Não faltam
no mundo do vinho regiões que se tornam conhecidas por um único estilo, uma
assinatura que leva o seu nome aos mercados globais e às taças de enófilos de
todo canto. Foi assim com o Porto e o Douro, com o Rheingau e seus brancos ou
com o Canadá e seus vinhos de uvas congeladas, o Icewine, para ficar em apenas
três exemplos.
No entanto,
a partir desse mesmo sucesso, outros estilos e produtos ganham também seu
espaço, com maior ou menor força, estabelecendo assim a marca da região. O
Douro hoje é amplamente reconhecido e respeitado por seus vinhos de mesa,
brancos e tinto, alguns entre os mais disputados de Portugal; o Rheingau ainda
é terra de brancos, mas os tintos de Pinot Noir têm um espaço cativo nas adegas
de apreciadores; o Canadá supera as limitações do clima e firma-se a cada dia
mais como uma nação produtora de bons vinhos secos em todas as cores e estilos
e por aí vai.
Um emblema,
uma bandeira, um produto de grande sucesso comercial, ganhando holofotes no
momento certo, pode ser providencial para a construção de uma região,
garantindo atenção do público e o fluxo adequado de investimentos que
garantirão seu desenvolvimento, servindo de base para a construção ou para o
resgate de vinhos e denominações de origem.
Um exemplo
clássico dessa configuração é a Provence, no Sul da França. Região de clima
sumamente mediterrâneo, por conta de seu relevo mais acidentado e de sua
distribuição populacional, a Provence não teve um passado de produção em larga
escala como o vizinho Languedoc. Mesmo com importantes cidades costeiras,
especialmente Marseille e Nice, além de vinhos de grande fama entre os
entendidos, porém de pequeno volume, como os tintos de Bandol, aqui havia uma
produção variada em estilos e castas, porém fragmentada e mais focada no
consumo local.
Depois das
agruras da filoxera e de duas guerras mundiais, a sorte da Provence começou a
mudar por conta do turismo; veranistas endinheirados ou não, de dentro e de
fora da França, começaram a ocupar as praias da Côte d’Azur nos verões e em
tempo foram acompanhados por um fluxo de celebridades que matavam sua sede a
beira mar com grandes volumes de vinho rosé local, fresco, delicado, perfumado
e de baixa extração, a combinação perfeita entre clima, ambiente, gastronomia e
vinho.
Evidentemente
a fama de tais vinhos acabou por ir além das praias e além da alta estação,
criando uma marca, uma bandeira que a Provence pode levar pelo mundo, seus
vinhos rosés, hoje praticamente um estilo por si só; não faltam produtores de
todo o mundo que descrevam seus rosés como vinhos “em estilo provençal”,
testemunho do sucesso da “marca” Rosé de Provence.
O sucesso
trouxe atenção e investimentos; nomes do mundo do vinho compraram propriedades
por lá e criaram seus vinhos, assim como artistas, empresários e afins,
empolgados com aquela pitoresca região de suas férias e que acabaram investindo
em suas propriedades que, evidentemente, não estariam completas sem vinhedos e
vinhos. O ponto central aqui é que uma coisa puxou a outra e hoje, ainda que a
Provence siga sem as grandes produções industriais do Languedoc, é fonte de um
pequeno mar de rosados que preenchem taças ao redor do globo.
Mas pensar
nessa região apenas nesses termos é reducionista e incorreto; falamos aqui de
uma zona que conta com variedade, de solos, microclimas, castas, tradições e
estilos a serem descobertos e explorados. Os solos da região vão do calcário,
mais presente no interior, ao xisto, com variados níveis de exposição; o clima,
ainda que mediterrâneo por essência, com abundância de horas de sol e pouca
chuva, conta com o intenso e frio vento Mistral, que vem do Norte refrescando
os vinhedos e diminuindo o risco de doenças fúngicas; já as castas tem uma
distribuição ampla de Grenache e Cinsault, estrelas da produção de rosados, mas
complementadas por Syrah, Mourvèdre, Carignan, Tibouren e Cabernet Sauvignon
entre as tintas e Rolle (nome local da Vermentino), Ugni Blanc, Clairette,
Grenache Blanc e outras brancas.
Assim
compomos um mosaico de denominações e estilos, tradicionais e modernos, que
convivem harmoniosamente, ampliando a gama e o alcance dos vinhos da Provence.
Além da AOC Côtes de Provence, a mais extensa da França e base da produção dos
rosados locais, vale destacar também Luberon, Palette, Cassis, Bellet e outras,
que produzem vinhos de todos os estilos em áreas geográficas bem mais
específicas, com duas menções em especial, para Les Baux de Provence, primeira
AOC francesa a exigir a produção orgânica e desde há pouco a primeira com 100%
dos vinhedos em sua área assim certificados, além de Bandol, onde brilha a
perfumada e exigente Mourvèdre, que mesmo com tintos mais modernos e acessíveis
na juventude tem sua fama construída sobre tintos densos, tânicos e firmes, que
demandam longos anos de guarda antes do ponto ideal de consumo.
Certamente
um leve, perfumado e delicado Rosé de Provence tem seu lugar e seu momento,
tanto para o nosso consumo pessoal quanto para nossas cartas de vinhos, como um
caminho para conquistar o cliente, mas usado sabiamente, esse rosé será tão
somente uma porta de entrada a partir da qual poderemos permitir ao comensal a
exploração e descoberta de toda uma região cheia de histórias e influências em
sua vitivinicultura.
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