segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

México - Escanção

 

México – Vinhos do Velho Novo Mundo

Não é incomum que o mundo do vinho nos reserve surpresas, e poucas parecem tão intrigantes quanto a presença consolidada da vitivinicultura no México. País de tradições milenares, paisagens diversas e uma história rica em encontros culturais, o México também guarda, ainda que à margem do radar da maioria, uma das histórias vitivinícolas mais antigas do continente americano.

De fato, é lá, e não mais ao sul, que encontramos os primeiros registros de produção de vinho nas Américas, iniciada ainda no século XVI, com a chegada dos espanhóis. Tal qual em outras regiões sob domínio da coroa ibérica, a produção foi estabelecida para atender as necessidades das missões religiosas, com o plantio da uva Listán Prieto, aqui conhecida como Mission. E, como também se viu em outros pontos do Novo Mundo, o sucesso da produção local passou a ameaçar os interesses metropolitanos, levando à proibição do plantio de novas vinhas por ordem da coroa espanhola, medida que limitou o desenvolvimento do setor por séculos.

Mesmo sob tais restrições, algumas áreas mantiveram a tradição da viticultura, especialmente aquelas sob influência de ordens religiosas, onde o cultivo da vinha e a produção de vinho persistiram em pequena escala. Com a independência do México, a partir do século XIX, o cenário começou a mudar, mas foi apenas nas últimas décadas do século XX que se observou uma retomada estruturada e voltada para a qualidade.

Esse novo impulso tem como epicentro a região de Baja California, mais especificamente o Valle de Guadalupe, hoje sinônimo da moderna vitivinicultura mexicana. Trata-se de uma região de clima árido, fortemente influenciada pelo oceano Pacífico, com dias quentes e noites frescas, fator essencial para a preservação da acidez nas uvas. Os solos são pobres e bem drenados, o que, somado à baixa pluviosidade, torna a irrigação um elemento essencial e a gestão hídrica um dos principais desafios da viticultura local.

Dentro deste contexto, encontra-se um mosaico de castas plantadas, com destaque para Cabernet Sauvignon, Syrah, Nebbiolo, Grenache e Tempranillo entre as tintas, e Chardonnay, Chenin Blanc e Sauvignon Blanc entre as brancas. A liberdade de estilo e a ausência de amarras regulatórias mais estritas permitiram aos produtores locais uma abordagem experimental, com vinhos que expressam tanto o terroir quanto a criatividade de seus enólogos.

Embora o Valle de Guadalupe concentre a atenção internacional, outras regiões mexicanas vêm se firmando como polos de produção. Coahuila, no nordeste do país, abriga a Casa Madero, fundada em 1597 e considerada a vinícola mais antiga das Américas. Já os estados de Querétaro, Zacatecas, Aguascalientes e Guanajuato apresentam altitudes elevadas, por vezes acima de 2.000 metros, criando condições ideais para a produção de vinhos com frescor, estrutura e elegância, mesmo sob intensa radiação solar.

Os desafios, por certo, não são poucos. A escassez de água é uma constante, e o clima pode ser severo e imprevisível. Ainda assim, há uma resposta técnica crescente: irrigação controlada, uso de porta-enxertos resistentes, adaptação varietal e até o início de práticas mais sustentáveis, com incremento de vinhos orgânicos e de mínima intervenção.

Um passo simbólico importante neste processo de consolidação foi dado recentemente, com o anúncio da primeira Indicação Geográfica Protegida (IGP) para um vinho mexicano. A certificação foi concedida à região de Querétaro, reconhecendo oficialmente a identidade e qualidade dos vinhos ali produzidos. Trata-se de um marco regulatório relevante para a valorização do terroir local e um passo decisivo na direção de uma organização mais clara da viticultura nacional, abrindo caminho para que outras regiões mexicanas também busquem reconhecimento oficial e proteção de origem.

A vitivinicultura mexicana ainda enfrenta o desafio da consolidação no mercado internacional e da construção de uma imagem de consistência e qualidade. Contudo, o avanço técnico, o surgimento de novos talentos e a crescente atenção da crítica especializada indicam um caminho promissor. Ao escanção atento às tendências e à diversidade do mundo do vinho, cabe não apenas observar, mas estudar e compreender esse novo velho produtor do continente americano, que encontra no passado a base para uma construção de futuro sólida e cheia de possibilidades.

 

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