segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

Barolo - Escanção

 

Barolo, Onde o Tempo se Faz Vinho

 

Há regiões que estudamos. Outras que admiramos. E há aquelas às quais retornamos, não necessariamente no mapa, mas na memória, no paladar, no afeto. Barolo, para mim, pertence a esta última categoria. Ainda que sua fama seja hoje planetária, com rótulos disputados por colecionadores e pontuações elevadas, a verdade é que Barolo continua, essência adentro, um lugar íntimo. Um vinhedo de colinas, névoas e silêncios, onde o vinho não é apenas resultado de técnicas, mas de tempo e de uma certa delicadeza com que o produtor toca a terra.

Localizado no coração das Langhe, no Piemonte, Barolo é um território onde as paisagens parecem ter sido moldadas para que alguém, um dia, as descrevesse com devoção. As colinas onduladas, a alternância entre bosque, vila e vinhedo, e o inevitável manto de neblina outonal que inspirou o próprio nome da uva Nebbiolo formam um cenário que, mesmo antes da primeira taça, já provoca aquele aperto suave no peito de quem ali encontra significado.

A história da região, por sua vez, não é menos notável. Durante séculos, o Nebbiolo produziu vinhos doces ou semissecos, conforme o costume local e as limitações técnicas da época. Foi só no século XIX, com a influência de figuras como o Conde de Cavour e Giulietta Falletti, a Marquesa de Barolo, que o vinho adquiriu seu perfil moderno: seco, estruturado e capaz de evoluir por décadas. Uma transformação que exigiu paciência e visão, características que se tornariam, com o tempo, inseparáveis da identidade de Barolo.

E é preciso entender o terroir para compreender o vinho. As colinas da região apresentam dois grandes perfis de solo; Tortoniano, mais rico em argilas e calcário, resultando em Barolos mais delicados e aromáticos e Helvético, mais arenoso, pobre e compacto, dando origem a vinhos austeros, de taninos firmes e longevidade impressionante. Importante frisar que não são regras, muito mais indicativos de estilos, pois em um mosaico de terroirs como o daqui, não faltam vinhedos e produtores que contrariem essa “regra”.

Essa dualidade se reflete nas localidades que compõem a denominação: La Morra e Barolo tendem à elegância; Serralunga d’Alba e Monforte d’Alba evocam potência e estrutura; Castiglione Falletto equilibra os dois mundos. Não há uma única face de Barolo; há um conjunto de personalidades enquadradas por uma mesma uva.

Apenas uma uva, aliás: a Nebbiolo. Frágil ao clima, sensível ao vento, tardia na maturação, e extraordinariamente transparente ao lugar onde cresce. Em poucos sítios do mundo ela encontra voz tão clara quanto aqui. Não há maquiagem: nem tonal, nem aromática. O Nebbiolo exige do produtor domínio técnico, mas exige, sobretudo, respeito. E do apreciador, exige entrega, porque seus vinhos se revelam por camadas, nunca todas de uma vez. Há quem diga que Barolo ensina paciência e a julgar pelas garrafas que ainda repousam aqui na adega, talvez seja verdade.

Nos últimos anos, a famosa cisão entre “tradicionalistas” e “modernistas” ganhou contornos mais suaves. As extrações longas e as grandes botti convivem com tempos mais curtos de maceração e o uso criterioso de barriques. Hoje, a região parece compreender que a técnica é apenas a ferramenta; o protagonista é, e sempre será, o terroir. Há estilos distintos, mas o espírito permanece: permitir que cada parcela fale sua própria língua.

É também uma região onde a ideia de cru ganhou força, inspirada pela Borgonha, mas reinterpretada ao modo piemontês. Crus como Cannubi, Brunate, Bussia, Cerequio, Rocche dell’Annunziata e Monprivato, entre tantos outros, tornaram-se nomes familiares aos que seguem a trilha da Nebbiolo. Não são apenas colinas: são capítulos da história líquida de Barolo, mapeados e acolhidos pela legislação nas últimas décadas, na forma de MGAs, Menzione, Geografica Aggiuntiva.

E, ainda que toda essa análise seja necessária, há algo em Barolo que escapa ao estudo e se aproxima mais do sentir. Uma garrafa aberta transforma a noite. O perfume, de rosa, alcatrão, cereja em licor, bergamota, folhas secas, terra fria, traz consigo uma espécie de nostalgia antecipada: aquela impressão de que estamos diante de algo que já foi e, ao mesmo tempo, ainda será. É o vinho que parece carregar o próprio tempo em suspensão.

Para muitos, Barolo é um clássico a ser reverenciado. Para outros, é uma paixão. E para alguns, e aqui escrevo não como técnico, mas como alguém que o sente, Barolo é um lugar íntimo, um território que se visita pela memória tanto quanto pela geografia, onde cada taça diz mais do que apenas o que está no copo. Diz sobre quem fomos quando o provamos pela primeira vez. Diz sobre aquilo que reconhecemos na persistência de seus taninos, na paciência de sua guarda, na delicadeza com que envelhece e nos sentimentos que carregamos e expressamos em cada garrafa que abrimos. É por isso que Barolo não é apenas uma denominação de origem. É, muitas vezes, um acontecimento pessoal.

E cabe ao escanção, profissional, estudioso, apaixonado, não apenas compreender seus dados, seus solos, seus estilos, mas também a sua essência. Porque certos vinhos, como Barolo, não se explicam apenas compartilham-se.

Galícia - Escanção

 

Galícia, Entre Montanhas e Cinzas

Nas últimas semanas, as notícias que chegaram da Galícia não foram das mais animadoras: grandes incêndios florestais devastaram áreas rurais e vitícolas, como tem sido o caso também em Portugal, trazendo destruição a uma região já marcada por paisagens de rara beleza e uma profunda tradição agrícola. Embora as perdas ainda estejam sendo avaliadas, o impacto ambiental é significativo e serve de lembrança da fragilidade dos ecossistemas que sustentam a viticultura. Para além da tragédia, porém, é preciso lembrar que a Galícia é uma terra de resiliência, acostumada a desafios naturais e humanos, e que os seus vinhos carregam justamente essa marca de resistência e singularidade.

Situada no extremo noroeste da Península Ibérica, a Galícia é uma região de forte identidade cultural, onde o galego convive com o castelhano, e onde o Atlântico dita os ritmos da vida e da produção agrícola. Conhecida internacionalmente mais pela DO Rías Baixas e seus Albariños, a Galícia guarda, entretanto, um mosaico de outras denominações e estilos que merecem igual atenção, sobretudo quando buscamos compreender a riqueza de seu terroir.

Entre as regiões mais notáveis está a DO Ribeiro, nas margens do rio Miño, talvez a denominação mais histórica da Galícia, com registros de produção vinícola desde a Idade Média. Aqui predominam os brancos baseados em Treixadura, muitas vezes em cortes com Godello, Loureira ou Albariño. O estilo é marcado por frescor, elegância e um delicado caráter frutado, vinhos que encontram paralelo imediato nos vizinhos portugueses do Minho, onde essas mesmas castas têm presença significativa. Não por acaso, a linha fronteiriça parece mais geográfica do que cultural: o vinho flui com naturalidade entre os dois lados.

Seguindo para o interior, encontramos a DO Valdeorras, localizada ao longo do rio Sil, já em zona de transição entre o Atlântico e a influência continental. É o território por excelência da Godello, variedade que aqui atinge talvez sua expressão mais sofisticada. Os vinhos de Godello de Valdeorras combinam frescor mineral e estrutura, com aptidão para guarda, rivalizando em prestígio com grandes brancos da península. Também aparecem tintos notáveis, sobretudo de Mencía, com um perfil elegante e floral.

A própria Mencía é protagonista na DO Ribeira Sacra, cujos vinhedos em socalcos impressionam pela dramaticidade: encostas abruptas que se debruçam sobre os rios Miño e Sil, formando um dos cenários mais espetaculares da viticultura europeia. Aqui, a viticultura heroica não é apenas um conceito, mas uma realidade cotidiana. Os vinhos tintos da região, de médio corpo, frescos e expressivos, têm conquistado reconhecimento internacional, frequentemente comparados a exemplares da vizinha região portuguesa do Dão, onde a mesma casta também se destaca, ali denominada Jaén.

Mais ao sul, na fronteira com Portugal, está a DO Monterrei, talvez a menos conhecida entre as denominações galegas, mas não menos relevante. Pequena em área, tem tradição de brancos aromáticos de Godello e Treixadura, além de tintos de Mencía e Merenzao (sinônimo da Trousseau/Bastardo), mostrando a mesma paleta de castas que dá identidade ao noroeste ibérico. A proximidade cultural e geográfica com Trás-os-Montes e o Douro português reforça ainda mais a sensação de continuidade.

Por fim, vale lembrar a DO Ribeira do Ulla, historicamente menos expressiva, mas em processo de revitalização, também apoiada em brancos de corte atlântico e em tintos de perfil mais leve.

Em todas essas denominações, o que se observa é a centralidade das castas que também estruturam a vitivinicultura do norte de Portugal: Godello (Verdelho), Treixadura (Trajadura), Loureira (Loureiro), Mencía (Jaen) e Merenzao (Trousseau/Bastardo). Essa partilha não é mera coincidência, mas reflexo de séculos de circulação de pessoas, práticas e videiras por uma região que, antes de ser fronteira, foi espaço de encontro.

A Galícia vinícola, portanto, vai muito além do Albariño e de Rías Baixas. É um território de diversidade e profundidade, marcado por vinhedos que desafiam a geografia, castas que cruzam fronteiras e uma tradição que soube sobreviver a crises, proibições e segue sobrevivendo as chamas. Para o escanção atento, trata-se de uma região que exige estudo, respeito e atenção, não apenas pela beleza de seus vinhos, mas pela força simbólica de uma viticultura que insiste em permanecer viva contra todas as adversidades.

México - Escanção

 

México – Vinhos do Velho Novo Mundo

Não é incomum que o mundo do vinho nos reserve surpresas, e poucas parecem tão intrigantes quanto a presença consolidada da vitivinicultura no México. País de tradições milenares, paisagens diversas e uma história rica em encontros culturais, o México também guarda, ainda que à margem do radar da maioria, uma das histórias vitivinícolas mais antigas do continente americano.

De fato, é lá, e não mais ao sul, que encontramos os primeiros registros de produção de vinho nas Américas, iniciada ainda no século XVI, com a chegada dos espanhóis. Tal qual em outras regiões sob domínio da coroa ibérica, a produção foi estabelecida para atender as necessidades das missões religiosas, com o plantio da uva Listán Prieto, aqui conhecida como Mission. E, como também se viu em outros pontos do Novo Mundo, o sucesso da produção local passou a ameaçar os interesses metropolitanos, levando à proibição do plantio de novas vinhas por ordem da coroa espanhola, medida que limitou o desenvolvimento do setor por séculos.

Mesmo sob tais restrições, algumas áreas mantiveram a tradição da viticultura, especialmente aquelas sob influência de ordens religiosas, onde o cultivo da vinha e a produção de vinho persistiram em pequena escala. Com a independência do México, a partir do século XIX, o cenário começou a mudar, mas foi apenas nas últimas décadas do século XX que se observou uma retomada estruturada e voltada para a qualidade.

Esse novo impulso tem como epicentro a região de Baja California, mais especificamente o Valle de Guadalupe, hoje sinônimo da moderna vitivinicultura mexicana. Trata-se de uma região de clima árido, fortemente influenciada pelo oceano Pacífico, com dias quentes e noites frescas, fator essencial para a preservação da acidez nas uvas. Os solos são pobres e bem drenados, o que, somado à baixa pluviosidade, torna a irrigação um elemento essencial e a gestão hídrica um dos principais desafios da viticultura local.

Dentro deste contexto, encontra-se um mosaico de castas plantadas, com destaque para Cabernet Sauvignon, Syrah, Nebbiolo, Grenache e Tempranillo entre as tintas, e Chardonnay, Chenin Blanc e Sauvignon Blanc entre as brancas. A liberdade de estilo e a ausência de amarras regulatórias mais estritas permitiram aos produtores locais uma abordagem experimental, com vinhos que expressam tanto o terroir quanto a criatividade de seus enólogos.

Embora o Valle de Guadalupe concentre a atenção internacional, outras regiões mexicanas vêm se firmando como polos de produção. Coahuila, no nordeste do país, abriga a Casa Madero, fundada em 1597 e considerada a vinícola mais antiga das Américas. Já os estados de Querétaro, Zacatecas, Aguascalientes e Guanajuato apresentam altitudes elevadas, por vezes acima de 2.000 metros, criando condições ideais para a produção de vinhos com frescor, estrutura e elegância, mesmo sob intensa radiação solar.

Os desafios, por certo, não são poucos. A escassez de água é uma constante, e o clima pode ser severo e imprevisível. Ainda assim, há uma resposta técnica crescente: irrigação controlada, uso de porta-enxertos resistentes, adaptação varietal e até o início de práticas mais sustentáveis, com incremento de vinhos orgânicos e de mínima intervenção.

Um passo simbólico importante neste processo de consolidação foi dado recentemente, com o anúncio da primeira Indicação Geográfica Protegida (IGP) para um vinho mexicano. A certificação foi concedida à região de Querétaro, reconhecendo oficialmente a identidade e qualidade dos vinhos ali produzidos. Trata-se de um marco regulatório relevante para a valorização do terroir local e um passo decisivo na direção de uma organização mais clara da viticultura nacional, abrindo caminho para que outras regiões mexicanas também busquem reconhecimento oficial e proteção de origem.

A vitivinicultura mexicana ainda enfrenta o desafio da consolidação no mercado internacional e da construção de uma imagem de consistência e qualidade. Contudo, o avanço técnico, o surgimento de novos talentos e a crescente atenção da crítica especializada indicam um caminho promissor. Ao escanção atento às tendências e à diversidade do mundo do vinho, cabe não apenas observar, mas estudar e compreender esse novo velho produtor do continente americano, que encontra no passado a base para uma construção de futuro sólida e cheia de possibilidades.

 

Rheingau - Escanção

 

Todos os produtores tradicionais do vinho têm seus produtores ou regiões icônicas, reconhecidos por sua qualidade, história, legado e consistência qualitativa; é um clube onde vamos encontrar vinhos como o Barca Velha, grandes Portos, Vega Sicília, toda uma leva de grandes Barolos, Brunellos e Supertoscanos e por aí vai. Aliás, dados recentes da LivEX mostram estes ícones de fora da França consistentemente ganhando espaço e sendo mais e mais valorizados no mercado secundário, dos colecionadores e leiloeiros.

Mas entre crises, pandemias, guerras factuais e tarifárias muito muda, mas algo permanece de forma quase perene; os grandes ícones franceses ocupam consistentemente o topo dos rankings de preços. Faça uma visita a garrafeira de sua confiança e constate, que em condições semelhantes de idade e qualidade das safras não há páreo para os preços de nomes como Petrus, Margaux, Latour, Romanée-Conti e tantos outros.

Tal predominância é tão marcada em nossas referências que parece algo dado desde sempre, um fato que faz parte do mundo do vinho moderno, desde seu advento ali pelos séculos XVII e XVIII. E essa é quase uma verdade; quase, por conta de uma honrosa exceção, os vinhos alemães do Rheingau.

Pois é... Essa pequena região, altamente especializada em brancos feitos da uva Riesling e que se estende por alguns quilômetros ao longo da margem Norte do rio Reno ocupa a posição de, por algumas décadas, ter produzido vinhos que eram então os mais caros do mundo, aliás, justamente quando foi elaborada a famosa classificação de 1855 dos vinhos de Bordeaux era esse o caso.

Hoje em posição significativamente mais modesta, em relação aos seus preços, o Rheingau segue entregando elevada qualidade, além da grande relevância histórica, disputando mesmo a primazia entre as regiões que primeiro produziram vinhos doces a partir de uvas acometidas da podridão nobre, segundo os registros, dos vinhedos murados de Schloss Johannisberg, estabelecido pelos monges cistercienses como “rival” do borgonhês Clos Vougeot. Também aqui reclama-se o título de berço da uva Riesling, a casta alemã por excelência, além de, em tempos mais recentes, ter sido o ponto de partida da criação do VDP, associação de produtores alemãs cujas regras de qualidade tornaram-se o pináculo pelo qual a legislação alemã de orienta.

Com tantos e tão relevantes feitos, não é de se estranhar que o Rheingau ocupe uma posição singular entre as regiões clássicas da Alemanha e mesmo do Mundo. A casta queridinha de tantos enófilos e profissionais mundo afora, a Riesling, encontra aqui um de seus terroirs de excelência, ombro a ombro com o Mosel. Das margens do rio Mosel, os solos de xisto e ardósia entrega vinhos diáfanos, sutis e intensos ao mesmo tempo, com menor álcool, elevada acidez e um sutil doque de doçura, muitas vezes absolutamente indispensável para garantir o justo equilíbrio aos vinhos ali produzidos.  Já o Rheingau, de solos mais variados e temperaturas mais elevadas, traz Rieslings de maior corpo e em geral mais secos, ainda que haja uma importante produção de exemplares doces, a partir da seleção contínua de uvas acometidas pela botrytis.

A maior parte da produção ocorre às margens do Reno, a oeste da cidade de Wiesbaden, em um trecho de cerca de 20km no qual o rio corre no sentido Leste-Oeste, até fazer uma curva sentido Norte pouco depois de Rüdesheim. Nessa faixa contínua de vinhedos com orientação Sul a exposição solar combina-se ao calor e lux refletidos nos mais de 500m de largura do rio, criando a condição perfeita para uma excelente maturação das uvas, preservando seu frescor e acidez com as frias noites da região. Toda uma colcha de retalhos de vinhedos demarcados definem o Rheingau, não por acaso um espelho da demarcação dos vinhedos da Bourgogne, afinal ambas as regiões contam a presença de ordens monásticas na raiz de suas origens; aqui, além do já citado Schloss Johannisberg, são muitos outros os vinhedos demarcados e as construções que permaneceram, tal como as tradições de estudo e pesquisa, cristalizadas na presença do tradicional instituto de Geisenheim, uma das mais renomadas instituições de ensino e pesquisa do mundo do vinho.

Ainda que o Reno seja a referência, inclusive dando nome a região, uma importante parte de sua produção, de elevada qualidade, encontra-se às margens de outro rio, o Main, a Leste de Wiesbaden, nas imediações de Hochheim, onde a Riesling entrega vinhos encorpados e brilhantes, a partir das gentis colinas da zona, vinhos esses aliás, que deram origem o nome “Hoch”, por muito tempo um sinônimo de vinho alemão para os ingleses.

Uma curiosidade adicional no Rheingau é a força, qualitativa e quantitativa, de sua produção de tintos, que pré-data as ondas mais recentes de plantações de Spätburgunder/Pinot Noir pela Alemanha, como consequência das mudanças climáticas que ora enfrentamos. Desde sempre, os vinhedos de Assmannshausen e imediações, no extremo Oeste da região, logo após a curva à Norte do Reno, estão reputados entre os mais finos exemplares tintos do país, posição merecidamente destacada em tempos recentes, em função de ganhos de qualidade mais estáveis, pelas mudanças climáticas já supracitadas.

A Alemanha do vinho é muito mais do que o Mosel e o Rheingau, mas é inegável que esse adorável pedacinho do país ocupou um lugar no imaginário geral como a referência visual do que é a vitivinicultura alemã. Tal posição, justa ou não, é amplamente reforçada pela superlativa qualidade dos vinhos ali produzidos, presença obrigatória nas adegas e nos estudos de enófilos e escanções de todos os cantos.

Serra Gaúcha - Escanção

 

No Coração da Vitivinicultura Brasileira

Cada vez mais hoje em dia produz-se vinho por todo canto do Brasil. Nesse mesmo espaço já falamos da Campanha Gaúcha, no extremo Sul do país, assim como da Chapada Diamantina, no interior da Bahia, já na região Nordeste. Há ainda produções comerciais mais significativas em Goiás e nos arredores de Brasília, Pernambuco, São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Paraná, além de Espírito Santo, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul e por aí vai, sem contar ainda os produtores que na falta de clima adequado para as uvas, fazem seus fermentados com frutos como o açaí, o cupuaçu, o caju, a jaca. O fato é que ainda que com um consumo per capita limitado, há um interesse e esforço genuíno em tornar o Brasil cada vez mais um país de vinhos.

O doce sabor da novidade tantas vezes seduz e empolga; é natural o desejo de conhecer o novo, de desbravar novos sabores e regiões. Porém não só de novidades se faz o novo, o novo também vem daqueles que por tanto tempo constituíram, e ainda constituem, a base de nossa vitivinicultura, naquela que é a mais tradicional região produtora do Brasil, a Serra Gaúcha.

Recentemente tive a oportunidade de visitar a Serra Gaúcha como há muito tempo não fazia, em um tour intensivo, passando por mais de uma dezena de produtores em uns poucos dias e me atualizando em relação a muito do que vem acontecendo por lá. Em função das dimensões continentais do Brasil, é equivocado imaginar que os vinhos brasileiros estejam prontamente disponíveis em qualquer lugar do país. Claro que há produtores maiores, que contam com uma distribuição mais ampla, além do fato que vivo em São Paulo, centro econômico e maior cidade do Brasil, de modo que a disponibilidade aqui é um pouco maior, mas há muitos pequenos produtores cuja distribuição é limitada, fato que foi reforçado pelas grandes inundações sofridas pelos Rio Grande do Sul ano passado, que dificultaram a logística um pouco mais.

Não há melhor forma para entender uma região do que a visitar e estar frente a frente com as pessoas que traduzem em vinhos aquele terroir! E hoje ganha cada vez mais força uma dinâmica de renovação na Serra Gaúcha, com uma clara mudança geracional que é perceptível na taça. A absoluta maioria das vinícolas que visitei tem hoje uma nova geração no comando, seja da enologia, dos campos, da comunicação e vendas ou de todo o conjunto, mas é clara uma visão fresca e renovada sobre o que o vinho da Serra Gaúcha é e, mais importante, sobre o que ele pode ser.

Parte dessa visão fica clara com um cuidado e esforço cada vez maior no entendimento das sutilezas de cada subzona de produção; a cada dia a Serra Gaúcha deixa de ser uma zona, para tornar-se uma macrozona, com o reconhecimento de diferentes indicações geográficas, que permitem destacar os terroirs locais. Hoje já há dentro da Serra Gaúcha as Indicações de Procedência de Pinto Bandeira, Altos Montes, Vale dos Vinhedos, Monte Belo e Farroupilha, essa última exclusiva para Moscatéis Espumantes, no estilo Asti e de elevada qualidade, além das únicas dos Denominações de Origem do Brasil, Vale dos Vinhedos e Altos de Pinto Bandeira, exclusiva para espumantes método clássico; fora isso há ainda movimentos nascentes pela demarcação de novas IPs, como Faria Lemos.

Todo esse interesse e foco não só na demarcação, mas na efetiva promoção de distintas indicações geográficas demonstra um aprofundamento da compreensão de nossas particularidades. Ainda que para o consumidor leigo a profusão de indicações, nem todas familiares, possa causar alguma confusão, é inegável que demonstra uma indústria mais ciente de suas particularidades geográficas que podem, em última análise, se refletirem na taça do cliente.

O salto tecnológico também é um aspecto visível, em equipamentos, mas também em técnicas, de manejo e produção. A compreensão de que o mundo do vinho está em constante evolução é notória e mais do que isso, inescapável para aqueles que buscam conquistar mercados mais amplos, justamente em um momento desafiador, com redução de consumo e mudança de hábitos.

Mas que fique claro que toda a mudança e evolução vem firmemente calcada nas tradições que construíram o presente; não faltaram oportunidades de degustar vinhos maduros, surpreendendo por sua longevidade, alguns já se aproximando das quatro décadas de idade. O fato é que os vinhos da Serra Gaúcha tendem a contar com elevada acidez natural, que bem trabalhada em um conjunto equilibrado rendem vinhos com excelente potencial de guarda, a despeito das opiniões, muitas vezes preconceituosas, que os próprios brasileiros têm de seus vinhos.

O Brasil é um país ainda infante em sua caminhada nesse mundo de tradições milenares que é o vinho, mas a oportunidade de presenciar esses passos ainda iniciais, mas já tão adiantados, em pleno coração de nossa vitivinicultura, é das alegrias que a profissão nos proporciona.

Provence - Escanção

 

Não faltam no mundo do vinho regiões que se tornam conhecidas por um único estilo, uma assinatura que leva o seu nome aos mercados globais e às taças de enófilos de todo canto. Foi assim com o Porto e o Douro, com o Rheingau e seus brancos ou com o Canadá e seus vinhos de uvas congeladas, o Icewine, para ficar em apenas três exemplos.

No entanto, a partir desse mesmo sucesso, outros estilos e produtos ganham também seu espaço, com maior ou menor força, estabelecendo assim a marca da região. O Douro hoje é amplamente reconhecido e respeitado por seus vinhos de mesa, brancos e tinto, alguns entre os mais disputados de Portugal; o Rheingau ainda é terra de brancos, mas os tintos de Pinot Noir têm um espaço cativo nas adegas de apreciadores; o Canadá supera as limitações do clima e firma-se a cada dia mais como uma nação produtora de bons vinhos secos em todas as cores e estilos e por aí vai.

Um emblema, uma bandeira, um produto de grande sucesso comercial, ganhando holofotes no momento certo, pode ser providencial para a construção de uma região, garantindo atenção do público e o fluxo adequado de investimentos que garantirão seu desenvolvimento, servindo de base para a construção ou para o resgate de vinhos e denominações de origem.

Um exemplo clássico dessa configuração é a Provence, no Sul da França. Região de clima sumamente mediterrâneo, por conta de seu relevo mais acidentado e de sua distribuição populacional, a Provence não teve um passado de produção em larga escala como o vizinho Languedoc. Mesmo com importantes cidades costeiras, especialmente Marseille e Nice, além de vinhos de grande fama entre os entendidos, porém de pequeno volume, como os tintos de Bandol, aqui havia uma produção variada em estilos e castas, porém fragmentada e mais focada no consumo local.

Depois das agruras da filoxera e de duas guerras mundiais, a sorte da Provence começou a mudar por conta do turismo; veranistas endinheirados ou não, de dentro e de fora da França, começaram a ocupar as praias da Côte d’Azur nos verões e em tempo foram acompanhados por um fluxo de celebridades que matavam sua sede a beira mar com grandes volumes de vinho rosé local, fresco, delicado, perfumado e de baixa extração, a combinação perfeita entre clima, ambiente, gastronomia e vinho.

Evidentemente a fama de tais vinhos acabou por ir além das praias e além da alta estação, criando uma marca, uma bandeira que a Provence pode levar pelo mundo, seus vinhos rosés, hoje praticamente um estilo por si só; não faltam produtores de todo o mundo que descrevam seus rosés como vinhos “em estilo provençal”, testemunho do sucesso da “marca” Rosé de Provence.

O sucesso trouxe atenção e investimentos; nomes do mundo do vinho compraram propriedades por lá e criaram seus vinhos, assim como artistas, empresários e afins, empolgados com aquela pitoresca região de suas férias e que acabaram investindo em suas propriedades que, evidentemente, não estariam completas sem vinhedos e vinhos. O ponto central aqui é que uma coisa puxou a outra e hoje, ainda que a Provence siga sem as grandes produções industriais do Languedoc, é fonte de um pequeno mar de rosados que preenchem taças ao redor do globo.

Mas pensar nessa região apenas nesses termos é reducionista e incorreto; falamos aqui de uma zona que conta com variedade, de solos, microclimas, castas, tradições e estilos a serem descobertos e explorados. Os solos da região vão do calcário, mais presente no interior, ao xisto, com variados níveis de exposição; o clima, ainda que mediterrâneo por essência, com abundância de horas de sol e pouca chuva, conta com o intenso e frio vento Mistral, que vem do Norte refrescando os vinhedos e diminuindo o risco de doenças fúngicas; já as castas tem uma distribuição ampla de Grenache e Cinsault, estrelas da produção de rosados, mas complementadas por Syrah, Mourvèdre, Carignan, Tibouren e Cabernet Sauvignon entre as tintas e Rolle (nome local da Vermentino), Ugni Blanc, Clairette, Grenache Blanc e outras brancas.

Assim compomos um mosaico de denominações e estilos, tradicionais e modernos, que convivem harmoniosamente, ampliando a gama e o alcance dos vinhos da Provence. Além da AOC Côtes de Provence, a mais extensa da França e base da produção dos rosados locais, vale destacar também Luberon, Palette, Cassis, Bellet e outras, que produzem vinhos de todos os estilos em áreas geográficas bem mais específicas, com duas menções em especial, para Les Baux de Provence, primeira AOC francesa a exigir a produção orgânica e desde há pouco a primeira com 100% dos vinhedos em sua área assim certificados, além de Bandol, onde brilha a perfumada e exigente Mourvèdre, que mesmo com tintos mais modernos e acessíveis na juventude tem sua fama construída sobre tintos densos, tânicos e firmes, que demandam longos anos de guarda antes do ponto ideal de consumo.

Certamente um leve, perfumado e delicado Rosé de Provence tem seu lugar e seu momento, tanto para o nosso consumo pessoal quanto para nossas cartas de vinhos, como um caminho para conquistar o cliente, mas usado sabiamente, esse rosé será tão somente uma porta de entrada a partir da qual poderemos permitir ao comensal a exploração e descoberta de toda uma região cheia de histórias e influências em sua vitivinicultura.

Côte Rotie e Condrieu - Escanção

 

De Clássicos a Redescobertas

A história moderna do vinho é uma na qual não faltam contos de renascimento e redescoberta. Afinal, poucas coisas mexem mais com os desejos e pensamentos de escanções e amantes do vinho tanto quanto a sensação de encontrar algo tido como perdido, um vinho, uma uva, uma região, um produtor, aos poucos esquecidos em favor de nomes que melhor se comunicam com o grande público, gerando vendas, resultados e fama mais facilmente alcançáveis.

Não à toa hoje a variedade mais cultivada em todo o mundo é a Cabernet Sauvignon, afinal trata-se de um nome facilmente reconhecido pelo consumidor, o que faz dela uma aposta mais segura para o produtor ou para a região neófita, carente de encontrar seu lugar ao sol em prateleiras cada vez mais cheias de opções e oportunidades.

Mas embora este pareça ser um fenômeno recente, movido pelo marketing bem azeitado e pela compreensão dos desejos e anseios dos consumidores, mais prontamente atendidos nas urgências das mídias e dos dados, já não é de hoje que tais (re)descobertas são parte da paisagem entre consumidores e produtores. E justamente de um desses casos que falaremos hoje.

Hoje vamos à França, mais precisamente ao Sul, mais precisamente ao Norte do Sul, vamos às encostas escarpadas no Rhône Norte, berço do duo Syrah e Viognier, nas hoje reputadas e disputadas apelações de Côte-Rôtie e Condrieu, uma ao lado da outra, quase que em uma sequência geológica, onde sutis diferenças de relevo e solo implicam em castas e estilos distintos mas tantas vezes complementares, resultando mesmo em vinhos de grande classe e vistos como pináculos da expressão varietal de tais castas.

Em se tratando da Syrah, anda que o cultivo de uvas nessa zona venha desde os romanos, temos aqui um local menos óbvio para o cultivo de tintas; afinal os ventos frios que sopram do Norte tornam a maturação adequada muitas vezes um desafio, bem mais complexo do que na igualmente famosa colina de Hermitage, mais ao Sul. Porém entra em jogo o relevo e a geologia locais. O próprio curso do rio Rhône, com uma marcada mudança em sua orientação, criou ao longo das eras uma colina tão propícia quanto desafiadora.

Propícia por sua orientação Sul-Sudeste, que combinada com sua marcada inclinação garantem abundância de raios solares nos períodos críticos para a maturação, além dos solos entre granito e xisto, que retém cada grau do calor solar. Desafiadora justamente por aquilo que a torna propícia, pois a inclinação marcada, chegando a 60º em alguns pontos, torna a vitivinicultura uma atividade trabalhosa, quase artesanal, com a necessidade do uso de trilhos e polias para a movimentação das mínimas cargas, como uma simples caixa de uvas recém-colhidas.

Todas essas dificuldades fizeram da Côte-Rôtie uma apelação menor, pouco explorada e pouco conhecida, onde os custos de produção por pouco não eram equalizados pelos valores que as garrafas alcançavam no mercado. Apenas 70ha eram plantados aqui no início dos anos 1970, naquela que parecia fadada a ser apenas uma curiosidade vitivinícola, uma apelação conhecida e apreciada por uma meia dúzia de curiosos aqui e acolá.

Mas como tantas vezes é o caso, a obstinação de alguns dedicados produtores, combinados com a iniciativa visionária, trouxe atenção aos vinhos da Côte-Rôtie, com o trabalho de Marcel Guigal, ainda hoje uma força importante na região e grande responsável pela popularização dos vinhos nos anos 1980, com suas três expressões da Côte-Rôtie, de vinhedos únicos, La Landonne, La Mouline e La Turque, expressões únicas das sutilezas do terroir local, com um estilo de maior extração, amaciados por um longo período em barricas novas, que construíram a fama entre apreciadores e colecionadores. E antes mesmo da expressão de vinhedos únicos, há ainda uma expressão necessária de duas grandes macrozonas aqui, duas côtes, a côte blonde, de solos mais claros e com algo de calcário, entregando vinhos mais perfumados e acessíveis, em contraste com a côte brune, com solos escuros e pesados, de xisto e argila, dando origem a vinhos estruturados e densos, de longa guarda.

Seguindo um pouco mais ao Sul, na continuação da Côte-Rôtie, está Condrieu, apelação por excelência da branca Viognier, que pode inclusive ser utilizada em até 20% (mas raramente chegando a mais do que 5 ou 10%) nos tintos da Côte-Rôtie, desde que seja co-plantada e co-fermentada. Mais ainda do que os tintos vizinhos, Condrieu chegou muito mais perto do desaparecimento, com míseros 12ha cultivados na década de 1960, em sua maioria destinados a produção de um estilo doce, absolutamente desconhecido fora dos círculos locais.

Um renovado interesse por seus brancos, deliciosamente aromáticos, com corpo e presença de boca, trouxeram os vinhedos hoje para mais de 200ha, alcançando prestígio e respeito com vinhos que em função de sua acidez mais baixa, na opinião de muitos, são mais bem consumidos em seus primeiros anos. Ainda que não falte quem defenda seu potencial de guarda.

Os vinhedos de Condrieu se estendem rumo sul além da cidade de Chavanay, já parte da apelação Saint Joseph. Os solos de granito decomposto permitem uma adequada maturação da Viognier, ainda que com uma dose de dificuldade, por tratar-se de uma casta naturalmente de baixo rendimento e suscetível a uma série de doenças.

Uma curiosidade sobre a apelação Condrieu é a existência, dentro dela, de uma das menores AOCs da França e uma das poucas que constitui um monopólio, ou seja, pertence toda a um único produtor. Com 3.5ha em um privilegiado anfiteatro de vinhas está Château Grillet, criada em 1936 e desde 2011 pertencente ao grupo Artemis, proprietários do Château Latour. Com uma clássica garrafa alongada e um rótulo espartano, chama por vezes a atenção amis pela raridade do que pelo aspecto qualitativo, mas é fato que entrega vinhos distintos e que os novos proprietários vêm aplicando todos os esforços na produção de vinhos que façam jus a fama e a exclusividade.

Hoje as apelações de Côte-Rôtie e Condrieu são uma realidade no mundo do vinho, desejadas e respeitadas, algo que certamente precisa compor uma boa adega. Mas não custa aproveitar esse histórico tão recente para considerar, qual será o grande clássico que passará por um renascimento nas próximas décadas?

Califórnia - Escanção

 

Em uma rápida revisão dos temas que já tratamos aqui nesse espaço, em busca de um caminho para o artigo desta edição, deparamo-nos com uma importante falha; em tantos anos que estamos aqui juntos nunca demos atenção a Califórnia. Pois sim, já falamos dos vinhos do Canadá, dos vinhos do estado de Nova York, mas nunca daquele que é por larga margem o principal produtor da América do Norte. Pois sim, os Estados Unidos são o 4º maior produtor global e tal é a importância da California que, fosse ela um país independente ainda sustentaria esse posto, como o 4º maior produtor do mundo, respondendo por 80% da produção Americana.

Interessante imaginar que, houvesse a história caminhado de outra forma, estaríamos aqui falando dos vinhos do México, não dos Estados Unidos. A Califórnia inicia sua história como território espanhol e em seguida a independência permanece como parte do território mexicano, até sua anexação pelos Estados Unidos em 1847, quando a vitivinicultura já era ali uma realidade desde tempos coloniais, tendo seu início pelas mãos dos missionários espanhóis, tal qual se passou com Chile e Argentina, inclusive com a mesma casta predominante, a Listán Prieto, aqui chamada pelo sinônimo Mission. Mas embora presente, falamos ainda de uma vitivinicultura nascente e voltada para um consumo local limitado, em uma região de pequenos e esparsos povoados.

O primeiro ponto de virada para a Califórnia vem em 1849, com uma descoberta dourada, literalmente! A descoberta de jazidas de ouro na região provoca uma corrida pelo metal precioso, levando a uma explosão populacional e consequentemente da demanda, o que leva ao crescimento acelerado da indústria local, com vinícolas e vinhedos por todos os cantos. Até as últimas décadas do século XIX praticamente todas as regiões hoje demarcada na Califórnia já tinham sido em maior ou menor nível exploradas para a produção de vinhos.

Mas de um início brilhante vieram décadas de problemas e ostracismo; filoxera, lei seca e um público com o paladar voltado para vinhos mais doces apagaram parte das glórias passadas e assim permaneceu até meados dos anos 1960. Nesse momento Robert Mondavi inaugura sua vinícola e na sequência vários importantes investimentos surgem na região, esforços que seriam coroados com o histórico “Julgamento de Paris” em 1976, quando a vitória de vinhos californianos contra grandes ícones franceses renovou as atenções do público, local e global, atraindo investimentos e abrindo as portas do mercado.

A vitivinicultura californiana é regida pelo mar. As águas sempre frias do Pacífico contrastam com as altas temperaturas no interior do estado, de forma que sempre que as temperaturas sobem em terra a elevação do ar quente “puxa” o ar frio do oceano, o que em combinação com o relevo local produz uma ampla variedade de micro climas, onde a depender de formações montanhosas os ventos frios podem penetrar por mais de 100km continente adentro, trazendo o refresco que, combinado ao clima seco e estável a época da colheita permite a obtenção de uvas em níveis ótimos de maturação, mas sempre com boa acidez.

Por certo que nem sempre esse é o caso; demandas de mercado, estimuladas por uma crítica alinhada aos gostos de Robert Parker, valorizando vinhos de maior extração e potência, em detrimento da elegância, deixou sua marca na produção local, com tantos tintos sólidos, quase para se comer de garfo e faca, acompanhados de brancos densos e amanteigados. São vinhos que contam com seu séquito de seguidores fiéis, mas quem tem perdido espaço em tempos recentes com uma demanda crescente por vinhos de maior frescor e equilíbrio.

Outra característica relevante é o fato que alguém com boa disposição (e fundos financeiros) não tem grande dificuldade em criar sua marca e produzir seus vinhos na Califórnia, contando o estado com um grande número proprietários de vinhedos, muitos deles históricos e reconhecidos, que não produzem vinhos mas vendem as uvas, por preços elevados. O Napa Valley e a vizinha Sonoma, duas regiões permeadas de propriedades pertencentes a empresários, artistas, esportistas, executivos e investidores, na ativa ou aposentados, são prolíficas em vinícolas nesse formato, onde os vinhedos são poucos ou até inexistentes, mas a fonte principal das uvas são contratos de longo prazo com viticultores de alto nível.

Certamente a Califórnia conta com sua dose de desafios, com uma redução na demanda por vinhos comerciais de menor custo, produzidos nos campos irrigados do Central Valley, além de eventos climáticos extremos, como secas intensas e incêndios de larga escala, mas a sede do consumidor pelos seus vinhos, a rica história de seus vinhedos e a qualidade elevada dos líquidos dali oriundos é a garantia que, ao menos no futuro em vista, esta seguirá sendo a grande usina que energiza toda a indústria do vinho nos Estados Unidos.

Alsace - Escanção

 

Há uma França que é profundamente francesa, mas ao mesmo tempo, profundamente alemã. Mas na verdade, uma França profundamente Alsaciana!

Da mistura e da simbiose entre duas culturas é que nasce essa região tão particular, foco de tantas disputas territoriais que marcaram a história europeia e hoje epicentro e símbolo da união do continente, com o Parlamento Europeu instalado na capital regional, Strasbourg. Ao longo de sua história, a Alsace foi parte da Prússia, da Alemanha e, hoje, da França, mas isso só reforçou sua identidade local, presente em sua arquitetura, em sua gastronomia, em seu dialeto e, evidentemente, em seus vinhos.

A vitivinicultura e a paisagem da Alsace são marcadas pelos montes Vosges, fronteira Oeste da região, responsáveis pelo clima seco mas também pela enorme variedade geológica local, uma das maiores, senão a maior, da França. E com tal variedade de solos, bem como de exposições e consequentemente de micro climas, por certo que acabamos por ter uma região onde o conceito de terroir é elevado a um outro patamar, com paralelo em território francês talvez apenas na Bourgogne. Um diferencial nas castas cultivadas, com a Pinot Noir sendo a única tinta, mas com uma coleção um pouco maior de brancas, lideradas pela Riesling, complementada por Pinot Gris, Gewürztraminer, Muscat, Pinot Blanc, Sylvaner e Chaselas.

Neste cenário diversificado e multicultural, a Alsace revela-se como um verdadeiro caldeirão de tradições, técnicas e inovações que se entrelaçam para criar vinhos de renome mundial. A rica história da região, marcada por frequentes mudanças de soberania, não diluiu sua identidade; pelo contrário, enriqueceu-a, conferindo aos vinhos alsacianos uma complexidade e um caráter distintos que refletem a singularidade do seu terroir.

A culinária alsaciana, assim como seus vinhos, é o resultado de uma fusão entre as tradições culinárias francesas e alemãs, oferecendo pratos ricos e saborosos que exigem vinhos igualmente expressivos. O casamento entre a comida e o vinho na Alsace é uma arte, com pratos tradicionais como choucroute garnie, tarte flambée (flammekueche), e baeckeoffe harmonizando perfeitamente com os vinhos locais. O equilíbrio entre a acidez, o corpo e os aromas dos vinhos alsacianos complementa a rica paleta de sabores da gastronomia regional, criando combinações gastronômicas memoráveis.

A Alsace conta também com 51 vinhedos classificados como Grand Crus, reconhecidos pela sua excepcional qualidade e características únicas. Cada Grand Cru é uma expressão distinta do terroir alsaciano, com regulamentos rigorosos que garantem a alta qualidade das uvas e dos vinhos produzidos. Estes vinhedos excepcionais produzem vinhos que não só exemplificam o pináculo da qualidade alsaciana, mas também apresentam uma incrível capacidade de envelhecimento, desenvolvendo complexidade e nuances ao longo dos anos. Cada um deles tem regras específicas, relativas as uvas utilizadas e outros detalhes. Nesse mesmo espírito, há um movimento para, em breve, também uma demarcação de 1er Crus,  permitindo maior compreensão das sutilezas do terroir loca.l

À medida que a Alsace avança no século XXI, a região enfrenta desafios e oportunidades únicas. As mudanças climáticas, por exemplo, têm o potencial de alterar o equilíbrio delicado que define o terroir alsaciano. No entanto, os viticultores da região estão adaptando suas práticas, explorando novas técnicas de vinificação e gestão de vinhedos para garantir que a qualidade e a integridade dos vinhos alsacianos sejam preservadas para as futuras gerações, além de experimentar com novas castas, que possam melhor se adaptar às condições climáticas atuais.

Os vinhos da Alsace são mais do que uma mera bebida; são uma celebração da história, cultura e geografia únicas da região. A fusão das influências francesas e alemãs, juntamente com uma dedicação incansável à qualidade e ao respeito pelo terroir, resultou em vinhos que são não apenas deliciosos, mas também narrativas líquidas da terra de onde vêm. À medida que a Alsace continua a abraçar suas tradições, ao mesmo tempo em que olha para o futuro com práticas inovadoras e sustentáveis, os vinhos da região adquirem um perfil ainda mais adaptado aos paladares modernos, o que só reforça a necessidade de estudo e conhecimento por parte do bom escanção.

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