No Coração
da Vitivinicultura Brasileira
Cada vez
mais hoje em dia produz-se vinho por todo canto do Brasil. Nesse mesmo espaço
já falamos da Campanha Gaúcha, no extremo Sul do país, assim como da Chapada
Diamantina, no interior da Bahia, já na região Nordeste. Há ainda produções
comerciais mais significativas em Goiás e nos arredores de Brasília,
Pernambuco, São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Paraná, além de Espírito
Santo, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul e por aí vai, sem contar ainda os
produtores que na falta de clima adequado para as uvas, fazem seus fermentados
com frutos como o açaí, o cupuaçu, o caju, a jaca. O fato é que ainda que com
um consumo per capita limitado, há um interesse e esforço genuíno em tornar o
Brasil cada vez mais um país de vinhos.
O doce
sabor da novidade tantas vezes seduz e empolga; é natural o desejo de conhecer
o novo, de desbravar novos sabores e regiões. Porém não só de novidades se faz
o novo, o novo também vem daqueles que por tanto tempo constituíram, e ainda
constituem, a base de nossa vitivinicultura, naquela que é a mais tradicional
região produtora do Brasil, a Serra Gaúcha.
Recentemente
tive a oportunidade de visitar a Serra Gaúcha como há muito tempo não fazia, em
um tour intensivo, passando por mais de uma dezena de produtores em uns poucos
dias e me atualizando em relação a muito do que vem acontecendo por lá. Em
função das dimensões continentais do Brasil, é equivocado imaginar que os
vinhos brasileiros estejam prontamente disponíveis em qualquer lugar do país.
Claro que há produtores maiores, que contam com uma distribuição mais ampla,
além do fato que vivo em São Paulo, centro econômico e maior cidade do Brasil,
de modo que a disponibilidade aqui é um pouco maior, mas há muitos pequenos
produtores cuja distribuição é limitada, fato que foi reforçado pelas grandes
inundações sofridas pelos Rio Grande do Sul ano passado, que dificultaram a
logística um pouco mais.
Não há melhor
forma para entender uma região do que a visitar e estar frente a frente com as
pessoas que traduzem em vinhos aquele terroir! E hoje ganha cada vez mais força
uma dinâmica de renovação na Serra Gaúcha, com uma clara mudança geracional que
é perceptível na taça. A absoluta maioria das vinícolas que visitei tem hoje
uma nova geração no comando, seja da enologia, dos campos, da comunicação e
vendas ou de todo o conjunto, mas é clara uma visão fresca e renovada sobre o
que o vinho da Serra Gaúcha é e, mais importante, sobre o que ele pode ser.
Parte dessa
visão fica clara com um cuidado e esforço cada vez maior no entendimento das
sutilezas de cada subzona de produção; a cada dia a Serra Gaúcha deixa de ser
uma zona, para tornar-se uma macrozona, com o reconhecimento de diferentes
indicações geográficas, que permitem destacar os terroirs locais. Hoje já há
dentro da Serra Gaúcha as Indicações de Procedência de Pinto Bandeira, Altos
Montes, Vale dos Vinhedos, Monte Belo e Farroupilha, essa última exclusiva para
Moscatéis Espumantes, no estilo Asti e de elevada qualidade, além das únicas
dos Denominações de Origem do Brasil, Vale dos Vinhedos e Altos de Pinto
Bandeira, exclusiva para espumantes método clássico; fora isso há ainda
movimentos nascentes pela demarcação de novas IPs, como Faria Lemos.
Todo esse
interesse e foco não só na demarcação, mas na efetiva promoção de distintas
indicações geográficas demonstra um aprofundamento da compreensão de nossas
particularidades. Ainda que para o consumidor leigo a profusão de indicações,
nem todas familiares, possa causar alguma confusão, é inegável que demonstra
uma indústria mais ciente de suas particularidades geográficas que podem, em
última análise, se refletirem na taça do cliente.
O salto
tecnológico também é um aspecto visível, em equipamentos, mas também em
técnicas, de manejo e produção. A compreensão de que o mundo do vinho está em
constante evolução é notória e mais do que isso, inescapável para aqueles que
buscam conquistar mercados mais amplos, justamente em um momento desafiador,
com redução de consumo e mudança de hábitos.
Mas que
fique claro que toda a mudança e evolução vem firmemente calcada nas tradições
que construíram o presente; não faltaram oportunidades de degustar vinhos
maduros, surpreendendo por sua longevidade, alguns já se aproximando das quatro
décadas de idade. O fato é que os vinhos da Serra Gaúcha tendem a contar com
elevada acidez natural, que bem trabalhada em um conjunto equilibrado rendem
vinhos com excelente potencial de guarda, a despeito das opiniões, muitas vezes
preconceituosas, que os próprios brasileiros têm de seus vinhos.
O Brasil é
um país ainda infante em sua caminhada nesse mundo de tradições milenares que é
o vinho, mas a oportunidade de presenciar esses passos ainda iniciais, mas já
tão adiantados, em pleno coração de nossa vitivinicultura, é das alegrias que a
profissão nos proporciona.
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