segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

Côte Rotie e Condrieu - Escanção

 

De Clássicos a Redescobertas

A história moderna do vinho é uma na qual não faltam contos de renascimento e redescoberta. Afinal, poucas coisas mexem mais com os desejos e pensamentos de escanções e amantes do vinho tanto quanto a sensação de encontrar algo tido como perdido, um vinho, uma uva, uma região, um produtor, aos poucos esquecidos em favor de nomes que melhor se comunicam com o grande público, gerando vendas, resultados e fama mais facilmente alcançáveis.

Não à toa hoje a variedade mais cultivada em todo o mundo é a Cabernet Sauvignon, afinal trata-se de um nome facilmente reconhecido pelo consumidor, o que faz dela uma aposta mais segura para o produtor ou para a região neófita, carente de encontrar seu lugar ao sol em prateleiras cada vez mais cheias de opções e oportunidades.

Mas embora este pareça ser um fenômeno recente, movido pelo marketing bem azeitado e pela compreensão dos desejos e anseios dos consumidores, mais prontamente atendidos nas urgências das mídias e dos dados, já não é de hoje que tais (re)descobertas são parte da paisagem entre consumidores e produtores. E justamente de um desses casos que falaremos hoje.

Hoje vamos à França, mais precisamente ao Sul, mais precisamente ao Norte do Sul, vamos às encostas escarpadas no Rhône Norte, berço do duo Syrah e Viognier, nas hoje reputadas e disputadas apelações de Côte-Rôtie e Condrieu, uma ao lado da outra, quase que em uma sequência geológica, onde sutis diferenças de relevo e solo implicam em castas e estilos distintos mas tantas vezes complementares, resultando mesmo em vinhos de grande classe e vistos como pináculos da expressão varietal de tais castas.

Em se tratando da Syrah, anda que o cultivo de uvas nessa zona venha desde os romanos, temos aqui um local menos óbvio para o cultivo de tintas; afinal os ventos frios que sopram do Norte tornam a maturação adequada muitas vezes um desafio, bem mais complexo do que na igualmente famosa colina de Hermitage, mais ao Sul. Porém entra em jogo o relevo e a geologia locais. O próprio curso do rio Rhône, com uma marcada mudança em sua orientação, criou ao longo das eras uma colina tão propícia quanto desafiadora.

Propícia por sua orientação Sul-Sudeste, que combinada com sua marcada inclinação garantem abundância de raios solares nos períodos críticos para a maturação, além dos solos entre granito e xisto, que retém cada grau do calor solar. Desafiadora justamente por aquilo que a torna propícia, pois a inclinação marcada, chegando a 60º em alguns pontos, torna a vitivinicultura uma atividade trabalhosa, quase artesanal, com a necessidade do uso de trilhos e polias para a movimentação das mínimas cargas, como uma simples caixa de uvas recém-colhidas.

Todas essas dificuldades fizeram da Côte-Rôtie uma apelação menor, pouco explorada e pouco conhecida, onde os custos de produção por pouco não eram equalizados pelos valores que as garrafas alcançavam no mercado. Apenas 70ha eram plantados aqui no início dos anos 1970, naquela que parecia fadada a ser apenas uma curiosidade vitivinícola, uma apelação conhecida e apreciada por uma meia dúzia de curiosos aqui e acolá.

Mas como tantas vezes é o caso, a obstinação de alguns dedicados produtores, combinados com a iniciativa visionária, trouxe atenção aos vinhos da Côte-Rôtie, com o trabalho de Marcel Guigal, ainda hoje uma força importante na região e grande responsável pela popularização dos vinhos nos anos 1980, com suas três expressões da Côte-Rôtie, de vinhedos únicos, La Landonne, La Mouline e La Turque, expressões únicas das sutilezas do terroir local, com um estilo de maior extração, amaciados por um longo período em barricas novas, que construíram a fama entre apreciadores e colecionadores. E antes mesmo da expressão de vinhedos únicos, há ainda uma expressão necessária de duas grandes macrozonas aqui, duas côtes, a côte blonde, de solos mais claros e com algo de calcário, entregando vinhos mais perfumados e acessíveis, em contraste com a côte brune, com solos escuros e pesados, de xisto e argila, dando origem a vinhos estruturados e densos, de longa guarda.

Seguindo um pouco mais ao Sul, na continuação da Côte-Rôtie, está Condrieu, apelação por excelência da branca Viognier, que pode inclusive ser utilizada em até 20% (mas raramente chegando a mais do que 5 ou 10%) nos tintos da Côte-Rôtie, desde que seja co-plantada e co-fermentada. Mais ainda do que os tintos vizinhos, Condrieu chegou muito mais perto do desaparecimento, com míseros 12ha cultivados na década de 1960, em sua maioria destinados a produção de um estilo doce, absolutamente desconhecido fora dos círculos locais.

Um renovado interesse por seus brancos, deliciosamente aromáticos, com corpo e presença de boca, trouxeram os vinhedos hoje para mais de 200ha, alcançando prestígio e respeito com vinhos que em função de sua acidez mais baixa, na opinião de muitos, são mais bem consumidos em seus primeiros anos. Ainda que não falte quem defenda seu potencial de guarda.

Os vinhedos de Condrieu se estendem rumo sul além da cidade de Chavanay, já parte da apelação Saint Joseph. Os solos de granito decomposto permitem uma adequada maturação da Viognier, ainda que com uma dose de dificuldade, por tratar-se de uma casta naturalmente de baixo rendimento e suscetível a uma série de doenças.

Uma curiosidade sobre a apelação Condrieu é a existência, dentro dela, de uma das menores AOCs da França e uma das poucas que constitui um monopólio, ou seja, pertence toda a um único produtor. Com 3.5ha em um privilegiado anfiteatro de vinhas está Château Grillet, criada em 1936 e desde 2011 pertencente ao grupo Artemis, proprietários do Château Latour. Com uma clássica garrafa alongada e um rótulo espartano, chama por vezes a atenção amis pela raridade do que pelo aspecto qualitativo, mas é fato que entrega vinhos distintos e que os novos proprietários vêm aplicando todos os esforços na produção de vinhos que façam jus a fama e a exclusividade.

Hoje as apelações de Côte-Rôtie e Condrieu são uma realidade no mundo do vinho, desejadas e respeitadas, algo que certamente precisa compor uma boa adega. Mas não custa aproveitar esse histórico tão recente para considerar, qual será o grande clássico que passará por um renascimento nas próximas décadas?

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