segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

Provence - Escanção

 

Não faltam no mundo do vinho regiões que se tornam conhecidas por um único estilo, uma assinatura que leva o seu nome aos mercados globais e às taças de enófilos de todo canto. Foi assim com o Porto e o Douro, com o Rheingau e seus brancos ou com o Canadá e seus vinhos de uvas congeladas, o Icewine, para ficar em apenas três exemplos.

No entanto, a partir desse mesmo sucesso, outros estilos e produtos ganham também seu espaço, com maior ou menor força, estabelecendo assim a marca da região. O Douro hoje é amplamente reconhecido e respeitado por seus vinhos de mesa, brancos e tinto, alguns entre os mais disputados de Portugal; o Rheingau ainda é terra de brancos, mas os tintos de Pinot Noir têm um espaço cativo nas adegas de apreciadores; o Canadá supera as limitações do clima e firma-se a cada dia mais como uma nação produtora de bons vinhos secos em todas as cores e estilos e por aí vai.

Um emblema, uma bandeira, um produto de grande sucesso comercial, ganhando holofotes no momento certo, pode ser providencial para a construção de uma região, garantindo atenção do público e o fluxo adequado de investimentos que garantirão seu desenvolvimento, servindo de base para a construção ou para o resgate de vinhos e denominações de origem.

Um exemplo clássico dessa configuração é a Provence, no Sul da França. Região de clima sumamente mediterrâneo, por conta de seu relevo mais acidentado e de sua distribuição populacional, a Provence não teve um passado de produção em larga escala como o vizinho Languedoc. Mesmo com importantes cidades costeiras, especialmente Marseille e Nice, além de vinhos de grande fama entre os entendidos, porém de pequeno volume, como os tintos de Bandol, aqui havia uma produção variada em estilos e castas, porém fragmentada e mais focada no consumo local.

Depois das agruras da filoxera e de duas guerras mundiais, a sorte da Provence começou a mudar por conta do turismo; veranistas endinheirados ou não, de dentro e de fora da França, começaram a ocupar as praias da Côte d’Azur nos verões e em tempo foram acompanhados por um fluxo de celebridades que matavam sua sede a beira mar com grandes volumes de vinho rosé local, fresco, delicado, perfumado e de baixa extração, a combinação perfeita entre clima, ambiente, gastronomia e vinho.

Evidentemente a fama de tais vinhos acabou por ir além das praias e além da alta estação, criando uma marca, uma bandeira que a Provence pode levar pelo mundo, seus vinhos rosés, hoje praticamente um estilo por si só; não faltam produtores de todo o mundo que descrevam seus rosés como vinhos “em estilo provençal”, testemunho do sucesso da “marca” Rosé de Provence.

O sucesso trouxe atenção e investimentos; nomes do mundo do vinho compraram propriedades por lá e criaram seus vinhos, assim como artistas, empresários e afins, empolgados com aquela pitoresca região de suas férias e que acabaram investindo em suas propriedades que, evidentemente, não estariam completas sem vinhedos e vinhos. O ponto central aqui é que uma coisa puxou a outra e hoje, ainda que a Provence siga sem as grandes produções industriais do Languedoc, é fonte de um pequeno mar de rosados que preenchem taças ao redor do globo.

Mas pensar nessa região apenas nesses termos é reducionista e incorreto; falamos aqui de uma zona que conta com variedade, de solos, microclimas, castas, tradições e estilos a serem descobertos e explorados. Os solos da região vão do calcário, mais presente no interior, ao xisto, com variados níveis de exposição; o clima, ainda que mediterrâneo por essência, com abundância de horas de sol e pouca chuva, conta com o intenso e frio vento Mistral, que vem do Norte refrescando os vinhedos e diminuindo o risco de doenças fúngicas; já as castas tem uma distribuição ampla de Grenache e Cinsault, estrelas da produção de rosados, mas complementadas por Syrah, Mourvèdre, Carignan, Tibouren e Cabernet Sauvignon entre as tintas e Rolle (nome local da Vermentino), Ugni Blanc, Clairette, Grenache Blanc e outras brancas.

Assim compomos um mosaico de denominações e estilos, tradicionais e modernos, que convivem harmoniosamente, ampliando a gama e o alcance dos vinhos da Provence. Além da AOC Côtes de Provence, a mais extensa da França e base da produção dos rosados locais, vale destacar também Luberon, Palette, Cassis, Bellet e outras, que produzem vinhos de todos os estilos em áreas geográficas bem mais específicas, com duas menções em especial, para Les Baux de Provence, primeira AOC francesa a exigir a produção orgânica e desde há pouco a primeira com 100% dos vinhedos em sua área assim certificados, além de Bandol, onde brilha a perfumada e exigente Mourvèdre, que mesmo com tintos mais modernos e acessíveis na juventude tem sua fama construída sobre tintos densos, tânicos e firmes, que demandam longos anos de guarda antes do ponto ideal de consumo.

Certamente um leve, perfumado e delicado Rosé de Provence tem seu lugar e seu momento, tanto para o nosso consumo pessoal quanto para nossas cartas de vinhos, como um caminho para conquistar o cliente, mas usado sabiamente, esse rosé será tão somente uma porta de entrada a partir da qual poderemos permitir ao comensal a exploração e descoberta de toda uma região cheia de histórias e influências em sua vitivinicultura.

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