetimber, em 1988, produzindo a partir dos

primeiros anos da década de 1990 espumantes método clássico que fariam muito barulho no mercado,

sendo inclusive selecionados para as celebrações do Jubileu de Ouro do reinado de Elizabeth II.

O sucesso e a qualidade dos espumantes da Nyetimber apontaram o caminho, levando literalmente

centenas de produtores a apostarem nos espumantes. Hoje já são cerca de 3.000ha de vinhedos, com os

espumantes ocupando lugar de destaque, como o mais emblemático fruto da vitivinicultura britânica,

com vinhos em patamar qualitativo semelhante ao de grandes casas de Champagne, já com séculos de

tradição, fenômeno esse que levou inclusive empresas como Taittinger, Roederer e Pommery a


investirem ali, ainda que os custos de produção sejam um obstáculo, colocando os bons espumantes

britânicos em patamar de igualdade não só na qualidade mas também no preço dos bons Champagnes.

Em recente passagem por Londres, pude participar da feira anual da Wine GB, órgão responsável pela

promoção dos vinhos britânicos, assim comprovando a qualidade e evolução da produção local, hoje

entregando produtos bem interessantes e distintivos também entre os vinhos tranquilos. Ainda que as

castas hibridas de menor potencial qualitativo, como a Bacchus e a Siegerrebe, ainda tenham uma forte

presença, crescem os exemplares feitos com Chardonnay, Pinot Noir, Chasselas, entre outros, além do

desenvolvimento de competências técnicas que permitem a produção de vinhos muito interessantes

com castas como Solaris, Rondo e Acholon.

Produtores como Black Chalk, Gusborne, Simpsons, Exton Park e muitos outros tem apresentado

excelentes resultados, além de novas produções, de áreas ainda menos tradicionais, como o País de

Gales, onde Hebron Vineyards e Vale produzem tintos e brancos de muito boa qualidade.

Ainda que no momento pequena e focada no mercado doméstico, é questão de tempo para que os

vinhos do Reino Unido encontrem seu espaço no mercado global e tornem-se presença nas prateleiras e

cartas de vinhos pelo mundo. O que só reforça a necessidade de atualização constante do Escanção.

terça-feira, 9 de agosto de 2022

Ucrânia - Escanção

 Slava Ukraina!

Vinho e guerra são, infelizmente, assuntos que caminham lado a lado ao longo da história. Muitas vezes para o mal, mas não sem deixar efeitos positivos também. Vale lembrar que a difusão de um vitivinicultura mais organizada por toda Europa Ocidental se deu através do Império Romano e de sua necessidade de manter uma produção constante e confiável de vinho para o comércio mas também para a manutenção de suas legiões, nas quais a bebida fazia parte da ração diária dos soldados.

Batalhas foram travadas nos últimos dois milênios em diferentes áreas de produção, sendo talvez os mais recentes exemplos a Alsace, centro de disputas territoriais entre França e Alemanha nas duas Grandes Guerras, e a Champagne, importante campo de batalha durante o conflito de 1914 a 1918. E neste momento, ainda no início do séc. XXI, mais uma vez um conflito armado aflige parte da Europa, com a invasão da Ucrânia pelas tropas russas.

Esse não é um espaço para a discussão de política ou de suas implicações globais, econômicas e estratégicas, mas antes um espaço para falarmos do vinho e daquilo que o cerca. Neste momento, nossa escolha é falar dos vinhos da Ucrânia, partilhando a informação e permitindo a oportuna reconstrução da vitivinicultura ucraniana, com o evidente suporte daqueles que em última instância farão que os vinhos ali produzidos cheguem às taças, os escanções, de Portugal e tantos outros lugares.

Certamente que nosso primeiro pensamento ao falar em produtores de vinhos finos não é dirigido àquela região, porém a história do vinho na Ucrânia tem raízes antigas, com mais de 2500 anos de história. Em tempos mais recentes, foi no século XIX que importantes iniciativas para a produção de vinhos tiveram lugar, com a aristocracia da Rússia czarista buscando o calor da costa do Mar Negro para suas residências de verão. Já em 1822 foi estabelecida uma colônia de imigrantes suíços em Shabo, próximo a fronteira com Moldova, com o objetivo de aportar conhecimentos de vitivinicultura, mais ou menos ao mesmo tempo em que o Conde Mikhail Vorontsov construía sua vinícola e iniciava um instituto de pesquisa em Magarach, na Criméia (território ucraniano sob ocupação russa desde 2014).

Desde seu princípio, a vitivinicultura moderna na Ucrânia concentra-se nas áreas mais próximas ao Mar Negro, especialmente nas zonas de Odessa, Mykolaiv e Kherson. Proximidade com grandes massas de água é crucial aqui, para a regular as temperaturas e permitir calor o suficiente para a adequada maturação das uvas. O que não impede que haja também produção importante no interior do país, de modo especial em Zakarpattia, a apenas 60km de distância de Tokaj, na Hungria, onde a altitude desempenha o papel de moderador dos extremos climáticos.

Historicamente sempre houve uma atenção importante a produção de espumantes, que atendiam a demanda da corte do Czar e posteriormente da elite soviética, além de vinhos doces fortificados, que fizeram a fama de Massandra, vinícola de Criméia que é a mais renomada da Ucrânia, com garrafas antigas aparecendo com frequência em leilões mundo afora.

No entanto, é justamente nos vinhos secos tranquilos que a Ucrânia vem construindo uma sólida reputação, com uma “migração” para esses estilos fortemente acentuada após a ocupação da Criméia, o que permitiu às vinícolas ucranianas manter a ampliar sua penetração nos mercados local e internacional. Com uma ampla coleção de uvas internacionais, de grande popularidade, como Cabernet Sauvignon, Chardonnay, Riesling, Aligote, Rkatsiteli e Saperavi, também encontramos nos vinhedos ucranianos uma importante amostra de uvas autóctones e pouco conhecidas fora de suas fronteiras, como a Telti Kuyruk, a mais popular, além de Odessa Black, Sukholimansky, entre outras. Também encontraremos importantes volumes da casta não vinífera Isabel/Isabela, embora essa venha em declínio, sobretudo para a produção de vinhos.

Vinícolas com Shabo, Cotnar, Shustov, Kolonist, Koblevo, entre outras, além de Massandra, na Criméia, seguem em luta para preservar suas estruturas, vinhedos e vinhos, em meio as dificuldade de uma guerra brutal. Como tantos outrso desafios que a Ucrânia enfrentou em sua história, esse também há de ser superado, e as garrafas ucranianas encontrarão seu lugar nas adegas a garrafeiras pelo mundo.

No site ukr.wine você encontrará mais informações sobre a Ucrânia e seus vinhos, além de dados para você colaborar com o esforço de reconstrução ucraniano.


quarta-feira, 25 de maio de 2022

Victoria - Escanção

 Já há algumas tantas edições atrás, falamos aqui sobre uma importante região Australiana, de grande qualidade ainda que de pequeno volume, a ilha da Tasmânia. Um ponto que ali destacamos foi justamente e necessidade do Escanção moderno bem conhecer a Austrália e seus vinhos, que ocupam um espaço importante no mercado mundial, presentes nos principais mercados e nas mais importantes cartas de vinhos.

E tal conhecimento envolve a compreensão da variedade e qualidade do vinho australiano, que vai muito, mas muito além do duo Shiraz/Chardonnay encorpados e comerciais. Nunca é demais lembrar que falamos de um país de dimensões continentais, onde caberiam com sobra todos os países produtores da Europa. Logo, não devemos nunca esperar uma produção vitivinícola monocromática e monótona.

Devidos ao clima, no entanto, uma parte importante do território australiano não é adaptado à vitivinicultura, por conta de temperaturas elevadas e regimes de chuvas (em excesso ou em falta) inadequados. Salvo por uma pequena faixa de produção no sudoeste do país, próximo a cidade de Perth, a produção está toda concentrada no sudeste australiano, não grande indicação geográfica South Eastern Australia, que inclui os estados de South Australia, Queensland, New South Wales e Victoria.

Com o tema da diversidade e variedade vitivinícola da Austrália em mente, nosso tema de hoje é justamente o estado de Victoria, por tratar-se daquele que é reconhecido, nas palavras de Jancis Robinson, como o “mais interessante, mais dinâmico e certamente o mais variado dos estados australianos”, ainda que, entre os estados produtores, seja justamente o menor deles.

Pequenino, porém muito animado! O estado de Victoria tem condições de relevo e características geológicas que trazem uma enorme variação de terroir, com uma ampla variedade de vinhos em diferentes estilos e de diferentes uvas ali produzidos. Não à toa, no século XIX era a principal região produtora do país, posição que só foi perdida pela chegada da filoxera. Vale lembrar que naquela que é hoje a principal região produtora australiana, South Australia, a filoxera não chegou ainda, fator esse que deu uma enorme vantagem competitiva a região na virada do século XIX para o XX.

Em Victoria vamos encontrar regiões quentes e áridas no interior, onde a produção só é possível com irrigação, assim como áreas litorâneas permanentemente refrescadas pelas brisas marinhas, onde uvas adaptadas a climas mais frescos, como a Pinot Noir, apresentarão resultados de alta classe. Vamos de vinhedos em áreas planas próximas do nível do mar até encostas entre as mais altas do país, na região que tem os maiores índices de neve e importantes estações de esqui.

É dessa forma que vamos ter, então, uma grande variedade de vinhos aqui produzidos. É certo que teremos muitas e destintas versões da onipresente Syrah/Shiraz, desde os mais encorpados, maduros e comerciais, até versões de clima mais fresco, cheias de caráter e próximas ao estilo do Rhône Norte, mas teremos também especialidades como Rieslings de alto nível em Henty, castas italianas com grande sucesso em diferentes regiões, como King Valley, por exemplo, a Durif, produzindo tintos de mesa e fortificados em Rutherglen e Glenrowan, além da Pinot Noir, de grande sucesso nas áreas frescas nos arredores de Melbourne, Mornington Peninsula e Yarra Valley.

Aliás, estas duas últimas são os principais destaques de Victoria em termos de reconhecimento, em boa parte por estarem muito próximas de umas das maiores e mais cosmopolitas cidades do país, Melbourne. Mornington Peninsula, em particular, ao sul da cidade, tem grande influência marinha, com a baía de Port Phillip ao Norte e o Oceano ao Sul, fazendo dessa uma área que produz brancos e tintos de nervo, com marcado frescor, vinhos de leveza e equilíbrio que impressionam mesmo os mais céticos produtores de Bourgogne, usualmente convidados para a Pinot Noir Celebration, que ocorre aqui periodicamente. Sendo uma região pequena, a beira mar e muito próxima de um grande centro urbano, proliferam aqui vinícolas pequenas e quase artesanais, em propriedades muitas vezes pertencentes a moradores abastados de Melbourne.

Já o Yarra Valley, maior e com mais antiga tradição na produção, tem clima fresco e adequado a produção de brancos e tintos de rara elegância também, porém tem preços de terra mais em conta, além da presença de mais vinícolas de maior dimensão, sendo talvez a de maior destaque a unidade da Chandon Australia, ali produzindo espumantes variados mas também vinhos tranquilos de grande sucesso.

Por fim, uma especialidade da região, especialmente em Rutherglen, são os vinhos fortificados, doce, intensos, de longo envelhecimento. Por muito tempo, usando os nomes de tradicionais denominações europeias, como Port, Sherry e Tokay, hoje já abandonadas, são vinhos de elevada qualidade, feitos com apuro técnico. O mais reconhecido deles é justamente aquele que nunca “emprestou” o nome de outras zonas, o Muscat Rutherglen, vinhos intensos e doces feitos a partir da casta Moscatel de colheita tardia, longamente envelhecidos em estilo não tão distinto dos canteiros da Madeira. Informalmente conhecidos como “stickies”, devido a sua intensa doçura, teriam um estilo algo semelhante ao Moscatel de Setúbal, ainda que com suas particularidades locais.

Esse foi apenas um apanhado geral, do muito que há por aprender e degustar na encantadora Victoria.


quarta-feira, 23 de março de 2022

Japão - Escanção

 O Japão é uma nação muito particular. Seu hábitos e cultura, livros, séries, comida e tanto mais, hoje ocupam um espaço importante no imaginário popular e tem forte influência cultural em povos de todos os lados. Hoje consumimos cultura, comida e bebida japonesas, em grandes quantidades, diga-se de passagem.

Mas... e o vinho japonês?

Pois é, o Japão vai muito, muito além do Nihonshu (popularmente conhecido como Sakê), com uma rica e antiga produção vitivinícola, que data já de muito séculos, ainda que oscilando entre altos e baixos, por conta de diferentes correntes e opções políticas; vale citar, por exemplo, o período do Shogunato, quando senhores feudais controlavam o país e tudo o que vinha de fora, especialmente do então remotíssimo Ocidente, era visto como algo a ser evitado, incluso o vinho.

O Japão tem uma localização geográfica muito particular, exatamente entre a maior massa de água do planeta, o Pacífico, e a maior massa de terra, e Eurásia. Isso e outros fatores, fazem com que o clima local não seja exatamente convidativo à vitivinicultura, com frio intenso no inverno, chuvas torrenciais na primavera e a constante ameaça de tufões e tempestades. Some-se ainda a geologia local, com uma paisagem sobretudo montanhosa e íngreme, onde os poucos pedaços de terra relativamente plana e fértil são valorizados e disputados para a produção de alimentos.

Mas nada disso impediu que o Japão se desenvolve uma indústria do vinho hoje pujante e dinâmica, onde pesquisa e tecnologia caminham lado a lado com a tradição, na busca pela produção de mais e melhores vinhos.

A vitivinicultura moderna tem seu início ainda no final do séc. XIX, com os dois maiores nomes da produção de vinhos e bebidas nacionais, as centenárias Suntory e Mercian, surgindo nessa época. O “berço” e, ainda hoje, centro da produção nipônica é a prefeitura de Yamanashi, relativamente próxima de Tóquio, nos arredores do monte Fuji, mais destacado e reconhecido cartão postal do país. Aqui condições de clima mais seco e menos nublado permitem o cultivo de frutas, inclusive uvas, ainda em grande parte ainda consumidas in natura. Mas hoje a produção é muito mais difundida por todo o país, com vinícolas operando em 45 das 47 prefeituras que compõem o Japão.

O arquipélago que compõem o país tem grande extensão de Norte a Sul, o que faz com que haja uma grande variação climática. Adicione-se o relevo montanhoso a esta fórmula e temos os ingredientes para a composição de uma miríade de terroirs, cada qual com seu distinto microclima, do subtropical ao frio.

Hoje a segunda região de maior importância é Nagano, localizada ao Norte de Yamanashi e com similaridades climáticas. Até pela proximidade, além da menor suscetibilidade às chuvas intensas, a região tem atraído importantes investimentos. Outra região que chama atenção e merece destaque é Hokkaido; a ilha mais ao Norte do arquipélago.

Hokkaido a priori seria muito fria para o cultivo, porém as mudanças climáticas vêm permitindo cada vez mais a maturação adequada de uvas para vinho, até por conta do fato que sua localização reduzir muito a influência de tufões e chuvas. Assim, ainda que o número de horas sol anual seja 33% menor, é possível a maturação adequada, sobretudo de castas mais adequadas a clima frios, entregando vinhos frescos e de acidez vívida.

Mas falar em castas aqui no Japão é um capítulo à parte, tratando-se de um país onde não reinam, necessariamente, as castas viníferas mais conhecidas. Ainda que encontremos cultivos aqui de castas como Sauvignon Blanc, Chardonnay, Merlot, Pinot Noir, Cabernet Sauvignon e Franc, entre tantas outras, os cultivos mais expressivos são de castas híbridas ou de mesa, mais adaptadas aos rigores do clima local. Das uvas de mesa ocupam os postos principais nos vinhedos japoneses; a local Kyoho e a americana Delaware; que ainda que sejam direcionadas principalmente ao consumo in natura, são também utilizadas na produção de vinhos, mas simplórios.

A casta hibrida de melhores resultados é a Muscat Bailey A, criada aqui mesmo. Quando bem trabalhada produz tintos decentes, ainda que carentes de profundidade. Mas a principal uva daqui é uma Vinífera, a Koshu.

As menções a Koshu são antigas, de séculos, o que levou mesmo a afirmação que seria uma casta autóctone, surgida ali em território japonês; no entanto, pesquisas genéticas mais cuidadosas indicam que sua origem é europeia, ainda que não seja possível determinar com precisão de onde nem a partir de quais castas. A hipótese mais provável é que ela tenha sido trazida por mercadores, através da rota da seda, em um passado distante. Suas uvas de casca rosada são saborosas, grandes e doces, fazendo com que a Koshu tenha sempre sido muito cultivada como uva de mesa, mas o trabalho cuidadoso de tantos e tantos produtores têm permitido a produção de vinhos cada vez melhores, mais limpos e focados, com deliciosa acidez. Há versões com e sem madeira, além de versões cada vez mais frequentes maturadas sobre as borras finas, para maior complexidade e textura de boca.

Pronto para encontrar o Japão nas melhores cartas de vinhos muito em breve?


quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Grécia - Escanção

 

Quando olhamos para o mundo do vinho atual, são três os pilares de sua construção; França, Itália e Grécia, esta última o nosso tema de hoje.

A base moderna do mundo do vinho é sem dúvida a França; as castas, técnicas, regras e muitos dos conceitos fundamentais nos quais produtores de todo o mundo se baseiam vem de lá, com grande influência mesmo em países de grande tradição, como Portugal e Itália. Justamente a Itália é a outra base, afinal coube ao Império Romano a difusão e a organização de vitivinicultura por toda a Europa Ocidental e bacia do Mediterrâneo; influência essa que só se perdeu devido ao esfacelamento do Império e permanência da Itália desunificada até 1861.

E por fim, a Grécia; responsáveis em boa parte pela introdução da cultura do vinho na própria Itália, berço da cultura e da filosofia ocidentais, os gregos têm uma rica história na produção de vinhos, história essa que permeia de tradições e peculiaridades sua vitivinicultura presente.

Sempre brinco em minhas aulas que uma discussão boa é colocar um italiano, um português e um grego trancados em uma sala, discutindo qual seria o país com maior número de castas autóctones. Ainda que a Itália seja a líder nesse quesito (desculpem amigos portugueses, mas é), Portugal e Grécia contam com uma invejável lista de uvas só suas, sendo que a lista grega tem crescido com a recuperação e redescoberta de novas e antigas variedades a cada dia.

Durante boa parte do séc. XX a Grécia ocupou uma posição periférica no continente, ora sob o domínio Otomano, ora envolvida em disputas políticas e militares internas. Em uma história que não é tão diferente da Portuguesa, o ponto de inflexão dos modernos vinhos gregos vem a partir do ingresso na União Europeia. É a partir desse momento que a Grécia passa a ter mais fácil acesso a novos mercados, além de verbas para modernizar sua indústria. Soma-se a isso um momento em que novos e dinâmicos profissionais retornam ao país depois de estudos e experiências profissionais em outras zonas produtoras.

Outro momento importante na modernização dos vinhos gregos acontece, curiosamente, por conta da grande crise financeira que assolou o país a partir de 2008. As enormes dificuldades levaram muitos dos produtores a perderem o mercado interno, até então seu foco. Essa dificuldade forçou um foco nos mercados externos, com a produção de vinhos que reúnem muito daquilo que encanta o amante de vinhos, foco, frescor, tipicidade e variedades únicas, quase obscuras, que contam uma história de outras terras e outros climas.

Sendo a Grécia um país montanhoso e de solos pobres, as poucas terras planas e férteis são destinadas naturalmente a culturas mais rentáveis, restando às videiras (e oliveiras) as encostas de solos pouco nutritivos. Ali variedades como a Xinomavro, Agiorgitiko, Roditis, Savatiano, Malagousia, Limnio, Mavrotragano, entre outras, produzem vinhos particulares.

Especialmente a Xinomavro é um destaque especial. No norte grego, na Macedônia, encontraremos as denominações de Náoussa e Gouménissa, onde esta casta, cujo nome significa “tinta ácida”, produzo vinhos de bom corpo e elevada acidez, por vezes de coloração algo pálida e com grande potencial de guarda, sendo muitas vezes descrita como a Nebbiolo grega; de fato, os melhores exemplares de Xinomavro apresentam longevidade invejável e, na maturidade, caráter aromático e gustativo em pé de igualdade com os melhores Barolos.

Aquele que é, talvez o mais emblemático vinho grego também tenha passado por uma renovação. O Retsina, branco aromatizado com resina de pinho de Aleppo, remonta aos tempos antigos, quando essa resina era utilizada para vendar ânforas e acabava por afetar o vinho. Os exemplares mais comerciais são de fato demasiadamente intensos e desiquilibrados, porém exemplares mais modernos e cuidadosamente elaborados trazem uma intensidade, frescor e salinidades muito particulares.

Salinidade que é uma assinatura de outro vinho branco grego muito, muito especial; os Assyrtikos de Santorini. Nesta ilha vulcânica do mar Egeu vamos encontrar algumas similaridades com uma DOC portuguesa em particular, Colares. Embora os vinhedos aqui não estejam em areias, também estão próximos ao mar e são conduzidos bem próximos ao solo. Aqui a condução forma pequenos “cestos”, que protegem as uvas dos intensos ventos que sopram constantemente, da mesma forma que ocorre em Colares. Os vinhos são minerais e cítricos, deliciosos e instigantes. Também se produz aqui um intenso e untuoso vinho doce, Vinsanto de Santorini, que tem a Assyrtico como sua casta principal.

Ainda caberiam muitas e muitas linhas apenas para introduzir, brevemente, uma fração da riqueza enológica da Grécia, com os saborosos Agiorgitikos do Peloponeso, os perfumados brancos de Malagousia, os frescos brancos tranquilos e espumantes de Debina, em Epirus, os muitos Muscats, doces e secos, do continente e das ilhas, os tintos fortificados da expressiva Mavrodaphne, ou ainda os muitos tintos e brancos de castas francesas, também cultivadas com sucesso em diferentes regiões, fora as castas obscuras e recém recuperadas, como a Sideritis, a Lagorthi, a Mavrostifo ou a Tinaktorogos, isso para citar apenas algumas poucas.

A mensagem central aqui é que a Grécia é um mundo por si só, com variedade e qualidade em todo seu território continental e ilhas, cheia de tesouros aguardando pelo degustador e pelo escanção mais atentos.

 

Alemanha em Tinto - Escanção

 

Há umas tantas edições atrás, utilizamos este espaço para introduzir os vinhos alemães, justificadamente entre os mais desejados por amantes do vinho em todo mundo, assim como queridinhos de escanções por todo canto.

O apelo do vinho alemão, sobretudo para o escanção, pode ser explicado em parte pela legislação alemão, muito particular e sempre uma pequena “diversão” na hora dos nossos estudos, além da forte presença da casta Riesling, rainha das brancas e preferida de tantos e tantos profissionais.

Mas hoje queremos direcionar nosso olhar para uma Alemanha de outras cores; vamos hoje falar de uma Alemanha em tinto. E não no geral, na produção nacional como um todo, mas de uma pequena e pitoresca região em particular, onde os vinhos tintos são maioria; o Ahr.

Nas últimas décadas, em função de mudanças climáticas e mudanças nas preferências do público, a produção de vinhos tintos cresceu em toda a Alemanha, passando de cerca de 11% na década de 1980 para algo por volta dos 33% nos dias de hoje, fenômeno semelhante ao ocorrido com a doçura, com uma migração dos vinhos doces ou adamados cada vez mais em direção aos secos. No entanto, falamos aqui de um fenômeno que abarca regiões como Pfalz, Baden e Württenberg, onde o clima vem permitindo cultivos maiores de variedades como Lemberger, Dornfelder e, claro, a Spätburgunder, nossa conhecida Pinot Noir.

Já no Ahr, PDO mais ao Norte do país, sempre reinaram as castas tintas, tendo a grande virada ocorrido substancialmente naquilo que se refere à qualidade dos vinhos ali produzidos. Hoje os tintos são mais de 80% da produção local e a produção de brancos segue em queda.

Localizada em um estreito vale formado pelo rio Ahr, que corre de Oeste para Leste, dos montes Eifel em direção ao rio Reno, essa região conta com temperaturas anormalmente quentes para uma latitude tão ao Norte, podendo contar com uma estação de cultivo de algo como 120 a 130 dias e temperaturas mediterrâneas que entram pelo mês de Outubro muitas vezes. Esse foi certamente um dos fatores que levou os romanos a instalarem-se aqui, fato corriqueiro em tantas e tantas regiões produtoras atuais da Europa onde Roma foi a responsável pelos primórdios da vitivinicultura.

Faltam no entanto indícios de que os Romanos cultivaram aqui a videira; as mais antigas menções a existência de vinhedos no vale do rio Ahr datam do ano 770 d.C. Apesar das dificuldades de produção na íngremes encostas do vale, o que ocasiona maiores custos produtivos, até bem pouco temo a produção local focava em tintos simples, frutados e até adocicados. Esse descompasso entre custo de produção e valor agregados dos produtos locais levou muitos produtores locais a imigrarem para a América no início do séc. XIX. Os que permaneceram foram responsáveis por fundar em 1868 a primeira cooperativa da Alemanha, com apenas 18 sócios então, chegando a 180 apenas 25 anos depois.

O cooperativismo ainda tem enorme importância na produção do Ahr, respondendo cerca de dois terços da produção local. Porém, foram pequenos e ousados produtores que mudaram a sorte dos vinhos locais quando, ainda na década de 1980, nomes como Deutzerhof, Jean Stodden e, principalmente, Meyer-Näkel, passaram a dar outro nível de atenção às uvas Pinot Noir que vinham de seus vinhedos, buscando pontos de maturação e técnicas de vinificação afinadas com as melhores práticas dos melhores vinhos da Bourgogne.

Os resultados não tardaram a chegar, colocando os vinhos do Ahr em posição de destaque rapidamente. Isso fui crucial para a sobrevivência de região como zona de produção de vinhos finos, pois afinal permitiu aos produtores locais maior foco na qualidade, com vinhos consequentemente de maior valor agregado, mais alinhados com as dificuldades e custos de produção inerentes à região; os melhores vinhos locais podem alcançar preços equivalentes aos de Premier Crus da Bourgogne, não devendo nada em qualidade para eles.

Cerca de 65% da produção local é da casta Spätburgunder/Pinot Noir, sem dúvidas a grande estrela local. Mas mesmo entre as tintas, o Ahr conta com seus pequenos segredos a serem descobertos, com especial destaque para uma casta que, ainda que representando apenas 6% dos vinhedos mostra aqui um ótimo potencial na produção de vinhos frescos, com um agradável toque herbal; falamos aqui da Frühburgunder, mutação de maturação precoce da Pinot Noir, conhecida na França como Pinot Madeleine. Apenas uma amostra do quanto há por se descobrir nos vinhos locais.

Evidentemente não poderíamos falar do Ahr sem citar as muitas notícias que vimos nos últimos meses na mídia e nas redes sociais, onde imagens tristes mostraram a grande destruição causada em vinhedos e vinícolas do Ahr pelas chuvas e inundações que ali ocorreram em Agosto. A safra 2021 no Ahr será virtualmente inexistente, sobretudos nos menores produtores, e o futuro da região permanece incerto, enquanto a estrutura local de tantos produtores afetados pela tragédia segue em reconstrução. O que é certo é que em breve grandes vinhos do Ahr voltarão a fluir das adegas locais.

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