México – Vinhos do Velho Novo Mundo
Não é incomum que o mundo do vinho nos reserve
surpresas, e poucas parecem tão intrigantes quanto a presença consolidada da
vitivinicultura no México. País de tradições milenares, paisagens diversas e
uma história rica em encontros culturais, o México também guarda, ainda que à
margem do radar da maioria, uma das histórias vitivinícolas mais antigas do
continente americano.
De fato, é lá, e não mais ao sul, que encontramos os
primeiros registros de produção de vinho nas Américas, iniciada ainda no século
XVI, com a chegada dos espanhóis. Tal qual em outras regiões sob domínio da
coroa ibérica, a produção foi estabelecida para atender as necessidades das
missões religiosas, com o plantio da uva Listán Prieto, aqui conhecida como
Mission. E, como também se viu em outros pontos do Novo Mundo, o sucesso da
produção local passou a ameaçar os interesses metropolitanos, levando à proibição
do plantio de novas vinhas por ordem da coroa espanhola, medida que limitou o
desenvolvimento do setor por séculos.
Mesmo sob tais restrições, algumas áreas mantiveram a
tradição da viticultura, especialmente aquelas sob influência de ordens
religiosas, onde o cultivo da vinha e a produção de vinho persistiram em
pequena escala. Com a independência do México, a partir do século XIX, o
cenário começou a mudar, mas foi apenas nas últimas décadas do século XX que se
observou uma retomada estruturada e voltada para a qualidade.
Esse novo impulso tem como epicentro a região de Baja
California, mais especificamente o Valle de Guadalupe, hoje sinônimo da moderna
vitivinicultura mexicana. Trata-se de uma região de clima árido, fortemente
influenciada pelo oceano Pacífico, com dias quentes e noites frescas, fator
essencial para a preservação da acidez nas uvas. Os solos são pobres e bem
drenados, o que, somado à baixa pluviosidade, torna a irrigação um elemento
essencial e a gestão hídrica um dos principais desafios da viticultura local.
Dentro deste contexto, encontra-se um mosaico de
castas plantadas, com destaque para Cabernet Sauvignon, Syrah, Nebbiolo,
Grenache e Tempranillo entre as tintas, e Chardonnay, Chenin Blanc e Sauvignon
Blanc entre as brancas. A liberdade de estilo e a ausência de amarras
regulatórias mais estritas permitiram aos produtores locais uma abordagem
experimental, com vinhos que expressam tanto o terroir quanto a criatividade de
seus enólogos.
Embora o Valle de Guadalupe concentre a atenção
internacional, outras regiões mexicanas vêm se firmando como polos de produção.
Coahuila, no nordeste do país, abriga a Casa Madero, fundada em 1597 e
considerada a vinícola mais antiga das Américas. Já os estados de Querétaro,
Zacatecas, Aguascalientes e Guanajuato apresentam altitudes elevadas, por vezes
acima de 2.000 metros, criando condições ideais para a produção de vinhos com
frescor, estrutura e elegância, mesmo sob intensa radiação solar.
Os desafios, por certo, não são poucos. A escassez de
água é uma constante, e o clima pode ser severo e imprevisível. Ainda assim, há
uma resposta técnica crescente: irrigação controlada, uso de porta-enxertos
resistentes, adaptação varietal e até o início de práticas mais sustentáveis,
com incremento de vinhos orgânicos e de mínima intervenção.
Um passo simbólico importante neste processo de
consolidação foi dado recentemente, com o anúncio da primeira Indicação
Geográfica Protegida (IGP) para um vinho mexicano. A certificação foi concedida
à região de Querétaro, reconhecendo oficialmente a identidade e qualidade dos
vinhos ali produzidos. Trata-se de um marco regulatório relevante para a
valorização do terroir local e um passo decisivo na direção de uma organização
mais clara da viticultura nacional, abrindo caminho para que outras regiões
mexicanas também busquem reconhecimento oficial e proteção de origem.
A vitivinicultura mexicana ainda enfrenta o desafio da
consolidação no mercado internacional e da construção de uma imagem de
consistência e qualidade. Contudo, o avanço técnico, o surgimento de novos
talentos e a crescente atenção da crítica especializada indicam um caminho
promissor. Ao escanção atento às tendências e à diversidade do mundo do vinho,
cabe não apenas observar, mas estudar e compreender esse novo velho produtor do
continente americano, que encontra no passado a base para uma construção de futuro
sólida e cheia de possibilidades.
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