quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Champagne - Escanção

 

Clássicos e Referências

A difusão da cultura do vinho por todo o Mundo foi um processo gradual. Das suas origens para a Europa e pelo Norte da África, daí para as novas terras ocupadas e colonizadas em continentes distantes, foram uma séria de processos e acontecimentos históricos, arrastando-se ao longo de séculos, milênios, até que o mapa do que hoje chamamos de “Mundo do Vinho” estivesse minimamente rascunhado.

Parte importante desse processo deu-se com as viagens, conquistas, ocupações e invasões, que vinham sempre acompanhadas de gente que já consumia e produzia e vinho e, mais do que naturalmente, desejava levar consigo esse hábito, mas para tal, não havia outro jeito senão levar consigo as próprias videiras, às técnicas e os saberes envolvidos na produção. Foi assim em quase todo canto onde hoje produz-se o vinho.

E dessa forma que se constrói ao longo do tempo os padrões, as referências, os clássicos. Regiões, métodos e estilos de vinho que servem como parâmetro, por sua qualidade, por seu primor técnico ou apenas por seu pioneirismo, traçando as linhas que seriam e ainda são seguidas.

Tome como exemplo os tintos de Pinot Noir da Bourgogne. Qualquer que seja o produtor, em qualquer lugar do mundo, em qualquer nível de qualidade, olha para a Bourgogne como seu gabarito, seja como o objetivo a ser atingido, seja como um referencial de qualidade, seja como um exemplo não desejado do qual busca-se marcar distância, é para a Bourgogne que se olha. “É tão bom que parece Bourgogne” soa como um elogio definitivo à qualidade de um bom Pinot Noir.

Hoje queremos voltar os olhos para outra região francesa que se estabeleceu na mesma posição, de referencial global para um determinado estilo de vinho; hoje vamos olhar para a Champagne!

A Champagne não é a maior região apelação para produção de espumantes no Mundo, basta citar a DOC Prosecco; tampouco é a maior em produção de espumantes pelo método tradicional, aqui sim podendo ser referido como método champenoise, nesse caso sendo superada pela DO Cava. Ainda a despeito do que digam as lendas e os marketeiros, nem mesmo foi ali que se desenvolveu o método clássico, que tem sua real origem entre os monges de Limoux ou os comerciantes Ingleses. Mas ainda assim, o primado de Champagne como a região por excelência na produção de grandes espumantes é incontestável.

Temos grandes espumantes feitos na Franciacorta, na Catalunha, na Inglaterra, no Brasil, em Portugal e tantos outros, muitas vezes, compatíveis em qualidade com bons exemplares de Champagne, mas até o momento, nunca de fato em posição de competir com os mais gloriosos exemplares de lá. Champagne, além da maestria na aplicação dos métodos de produção, soube de forma muito particular escalar essa produção, com normas claras e devidamente aplicadas, que permitem uma consistência que é invejável.

A combinação de fatores que provocou isso é única; trata-se de uma região que estava no lugar certo, no país certo, no momento histórico ideal, para conquistar cortes e elites por todo o continente, além de fornecer técnicos capacitados para que tantos e tantos países desenvolvessem sua própria indústria de vinhos espumantes. Mas no final do dia, o Champagne, assim como todo vinho, é um produto intimamente ligado à sua origem; de forma que o mais relevante aspecto, ao menos do ponto de vista do escanção, é justamente o terroir da Champagne.

Em condições normais a Champagne seria fria demais para a produção de vinhos de qualidade, devido a sua latitude; evidente que nos referimos aqui aos tempos nos quais a região foi estabelecida, uma vez que em tempos de mudanças climáticas e aquecimento global esse é cada vez menos o caso. Mas uma relativa proximidade com o oceano, além das particularidades de seu solo, criaram um ambiente adequado a maturação de uvas, justamente nas características requeridas para a produção de bons vinhos base, de baixo álcool e acidez elevada. O giz calcáreo amplamente presente na região, não só proporciona solos mais quentes, mas devido a sua maleabilidade também foi matéria prima para as construções locais desde o Império Romano, o que resultou em centenas de quilômetros de cavernas e tuneis escavados para a retirada de pedras, que hoje compõem um labirinto de adegas e caves, onde garrafas maturam, ganhando bolhas e complexidade ao longo de seu processo de elaboração.

O estilo fresco, gastronômico e atraente do Champagne vem sendo mantido ao longo dos anos, com as inevitáveis alterações promovidas pelo aquecimento da região compensadas por técnicas mais precisas de produção, redução na dosagem de açúcar na expedição, além de uma gestão cuidadosa dos vinhos de reserva, além de escolhas mais atentas na elaboração dos cortes. Além das castas principais de dominantes, Pinot Noir, Chardonnay e Meunier, também as (quase) esquecidas Arbane, Petit Meslier, Pinot Blanc e Pinot Gris tem sido olhadas com outro nível de atenção.

Além disso, já se preparando para mudanças ainda mais profundas, Champagne aprovou recentemente, em caráter experimental, mais uma casta, a híbrida Voltis, tornando-se assim a primeira AOC a adotar uma casta híbrida, tão logo mudanças na legislação Europeia abriram essa possibilidade.

Champagne é uma região e um vinho, de rica história e profundas tradições, mas de ainda maior influência, o real gabarito pelo qual a produção mundial de espumantes se pauta. A consciência dessa importância e a constante busca por adaptação e inovação são as garantias de que assim ainda será, por muitos e muitos anos.

 

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