Todos os
produtores tradicionais do vinho têm seus produtores ou regiões icônicas,
reconhecidos por sua qualidade, história, legado e consistência qualitativa; é
um clube onde vamos encontrar vinhos como o Barca Velha, grandes Portos, Vega
Sicília, toda uma leva de grandes Barolos, Brunellos e Supertoscanos e por aí
vai. Aliás, dados recentes da LivEX mostram estes ícones de fora da França
consistentemente ganhando espaço e sendo mais e mais valorizados no mercado
secundário, dos colecionadores e leiloeiros.
Mas entre
crises, pandemias, guerras factuais e tarifárias muito muda, mas algo permanece
de forma quase perene; os grandes ícones franceses ocupam consistentemente o
topo dos rankings de preços. Faça uma visita a garrafeira de sua confiança e
constate, que em condições semelhantes de idade e qualidade das safras não há
páreo para os preços de nomes como Petrus, Margaux, Latour, Romanée-Conti e
tantos outros.
Tal
predominância é tão marcada em nossas referências que parece algo dado desde
sempre, um fato que faz parte do mundo do vinho moderno, desde seu advento ali
pelos séculos XVII e XVIII. E essa é quase uma verdade; quase, por conta de uma
honrosa exceção, os vinhos alemães do Rheingau.
Pois é...
Essa pequena região, altamente especializada em brancos feitos da uva Riesling
e que se estende por alguns quilômetros ao longo da margem Norte do rio Reno
ocupa a posição de, por algumas décadas, ter produzido vinhos que eram então os
mais caros do mundo, aliás, justamente quando foi elaborada a famosa
classificação de 1855 dos vinhos de Bordeaux era esse o caso.
Hoje em
posição significativamente mais modesta, em relação aos seus preços, o Rheingau
segue entregando elevada qualidade, além da grande relevância histórica,
disputando mesmo a primazia entre as regiões que primeiro produziram vinhos
doces a partir de uvas acometidas da podridão nobre, segundo os registros, dos
vinhedos murados de Schloss Johannisberg, estabelecido pelos monges
cistercienses como “rival” do borgonhês Clos Vougeot. Também aqui reclama-se o
título de berço da uva Riesling, a casta alemã por excelência, além de, em
tempos mais recentes, ter sido o ponto de partida da criação do VDP, associação
de produtores alemãs cujas regras de qualidade tornaram-se o pináculo pelo qual
a legislação alemã de orienta.
Com tantos
e tão relevantes feitos, não é de se estranhar que o Rheingau ocupe uma posição
singular entre as regiões clássicas da Alemanha e mesmo do Mundo. A casta
queridinha de tantos enófilos e profissionais mundo afora, a Riesling, encontra
aqui um de seus terroirs de excelência, ombro a ombro com o Mosel. Das margens
do rio Mosel, os solos de xisto e ardósia entrega vinhos diáfanos, sutis e
intensos ao mesmo tempo, com menor álcool, elevada acidez e um sutil doque de
doçura, muitas vezes absolutamente indispensável para garantir o justo
equilíbrio aos vinhos ali produzidos. Já
o Rheingau, de solos mais variados e temperaturas mais elevadas, traz Rieslings
de maior corpo e em geral mais secos, ainda que haja uma importante produção de
exemplares doces, a partir da seleção contínua de uvas acometidas pela
botrytis.
A maior
parte da produção ocorre às margens do Reno, a oeste da cidade de Wiesbaden, em
um trecho de cerca de 20km no qual o rio corre no sentido Leste-Oeste, até
fazer uma curva sentido Norte pouco depois de Rüdesheim. Nessa faixa contínua
de vinhedos com orientação Sul a exposição solar combina-se ao calor e lux
refletidos nos mais de 500m de largura do rio, criando a condição perfeita para
uma excelente maturação das uvas, preservando seu frescor e acidez com as frias
noites da região. Toda uma colcha de retalhos de vinhedos demarcados definem o
Rheingau, não por acaso um espelho da demarcação dos vinhedos da Bourgogne,
afinal ambas as regiões contam a presença de ordens monásticas na raiz de suas
origens; aqui, além do já citado Schloss Johannisberg, são muitos outros os
vinhedos demarcados e as construções que permaneceram, tal como as tradições de
estudo e pesquisa, cristalizadas na presença do tradicional instituto de
Geisenheim, uma das mais renomadas instituições de ensino e pesquisa do mundo
do vinho.
Ainda que o
Reno seja a referência, inclusive dando nome a região, uma importante parte de
sua produção, de elevada qualidade, encontra-se às margens de outro rio, o
Main, a Leste de Wiesbaden, nas imediações de Hochheim, onde a Riesling entrega
vinhos encorpados e brilhantes, a partir das gentis colinas da zona, vinhos
esses aliás, que deram origem o nome “Hoch”, por muito tempo um sinônimo de
vinho alemão para os ingleses.
Uma
curiosidade adicional no Rheingau é a força, qualitativa e quantitativa, de sua
produção de tintos, que pré-data as ondas mais recentes de plantações de
Spätburgunder/Pinot Noir pela Alemanha, como consequência das mudanças
climáticas que ora enfrentamos. Desde sempre, os vinhedos de Assmannshausen e
imediações, no extremo Oeste da região, logo após a curva à Norte do Reno,
estão reputados entre os mais finos exemplares tintos do país, posição
merecidamente destacada em tempos recentes, em função de ganhos de qualidade
mais estáveis, pelas mudanças climáticas já supracitadas.
A Alemanha
do vinho é muito mais do que o Mosel e o Rheingau, mas é inegável que esse
adorável pedacinho do país ocupou um lugar no imaginário geral como a
referência visual do que é a vitivinicultura alemã. Tal posição, justa ou não,
é amplamente reforçada pela superlativa qualidade dos vinhos ali produzidos,
presença obrigatória nas adegas e nos estudos de enófilos e escanções de todos
os cantos.
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